quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Só pelo prazer de observar suas costas até a esquina

Gostava de olhar praquelas costas. Preferia seus vestidos, camisas ou o que quer que a moda resolvesse lhe presentear, com decotes. Generosos decotes nas costas. Vibrava com a possibilidade de aplicar uma de suas massagens, mesmo cansado pós drink, pós trabalho, só para ficar num estado erótico quase meditativo, olhos vidrados num caminhar suave pelos contornos, pele e geografia de seu derrière. Preferia todas as posições sexuais em que a mantivesse assim, numa espécie de nuca a tete. E seguia negligenciando por puro prazer, de forma muito natural, seus belos olhos, maças do rosto e sorriso estonteante. Seus dois círculos castanhos observavam continuamente um vazio a sua frente, enquanto o prazer vinha por trás. Ela se divertia com isso. Se divertia com cada uma das putarias que chegavam a seus ouvidos acompanhadas por seu hálito quente. Olhar nos olhos era permitido, geralmente o suficiente para que levasse um soco poético ou para que suas almas afastassem o mal que a falta de um amor faz para uma biografia. Páginas em aberto seguiam sendo escritas, guardadas, espalhadas pela casa. Os dias passavam lentamente só de birra, para abrir espaço pra noite perder-se entre horas mal dormidas. Pra quê dormir? Era preciso beber aquela indiferença pelo dia. Era preciso respirar a lucidez que transcende a importancia de uma agenda. Enquanto levantava para trabalhar, ela continuava na cama. Miava em dor, sucitando vontades de um pouco mais. Mas era preciso sair. Talvez só pela saudade. E enquanto caminhava com a barba por fazer pela rua de pedras, sentia os olhos dela, olhando pela janela, lá atrás. Quisera ele trocar suas posições. Quisera ele estar ainda no quarto e ela na rua. Fechava os olhos e imaginava isso em sonhos, só pelo prazer de observar suas costas desfilando até chegar a esquina.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

8,2 km

E leve respiro com meu nariz completamente descongestionado. Apaixonado, meu pulmão funciona bem. Tenho fôlego de criança e ando sem apego junto a tudo que faria uma falta danada senão estivesse tão despretensiosamente presente. Dou furos que de tão burros me aquecem como um banho de mar numa tarde nublada e fria. Sou absolvido em meus fracassos por cada sorriso seu. Por cada olhar que me fuzila cheio de amor, semi cerrado, cheio de tesão à flor da pele. Estou falando de mim, que encontrei meu caminho. Estou falando que posso andar para o lado, mas só vejo graça em descobrir mais o que nossa história pode dar. Estou falando. São claras as minhas pequenas contradições. Tão certas que me fornecem leveza. Me sinto em albergue, sem rotas, não preciso responder-te sim. Não deixo a coragem escapar, sigo forte em minhas idéias. Tenho suporte em cada passo, que se bem dado, encontra seu corpo ao lado encostado a mim. Nossa história já tão cheia de estórias segue simples, segue indo bem, meio assim. Tem seus pontos fortes, seus pontos fracos, mas não admite distâncias, então seguimos sem achar tudo tão fácil. Minha dança pede você, minha bailarina. Nossa cama não admite fim. Se te quero em fogo, te espero em pleno vento. Não preciso proteger meus olhos da poeira ou da sujeira do tempo, nem proteger tuas dores de mim. Você é minha e não há nada que possamos fazer. Em liberdade poderíamos ir embora a qualquer breve momento, mas não seria justo, nem, tolamente, ousaria isso significar um fim.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Notas de um mesmo assunto nº23

Se não escrevo mais já não posso ser considerado um escritor. Já não posso mais colocar em forma de pequenos retalhos, cada fiapo do que sinto descrito em palavras. Tenho medo do que escrevo. Prefiro dizer. Prefiro sentir. Queimo a língua e coloco fogo em todos meus livros. Em todas as minhas páginas com cheiro de loja. Minhas letras são feitas de chuva. Preciso de mais lama pra limpar cada página em branco com a sujeira que emociona e faz tudo começar a criar sentido. Se você me lê e pensa consigo "Nossa! Como entendo isso?!", já não faz o menor sentido que ainda sim, eu siga sendo entendido. Compro cada metro que nos separa e pago caro por isso. Peço por minhas certezas o mínimo, para que elas não sejam motivos de piada. Motivos de orgulho, eu já garanto quando levanto da cama e nos primeiros raios de sol percebo que não penso como você. Me afasto dessa retórica rouca. Sigo longe dessa receita de bolo indefectível. Você é pouco para mim, é apenas sobremesa. Sou mais forte por saber rir, por saber perdoar e por pensar que se consigo ser o inverso do que você acha que o sucesso é, já encontrei metade dos meus objetivos do dia.

sábado, 22 de novembro de 2008

little joy

Como uma melodia que vai conquistando meu corpo, a tristeza vai corroendo minhas juntas. Com tanta dor, já não sinto mais este corpo, já nao sinto mais a dor. É tudo prazer e nao há conformidade nisso. Tudo é ponto de apoio, tudo é recomeço, tudo soa como uma boa canção. Agora o passado é um convite ao novo, mas com tanto presente ainda vivo no lugar em que fomos parar, ficamos ainda insistindo em esperar algo bom. Somos tolos. Somos inocentes crianças querendo que algo aconteça. Esperamos o Natal em nosso peito. Queremos um adulto responsável com um sorriso dirigido a nós. Queremos uma felicidade que parece longe como a infância. Mas basta um sorriso ou um novo arrepio, pra que ela nos carregue de onde estamos agora. No ponto em que chegamos estamos entre a curiosidade de afundar mais e a dúvida de sermos salvos. Estou mais leve por admitir minhas derrotas. Estou mais leve por só querer você aqui do meu lado, se quando virar meu rosto, lá você estiver.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Abalo sísmico

Entre um abalo sísmico e outro, sigo escrevendo minhas histórias. Já nem sei mais onde começam e onde terminam. Duro golpe pra quem demorou a perceber que prefere o sossego. Mas se a intensidade faz parte de mim e já nem me atrevo a afrontá-la, escolho a gentileza. Peço bençãos, peço desculpas e simplesmente não tolero mais o orgulho de quem parece não saber se ama ou não. Ressentimentos secam motivos que não preciso carregar comigo. Se queres amor tens meu peito. Tens também toda minha estupidez e todos meus piores momentos. Triste preço o do apreço. Triste fim. Corajoso recomeço.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Boca de urna

-E ae, votou em quem?
-Cara, eu não votei. Não acordei a tempo.
-Mas a zona fechava as cinco da tarde…
-Deve ter sido mais ou menos essa hora em que fui dormir. Inclusive tive um sonho bem estranho.
-Algum pesadelo?
-Nem. Sonhei que nada era tão importante a ponto de não poder ser desligado.
-Como assim?
-Tudo na vida tinha um botão de on e off, cara.
-Mas assim, em inglês e tudo?
-É cara, em inglês. Vai saber, esses putos tão até no nosso subconsciente.
-Entendo. Mas, assim, estéticamente falando, como é que isso funcionava?
Charles tateou seu maço de forma demorada, como usualmente fazia, aproximou o filtro de um dos cigarros bem perto de seus lábios secos rachados pelo frio e finalmente puxou forte, enquanto rosqueava seu zippo.
-Cara, você simplesmente desligava as coisas e elas ficavam ali, esperando alguém religar. Mas a vida corria em paralelo, numa boa, numa relax. Eram botões estilo aqueles de força, de energia, pretos, saca?
Marcos forçava a vista prestando atenção a cada uma das palavras. Eram sons abafados e contidos em fumaça densa. Fumaça que parecia funcionar como uma espécie de vírgula. Várias vírgulas, na verdade. Mas que não chegavam a mudar o tom, nem a pontuação da explicação, em interpretação da clara resposta que ali, pareceu satisfazê-lo.
-Aham…
-Então…era isso. Estranho né?
-Estranho. Bem estranho.
-Só não conta pra Flavinha, bicho.
-Por que? Ela vai entrar numa de ficar te analizando?
-Não, ela vai ficar muito puta se souber que eu não votei.
-Tendi.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O maratonista

Enquanto corria a igreja ficava um pouco maior lá no horizonte. Era parecida com meus pecados, que dia após dia insistiam em não diminuir. As pedrinhas faziam cama pra uma cançao que só em minha cabeça faria sentido. Rimavam de forma desconcertante com aquele cheiro ainda vivo sobre meus pulsos, minha nuca e principalmente acolchoado em minhas mãos. Meus dedos agora escoravam o capim ao longo da estrada e espantavam mosquitos moribundos, sossegados pela manhã daquele pedaço de vida quase rural. A corrente de prata em meu pescoço flutuava, em uma dança coreografada e banhada em luz, com uma cruz agora não mais prostada em meu peito solitário e pouco solidário. A poeira subia abafada pelo frio entrecortado por rajadas de vento quente. Umidade aparente em suor, empapando minha blusa de algodão cru. Sozinho estava agora, como sozinho estive nos braços dela. Já ofegante avistei as escadas do casebre de madeira marcada pelo tempo. Sem tomar fôlego subi de mãos dadas ao ranger de tábuas inconscientes. Precisava perdir perdão ali. Deus saberia como aconselhar minhas desgraças. Tínhamos esse trato. E por isso eu corria. E corri até a velha igreja e caminharia com um sorriso estampado após pedir sua benção. O espírito santo que desse um jeito no peso dos meus erros. Porque aquele cheiro doce logo deixaria minha pele sossegada e minha cabeça em paz.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Pacheco Leão

Meus sonhos subiram pela janela e sumiram num céu azul, que de tão azul, pediu proteção pra mim enquanto a praia não chega. Minha felicidade morando logo ali depois do túnel, ainda vive insistindo em abrir as portas pra nós. Da janela sigo vendo minha vida lá fora, me assistindo aqui de dentro. Me lembro do dia onde não existiam dias futuros e sinto falta de você me dando direção. Nosso colchão clareia com a luz da rua, do alto de todo tempo que não permite aos nossos pés alcançar o chão. Procurando um samba pra gente ir, toco meu barulho em cada absurdo que sua careta de menina me engole em outro não. Fica pra depois outra nova discussão. Fica pra agora mais um tempo de folia, entre nossos olhos que correm pela casa toda armando sua brincadeira de carnaval. Do nosso corpo sai confete. Do que achamos certo, tiramos o suor desse nosso bloco. Tiramos ele do dia que nem combinamos que depois seria assim, infinito.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Balada de um quase escritor

E por não saber palavras em música, guardo espaço pras minhas letras livres. Despertas ao colocar pra fora essas sensações. Então surgem canções que se expressam com papel, feitas pra se cantar em olhos famintos. O que faço te homenageia, quando já nasce bonito. Se surgem as palavras tristes, são vírgulas. São pausas. São apenas parágrafos, que convidam um mundo novo a um novo bloco de idéias. Escrevo em sintonia com meu peito, nada, nada em vão. Se tomo isso como sagrado, meu relicário é minha estante. Cheia de espaços pra novas rezas. Com minha religião tão pouco rígida, essa postura faz-se em convite ao novo. Quando escrevo pra você é pensando em palavras sem rimas. Canto cada frase com um ritmo próprio.Teu sorriso de criança me responde como encanto e faz melodia. Não preciso de um samba, pra sagrar-te santa. Quero-te em lama, quase meretriz. Não preciso de banda, candomblé, batuque, nem ciranda. Preciso de vento na cara. Preciso de Copacabana. De um profano espaço de apoio, papel e paixão. E assim, quase sem graça, apresento meu mundo. Me escrevo em convite, quase dedo em riste, de uma Tijuca que insiste: não te quer triste. Pra variar subvertendo verbos, com cismas, com manias. Sentindo em nós toda essa falta de razão que só confirma. São respostas à tudo aquilo que nem precisaríamos provar ainda.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Papo reto

Não era você que estava querendo tanto um pouco mais de responsabilidade? Uma coisa menos beginner que um bichano pra cuidar ou aquelas aulas de trompete que mais faltava do que outra coisa? Agora fica aí se esquivando entre o teto cheio de teias de aranha e o pôster clichezão do Warhol. Clichezão. Taí o seu problema. De repente esse lance de insistir em andar com a coleção retrô que deixa seu profile mais parecendo o de um hype afetado que assaltou o armário dos avós, anda atrasando sua capacidade de raciocinar. Não dá pra negar que essa voz que bagunça seu oco, já cansou de guiar suas paranóias mais cruas e assar suas batatas mais quentes. Quando o peito te deixa tão cansado a ponto de mijar com a bunda na privada, seu relógio tá atrasado e seu tempo já acabou: se manda.
No bar a maneira que apoia os cotovelos no balcão não inspira uma dose de malte, mais parece pedir um copo de achocolatado. Sendo assim é melhor partir e passear com o vento esnobe que sopra quando bem entende, não liga a mínima pra você. No café da esquina mais um jornal e motivos para comprar revistas que não deixam colocar em prática esse seu discurso anticonsumo de quinta. Uma gostosa lendo algo inútil só serve pra trazer a lembrança de outro pé na bunda, até o delay em sua cabeça cansada, lembrar que foi justamente você que abandonou sua última namorada. Com esse estímulo torpe fica fácil arcar com suas atitudes mais vis. Elas são coerentes com seu jeito vazio de ser. Não é nada bonito ficar tomando tantas decisões ruins em sequência. Tá na hora de buscar um pouco de inocência nessa sua atitude punk.
Na falta de um motivo pra pegar o carro, fico entre o alivio do metrô e o asco de um ônibus lotado. Vou a pé com você, pregando em sua cabeça a necessidade de uma nova ida a farmácia. É preciso comprar analgésicos e olhar com certa graça pra camisinhas que, contrariando sua lógica contraceptiva, reproduzem-se nas gôndolas, cada vez mais coloridas e com promessas diversas ao literal gosto da freguesa. Coisas que não servem pra quem usa aquilo que você chama de cuecas, velhos panos que ao menos não me envergonham a ponto de inventarem algo diferente do estilo boxer.
Na portaria, outra gostosa, pra variar acompanhada. Mas já não adianta dizer que seu par é um cachorro, uma ótima forma de puxar conversa. As frases que pipocam em sua saliva seca não empolgam com esse frágil "boa tarde", que mais parece um fim do dia. Ela sorri mesmo assim e insiste em lembrar sua vaidade que elas estao aí e sim, mesmo com essa sua mania de querer sempre enxergar o que nem eu vejo, querem trepar contigo ou quem sabe viajar pra dentro desse seu mundo vazio.
Ao final do corredor não temos mais tempo pra monólogos. Não tem jeito, acabou de me ver. Não vá dar uma de covarde agora. Sou eu mesmo, mas esse soco seco me transforma em um abstrato espelho quebrado. Teu sangue respinga em meus percalços pontiagudos e desce como melado, de forma serena. Serve direitinho pras conclusões desse nosso papo reto. Pelo menos ao que parece você está vivo, cara.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

alarm clock display

Com o tempo, acostumei com aquele sol na cara. Era estranho encrencar com um feixe de luz quente cheio de vitaminas. Acho que ele sempre quis meu bem. Tenho que encarar o fato dele ter poupado minha vida útil profissional enquanto me acordava cedo. Depois veio a cortina e com ela a luxúria. Sexo e sono. Até aquela briga por causa do tempo que eu perdia gastando nosso tempo com os outros. E lá se foi a cortina. E lá se foi o tesão. Agora eu continuo acordando com aquele mesmo sol na cara. Mas ontem a Cris me despertou com um boquete. Adoro quando ela faz isso.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

0001:17:83

Hoje é dia de parabenizar os vitoriosos. Dia de celebrar a presença dos fracos em seus papéis coadjuvantes, com dentes podres e dívidas irreversiveis feitas nos mesmos bares sujos onde suas historias de brigas sem nexo se acumulam. Momento preto em que se pretende ou é apenas possível sentir toda culpa afobada em terceiras retóricas fraquejantes. Anéis de cabelo loiros ofuscando em um brilho ariano toda espalhafatosa sombra que as bandeiras abertas ao alto, sintonizam em respostas de orgulho, com suas noticias de primeira página. Apertos de mão sinalizando belos negócios fechados enquanto o pus esbanjando a barreira do óbvio, sai de cada braço marcado pelos picos doces feitos em esquinas escocesas sem obviedade geográfica aparente. O som que sai das radios é pop e faz a cama para os cereais matinais e toda margarina e toda pipoca quentinha que exala o cheiro do bem estar moral. São blusas passadas e confortavelmente acomodadas em armários cheios de outras blusas confortavelmente iguais. Estado semiconsciente de perfeição em eterno contraste ao chão sujo que uma criança branca não brinca. São baixos gravíssimos de um torpor absolutamente aceitável até que o cult permita e o social aflija. Dessas mentiras colhemos mais adjetivos sonoros e continuamos aprumando nossa capacidade de aceitar o ridículo. Trancamos qualquer possibilidade dos assuntos discutíveis. Eles já nascem com respostas roucas embrulhadas no que nossos olhos insistem em ver. Você tem visto? Você tem sentido algo? Você tem estado vivo ultimamente? Salve seus melhores dias em algo mais seguro que um HD e vá para a rua ver a vista. Reviste em sua insistência quase extinta, as adequações e verdadeiros significados que procura. Tenha medo do que entendes se não consegues enxergar as mais patéticas obviedades. Um abraço a você que venceu. Eu continuo perdendo meu tempo com isso aqui.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

325 passos dali

Seu pecado foi querer ela daquele jeito. Se estivesse esperado mais. Se tivesse segurado a onda. Estava indo tão bem. Sua mãe se orgulharia. Dona Lurdinha sempre ensinara tim-tim por tim-tim sobre como tratar uma mulher. Até na cama. Ajudava o fato de Dona Lurdinha ser uma mãe emprestada, mas isso não vem ao caso. Agora ele ficava ali com aquela cara de quem roubou no jogo e foi pego. Cara de tacho. Cara de menino. Cara de menino que ela inclusive não gosta. Ela gosta de homem. Daquele tipo bem sujo. Mas ele foi isso e até mais. E foi querer daquele jeito. Trocou os pés pelas mãos. Literalmente. Virou de cabeça pra baixo seu mundo. Pobre mulher. Pobre menina. Se estivesse esperado mais. Se tivesse segurado a onda. Mas ela também não é de ferro. Ela também aprendeu as coisas meio de orelhada. Ela também não teve nenhuma Suplicy explicando as coisas no jantar. Só de pensar no que fizera, sua calcinha denunciava em uma pouco inocente umidez o falso arrependimento. Agora ela fica ali. Com cara de menina naquele apartamento financiado, cheio de porra pelo chão. Cara de menina que ele até gosta, apesar de preferir a cara de vadia. Vagabunda. Uma vagabunda apaixonada em pensamentos desconexos, assustada com o que sentira. E ele encostado na parede. De pau duro a 325 passos dali, olhando aquele poster velho do Flamengo colado na porta da geladeira secular. Uma porrada de negões caguetando prum maraca lotado o que ele sentira. Por enquanto seria puro pecado e uma cerveja gelada servida sozinha, por ele, pra ele mesmo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Música pra ler enquanto absurdo

E pensam que não se pode nada. Que você não pode amar. Ser em mais um, que não dá pra ser assim. Se te contam que não existe espaço no peito pra mais sonhos, é porque não sonharam. Como um índio doce, te espelho no mar sob orientações toscas. São leves os ventos dessa teoria absurda. E pensam mais. Pensam que não se pode nada. Bobagem. Não estão amando. São meninos. Não dançam, nem observam minha bailarina. É tudo muito permitido e tem sido assim. Apenas tem sido assim. De dia a gente dorme e acorda com aquele sono perto do escuro da noite que já cai. Se isso pesa nos ombros, deixo o são para os que pensam que não se pode nada, e me deixo engolir pelo chão. Nessa música pra ler enquanto absurdo somos todos índios. Somos todos doces índios.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Acesulfame-k

Me surpreendo com a capacidade do ser humano em admitir sem dizer uma única palavra, que prefere as mentiras. É um clamor quase uterino, que já desisti faz bastante tempo de tentar entender ou classificar. Agora sigo como um voyeur, por momentos me divertindo com isso e por outros sofrendo calado (quando consigo). Confesso que a capacidade de desistência ou apavoramento no outro me seduz, quando as enxergo. Mas não quero holofotes, nem polêmicas baratas. Afinal também larguei há muito, a adolescente mania de querer jogar com isso. Mas ainda assim, por vezes surpreendo-me quase partindo pra cima do ermo com unhas, histórias pessoais escatológicas e dentes. É de uma pobreza frígida o sentimento mesquinho de querer se projetar em cima do diferente. Ok, até faço um mea culpa, porque admito torcer o nariz para o libertário frívolo, sem sentido. Não conseguiria encontrar sentido em tudo na vida, mas sem algum tipo de charme e consistência mínima, não dá pra diferenciar mesmo um mendigo imerso em alteradores do sistema nervoso e um Basquiat. O foda-se sonoro e iluminado que carrego no peito para os de alma pequena, vira um souvenir de estadia. Aprendi muito cedo que existem combates que já nasceram como um convite à desistência. Não sou professor, nem quero ser exemplo ou modelo para ninguém. Não cultivo culpas e as poesias que não gosto, rasgo e jogo no lixo antes mesmo de sentar pra escrever.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Notas de um mesmo assunto nº32

Talvez esta fosse a melhor hora pra ir dormir. A rua quase sem carros, sem ônibus. Só pedras meio molhadas de um frio úmido e chato. Apesar de minhas garrafas de vinho tinto seco, confesso que sempre prefiri o sol ardendo em todos os meus motivos. O calor deixando a mostra meus desenhos em pele, que o inverno esconde, só dando de presente a quem fez por merecer em verdade olhar meu corpo nu. Nesses pecados em série que minhas noites de lua quente se transformam, sigo colhendo notas e colecionando seios, pernas e pescoços absurdos. Não preciso de muitos colapsos pra enxergar loucura em moças de boa família, mas insisto em querer todo seu conteúdo à mostra: celebrar o ridículo vira condição sinequanon.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Flores nascem na primavera

Distante da casa vazia agora caminhava pela praia deserta. O frio afagava seus ossos como um velho grande amigo. Os pés afundavam pela areia fofa e acinzentada, cagando para maiores consequencias distantes. Eram acordes simples àquela altura, de uma praticidade punk que refletia uma densidade bossanovista plena e ilógica, abatida pela fossa instalada, genuína como uma cusparada debochada de pé de palco. A chuva disfarçava algumas lágrimas arredias e uma fumaça lúcida flutuava a cada respiração quente expelida por sua boca rachada. Como uma espécie de réu confesso optava por deixar de investir naquele devaneio e sentia-se bem por isso. A sensação confusa de liberdade nunca fora recebida com tão desagrado. Seria preciso aprender a viver com tanto espaço livre, com tantas decisões pra tomar sem consultar seu lado a procura de um sorriso, uma negativa ou aquele famoso olhar de "se vira". Cada desenho ganhara novos contornos em seu corpo. Novos sentidos. Novas letras eram recriadas em novas melodias. Falsetes e novas notas em cada canção antiga. Após algumas horas na chuva fina, sua flanela azul ficara mais pesada em um corpo tão mais leve. As escadas molhadas rangiam e recebiam pedaços de grama, areia e pedras. Havia calor ali e todos naquela praia sabiam disso. Acabaria o mundo a cada nova vergonha compartilhada e cada papel em branco seria sua chance de recomeçar. As mais belas vadias jamais foram tratadas como mercadoria por quem sabia bem o que o futuro lhes reserva. Esse mistério enchia de coragem seus passos. Enchia de areia e grama aquele pedaço de mundo escasso. Não faria sentido algum aquelas cores invadirem sua sala, já que flores só nascem na primavera.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Amor em Bic

Em cima de uma pilha de livros velhos descansa um cigarro apagado. Misturado ao cheiro de café frio, todos os nossos pecados são visíveis a olho nu. Aplacamos essa distância refugando tudo o que o resto do que não existe neste apartamento, pensa. Simplesmente é permitido que sejamos assim. Se temos tantos sonhos bobos, carregamos de veracidade nossas metas mais fúteis amadurecendo a cada queda. É de um impressionante declínio a importância daquilo que não se disponibiliza para o amor como nós. Somos tão fortes. Somos tão jovens. Somos tão bonitos. A sutileza que carrega essa total impossibilidade de destruição que o lado de fora nos reserva, nos liberta em sorrisos cada dia mais sinceros. Não tripudiamos em cima dos fracos. Nem precisaríamos disso. Se o que nos faz forte é o amor, em dobro multiplicamos a renda dessa generosidade gratuita. A gente fica mais engajado porque temos espaço no peito pra lutar pelos ideais honestos com o brilho que nossos olhos carregam. As bandeiras em nossos punhos cerrados são de significados vadios. Mudam em hyperlinks de uma coerência gritante. Ficar parado não serve, não é garantia de nada. E tudo isso porque estamos amando. E tudo isso porque somos jovens. E tudo isso por causa do tal infinito que nos metemos ao permitir nosso peito sangrar assim.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Time to pretend

Vamos rabiscar o contorno do que seria uma bela história pra nossas vidas. Nos afogar em desculpas falsas e acordar tarde justamente pra se libertar dos horários que nos afligem. Vamos encontrar felicidade no fundo de uma garrafa colorida e quebrá-la quando terminarmos de nos apoderar do que ela veio a terra nos dar. Estamos prontos pra fingir como a música diz. Somos animais com inteligencia suficiente pra não morrermos em pastos, pagando impostos sobre a incompentência latente em desenvolver nossos sonhos mais ariscos. Bebamos esse sangue misturado as cascas e pedaços de peles mortas, vivas pelos machucados que o pior tombo nos dá. Já é tempo desse transe e dessa falsa lucidez invadirem a sala de espera com o pé na porta. Quero cabelos feitos de cobras e corpos como pinturas em óleo. Não somos donos de nossa existência, seria fácil demais se fosse assim. Essa terra cansou de ser usurpada com mentiras. Nossos pais deram as mãos em sofrimento, abismados com suas histórias e mais histórias de derrotas sucessivas. Abruptas vertigens de senso comum e moralidade barata. Filhotes mamando com uma fome dantesca em tetas que de tanto fornecer leite já não se sentem funcionais em dizer algo relevante. Cores frias e padrões de cenografia mortos, pálidos e sem a força bruta que um bumbo em dia de carnaval acorda em meu peito. Falácia assalariada e proletária. Discurso entregue à mais valia de entrar ou ficar esperando lá fora. Só peço em oração que continuem sem me entender, pra que eu possa falar cada vez mais com quem preciso conversar aqui. Dentro dessa sua humildade em devaneio, é na dificuldade que me levanto contra você. Te mando a merda e chego meu desgosto pro lado, viro outra página desse martírio e alugo um novo filme antigo. Não cheguei nem no meio da prosa que se transformou a crônica dor de ser feliz por ser assim tão descrente na vida.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Sem título

Atrás de tudo o que virou cinza, ainda tem espaço pra mais um maço de cigarros. Se minha boca está amarga é mais um motivo pra tomar outro gole de café. Minha lucidez pede atenção e perde espaço pro alucinante tempo que só o amor pode dar. Esse fuso horário diferente bagunça meu espaço, troca minhas distâncias e me deixa fora de casa mais tempo que o saudável sugere. Minha saúde é feita de tudo o que acredito. Tudo o que me fortalece são minhas crenças e só alguém bem estúpido seria inocente o bastante para querer brigar pela atenção que dou às minhas idéias. Não tenho previsão sobre como e quando te fazer feliz porque o simples fato de você estar viva já me enche de motivos pra sorrir. Deixe essa nossa beleza ser celebrada, a gente merece essa felicidade compartilhada. Se é pra ser feliz de uma vez por todas, a gente compra logo um sofá velho e consegue de graça vários motivos pra continuar dando certo do jeito leve que nós dois de forma tão inconsequente chegamos a sonhar.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

No balcão

O problema é que ninguém quer se fuder mais. Esse papo de sofrimento raso acabou enjoando quem tá chegando agora no mercado. Acho até que a proliferação do sentimentalismo barato espantou a garotada. Agora o negócio é se dar bem. Não dá mais pra perder tempo investindo em coisas que não te dêem a certeza de algo em troca. Impossível pensar em alguem saindo pra um programa lixo, ciente que a boa é exatamente a programação indígena mesmo. Isso me enoja, cara. Isso me dá na porra dos nervos. Ninguém quer sentir a porra do cheiro velho dos livros da biblioteca pública mais. Ninguém mais quer ler. Ninguém mais quer investir na porra de uma profissão, cara. Quando era pequeno eu lembro bem do imbecil do Régis, estagiando com o pipoqueiro só pra olhar o peito da mulherada nas noites de sábado. Ele ficava lá com o português ajudando a fazer sei lá o que e seu pagamento vinha em uma fila de seios fartos e pipoca doce misturada com metade salgada. Pergunta se ele se arrepende disso? Claro que não, cara. Mas hoje isso seria no mínimo passível de cadeia. Seria um português safado explorando um moleque inocente. Pro caralho com essa merda dessas afetações. Eu sinto falta da época em que os desenhos eram realmente violentos e ninguém abria fogo nas escolas por isso. Ou pelo menos o jornalismo marrom e barato ainda não dava tanta grana e talvez por isso, evitava-se esse tipo de sensacionalismo tosco em forma de matéria exclusiva. Não, não venha me dizer que sou mais um daqueles caras chatos que preferem o passado não. Só preciso olhar nos olhos de algum filha da puta e perceber beleza no sofrimento alheio. Porra. Vamos sofrer, vamos sofrer! Sofrer faz bem. E não é sofrimento EMO não. Não precisa pintar as unhas de preto ou passar lápis na merda dos olhos. Basta sentar na porra de um boteco ou banco de igreja e deixar vir. Basta sentar na porra de uma pedra e meditar ou num banco de praça e olhar um pouco o absurdo onde a gente vive. As pessoas só querem se amar feito insetos sugando seus próprios sangues, cara. Cadê o amor? E caralho, cadê a porra da minha cerveja, Zé?

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Twelves

Entre as colagens, coisas vão fazendo sentido. Entre ritmos, somos amigos e confidentes. Sigo pelo som que lembra outras consequências livres. Nesse ponto é tudo música e vibramos por isso. Nesse acaso vão fazendo sentido as quebras. Batidas que não nos machucam. Apenas nos libertam, quando salvam nossa noite. Pedimos permissão pra rir de tudo que não cerceia essa liberdade em nossos quadris. Somos criancas que pela manhã viram adultos, mas podem virar o que sua cabeça imaginar. Nosso pescoço está a prêmio e ninguém arranca essa nossa vontade de arriscar tudo por um lugar ao lado das caixas de som. Se vão-se os sentidos que voltam pedindo mais e mais, ao menos decidimos não censurar as novas vontades. Clássicas verdades de momento, que como pecados irresistíveis se ornamentam em cores vibrantes. Vão de boca em boca e de peito aberto em peito aberto. Pegam fogo como riachos de lava, represados no volume do grave que distorce orgãos e horários. Fica tudo mais claro. Todo nosso sofrimento não some, nem nunca ousou querer isso, apenas se embrulha numa leveza que o deixa menos pedante por algumas horas. A gente se reencontra com eles na saída, no meio do set ou na hora que ele resolver aparecer. Até porque ele é genuíno como essa felicidade que me invade em absinto. Se ninguém está querendo fugir de nada, a gente só não precisa de um motivo novo pra dançar que não seja uma música empurrando nosso coração pra fora do que você achar feio.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

12:27

Saiu sem dizer nada. Chegando ao balcão impediu que lhe fosse perguntado algo com um gesto, para continuar com olhos vidrados, a desbaratinar opções abraçadas pela poeira e vidro nas prateleiras. Amaciando os lábios secos com um gole de língua, retomou a concentração necessária pra definir seu companheiro nos próximos minutos de agonia. Esperava como a vida lhe ensinara. Deixava sua cabeça talhada em relevância, efervescida pelo que tivera conhecimento fazia apenas meia hora. Embebedava sua retórica com um pouco daquele líquido amargo, o suficiente para não tirar seus pensamentos do sutil espaço que separa a sobriedade do emocional relaxamento. Não estava ali para brincadeira como não estaria ali para nada além do seu objetivo, desde que o relógio jogara um 12:27 em seu colo, da parede oca do refúgio cinza a dois quarteirões dali.
Logo ela chegou com seu jeito colorido como a bermuda colada no corpo, denunciando-se aos bancos felizes que se ofereciam aos montes para sua carne em desfile, em seus deslizes de pensamento público. Era verde como todo o mato da serra e fria como todo o frio do sul. Seus olhos azuis eram como o cinza de São Paulo. Sua boca, vermelha como a urgência de uma criança. Era de uma falta de nexo sua beleza, que nem mesmo seria preciso afirmar a latente impossibilidade de definição do tipo de homem ideal para seu exílio num suposto casamento. Posto que sua atenção se voltara para minha camisa de botões com palmeiras e motivos havaianos, sequer tive noção de pena: preferi nublar sua cabeça com as nuvens pretas que minha retórica apressada, mas objetiva, trazia.
Acho que sim. Acho que ela percebera antes mesmo de meu tímido balbucio, que a chuva seria iminente em nossa vida. Uma chuva daquelas finas, que não passam nunca. Assim como nós não esqueceríamos jamais daquela esquina, daquela lanchonete ou daquele maldito 12:27 que nos separou pra sempre.

terça-feira, 20 de maio de 2008

A medida do quê?

E a medida que o tempo vai passando vão surgindo aquelas novas possibilidades chatas de resolver os mesmos problemas de sempre de uma forma diferente. Se quero me alimentar daquelas coisas novas que te assustam ou das mesmas coisas velhas que pra você sempre foram pecado, já me sinto preso antes de colocar a roupa. Ou de tirar. O problema é não ver problema nisso, já que sei que vou acabar uma hora ou outra cagando mesmo pras algemas que a patrulha inocente que resolveu rondar minha retórica, faz. Fica fácil se afastar do que a gente não concorda quando não se acredita em quem profere o que pensa sem se importar com o que sinto. E a cada dia sigo sentindo mais e me aproximando dos meus planos mais bobos e das minhas metas mais sérias. Se te abraço agora é porque quero isso de verdade. Se te peço pra vir comigo, pode ter certeza que é seu dia de sorte. Esse tipo de coisa não dá pra se medir. Não podemos nem sequer saber a altura disso. Basta tentar olhar pra cima que só vejo um dia lindo ou uma nuvem preta ou uma baita lua cheia entre os quadrados de vidro que sua janela velha me apresenta como presente, como mosaico ou como pequenas medidas de perguntas que não precisam de resposta alguma. E a medida que o tempo vai passando vou esquecendo teorias. Se já nem preciso te ferir é porque tô curando esse meu jeito novo de me sentir velho de novo.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O funcionário do mês - um estudo sobre o horror

“Era uma máquina grande e cheia de aparatos, joelhos, roldanas e tudo o mais que tivesse um nome técnico correto e mecânica suficiente para fazer aquilo funcionar. Apesar de todos os dias um ritual cerimonioso reiniciar o turno da noite, deixando aquele espaço inteiro teoricamente limpo, existiam gerações de moscas que não deixariam aquele galpão nem que aquela rotina tivesse sofrido um abalo sísmico cem anos atrás. Durante muito tempo em minha vida aquela cor vermelha foi a representação de agonia e de horror. O sangue humano não me causava grande medo, porque minhas lembranças de cortes na pele eram lembranças de brincadeira e traquinagens de menino, que fatalmente levavam a um ferimento ou outro. A morte também não me causava um medo maior que o vazio existencial, porque me foi apresentada como o sono preguiçoso que teimava em não deixar meu avô acordar. Ensinou-me uma tristeza linear sim, sóbria, que quase fez parte de meu centro de equilíbrio para o resto de meus dias, mas também não teria porque trazer-me horror. Chegava a ser bela. Mas o barulho daquela máquina não. E aqueles trágicos urros de dor abafados, só confirmavam isso, desaguando por uma porta grande e mal vigiada como uma espécie de convite tentador para um garoto na idade dos “porquês”. Foi tal curiosidade que me apresentou a bugiganga gigante que transtornada, rodava o gado castigado como um brinquedo por 360º, já sem partes de órgãos na altura do pescoço retirados sem qualquer nexo e jogados ao chão junto de seus corpos combalidos, num espaço de cerâmica ao solo ainda em vida. Os funcionários dali, com uniformes de um amarelo alegre e vivo, se enchiam de contraste diante daquele sangue animal de um vermelho lúgrube e carregado, deslizando meloso em seus trajes. Ali dentro eu chorei como a criança que de fato, eu era. Me perdi na falta de sentidos que aquilo tudo representava para mim e já no quarto, longe de lá, não conseguia mais sentir medo dos monstros de minha cama ou dos psicopatas que permeavam a leitura já adulta demais que acabava sempre conseguindo emprestada com primos mais velhos. O terror viraria comédia e aquele horror permaneceria para sempre comigo como uma espécie de testemunha da perda de minha ingenuidade.”

Releu o texto no laptop mexendo em partes alternadas, durante os 15 minutos seguintes. Conseguira comprar o objeto pesado juntando as economias de 1 ano e meio de trabalho. Saiu do restaurante de uma rede de fast-foods admirando sua foto na parede. Era um estúpido funcionário do mês atormentado pelas lembranças da infância, ainda mastigando o último pedaço de um hambúrguer já frio e com textura semelhante a de um isopor, correndo apressado para não perder o último trem do dia.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Deixa estar

E se já sinto que não sei nada sobre a gente, é quando mais me sinto seguro em pisar firme. Aperto a chave no bolso com aquela convicção de que não preciso mais de um dia de sol pra salvar meu dia. Abro espaço dentro de todas as minhas falsas percepções do que em algum momento foi considerar perfeito estar ao teu lado. Agora estou assim, metido a estar feliz por pequenas coisas. Só fico irritado quando você quer me levar da pista antes do sol invadir a janela ao lado da caixa de som. Ainda insisto em deixar claro que prefiro muito mais o rock em meus ouvidos, mas você me faz rir dizendo que minha fase eletrônica já deixou guitarras comendo poeira faz tempo. Não dá pra negar que as coisas parecem acontecer rápidas demais e quando tudo o mais parece lento, nem dá tempo de aproveitar. Mas esses novos tempos seguem parecendo tão antigos quando me invadem com o aconchego de acreditar no que parecia estar adormecido. E é justamente quando sei que posso mudar de uma hora pra outra, que não me cobro mais. Não seria justo comigo. Sei que minha cabeça gira rápida como um foguete perdido e confesso: já cansei de acompanhar esse roteiro nem sei quanto tempo faz. Tenho certeza de que essa mania de achar defeito em belas histórias é o meu peito de jogador ou minha insegurança de merda, agindo. Fico com raiva de ainda achar um tanto quanto sexy essa roleta de dados em toda relação com meu nome na ficha. Mas se minha mão segue se enchendo de boas cartas, a mesa vai sendo minha e ainda posso parar de jogar quando bem entender, deixa estar. Deixo esse tempo de poesia exata para trás. Deixo esse tempo de não atender o celular para trás. Deixo alguns gigabytes de músicas para trás também. Jogo na lixeira todo o tempo latente que não quero perder por agora, se é hora de me jogar mais em tudo o que me instiga assim como você.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Por hora é só

Vamos fazer um pouco de música, falar besteira e queimar alguns papéis. Jogar fora tudo o que soa denso demais pra uma sexta feira à noite. Vamos dormir e desligar as preocupações sobre quem vai poder entrar ou não. Pelo menos vamos representar, vamos fingir. Chega de nervosismo por nada. Trocamos de amigos por uma semana e já pegamos um caminho diferente de volta pra casa. Ou nem voltamos. Paramos de ligar praquelas coisas que continuam insistindo enfiar em nossas cabeças, que nem são coisas assim tão válidas a ponto de se ligar. Um pouco de mp3, um pouco de distorção e uma garrafa de vinho. Algumas garrafas de vinho. Uma rede e uma imagem do cristo. Um monte de livros antigos. Coisas que possam fazer valer um pouco mais cada minuto que a gente passe junto. Pode gritar comigo ou arrumar mais uma dessas discussões ridículas pra nossa coleção. Ou pode ficar assim passiva pedindo um pouco mais de carinho com os olhos, enquanto procuro outra música no youtube. Pode sentir vergonha de alguns de meus textos antigos também, mas não peça minha permissão pra achar mais do que tesão e suor em tudo o que quero com você por hora. E por hora é só.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Soneto do início

A gente deixa a janela aberta
e convida os barulhos da rua pra dentro.
Entre sons de pneus amaciando pedra
e aquela orquestra feita de chuva,
que inclusive vem com cheiro bom,
nos entendemos bem.

Mais um filme que devolvemos sem ver,
mais uma tarde que a gente nem vê passar.
Fica mais fácil esperar o que nem sabemos se virá,
quando combinamos esquecer a época
em que esse tipo de coisa insistia em importar.

Agora somos nós sem medo do erro,
ou quase.
Sem pedidos de garantia,
vacilando inocentemente de propósito
só pra deixar tudo mais bonito.

E fica tudo menos fake,
são menos bandas novas pra se ouvir
e menos poses em dia de lua.

É sol e temos tempo de errar porque tudo é começo.
É dia e temos a semana pela frente porque tudo é começo.
Pega um pouco d’água e vem pra cá com essa tua risada leve.
Porque agora tudo é começo.

terça-feira, 8 de abril de 2008

14 tatuagens

Contei e ao todo eram 17 tatuagens. Olhava os detalhes e ainda assim não conseguia lembrar o que fazia no dia em que pintei meu destino com cada uma delas. Um cheiro de cerveja velha permanecia no ar, aquele lugar nunca tivera a chance de sentir outra forma de aroma. Um maldito som com uma batida grave e distorcida vinha e voltava com o vento pela janela. Estavam todos presos e eu ali naquele hotel. Estavam todos se fudendo e eu ali como um maldito relógio, esperando minha vez de ser trancafiado ou morto numa tentativa de fuga. Minha insegurança podia prever o futuro. Sempre achei astrologia coisa de charlatão, mas ali eu era capaz de prever friamente que erraria todos os tiros. Talvez com sorte, se mirasse no quadro do banheiro acertaria o peito do primeiro filho da puta que atravessasse aquela porta. Minto. Lembro-me sim da nona tatuagem. Era minha santa, minha protetora. Uma vez li numa dessas revistas metidas a explicar a história contemporânea, que essa característica de tatuar ícones religiosos era coisa de latinos. Eu não era latino. Era italiano. Era um merda de um italiano. Um italiano que não podia prever o futuro, mas podia enxergar minha mãe chorando ao lado de alguma janela em algum bairro do subúrbio. Esperando-me chegar, cheia de lágrimas nos olhos. Com aquele mesmo copo cheio de saliva seca e batom doce nas bordas. O mesmo uísque. O mesmo meio lexotan. Ela seria capaz de fazer qualquer coisa pra me tirar dali. Qualquer coisa.
Meu coração batia cada vez mais acelerado. Aquela música de gueto vinha e voltava com o vento. Contei novamente. Realmente eram 17 tatuagens. Cheguei ao hospital com 14. Meu braço ficou lá naquele quarto com cheiro de cerveja velha. Cheio de anéis e uma poça de sangue contida. Bela saraivada nos ombros aquele merda acertou. Não deu tempo nem de mirar na porra do quadro do banheiro.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Pelo calor

E se já sinto querer você
que nem sei direito quem é,
assim me sinto menor.
Mas assim mesmo me sinto vivo
quando percebo que minha outra história
não chegou ao fim,
só é hora de sair de mim.
Se o violão me traz àquela hora sem cor,

é por causa dessa sua roupa que nem entendo,
com seu jeito bem menos bonito.
Com esse céu cinza que não combina com o dia lindo
que fez quando li aqueles textos
ou te beijei errado na madrugada.
Nada combina.
Não combina a gente afastado assim,
como nunca combinou a gente fazendo planos juntos.
Não combina minha cabeça perceber
que nunca era pra ter sido.
Não combina você mais uma vez
dando desculpas esfarrapadas pra gente não ficar junto,
quando o que seria muito mais bonito de dizer,
você não diz.
Diga não, moça.
Diga nunca.
Viva o risco sem a vergonha.
Passe suas dúvidas pra mim
que transformo em poesia.
Ou sofro, sei lá.
Mas, não mais.
Não mais agora.
Na verdade não me passe mais nada.
Não me passe mais nada
se agora o que quero
é passar sem você.
Esse dia de chuva combina com o que sinto.

A carona combina com o que sinto.
Mais uma vez sem você num final de noite,
combina com a gente.
Às vezes acho que posso perceber
seus momentos de fraqueza e dúvida.
Mas agora quero você
como quem quer uma amiga.
Sei que agora ainda quero teu sexo,
mas é por esse calor que me faz escrever.
É por esse calor que me faz estar vivo.
É por esse calor que faz minhas chegadas
serem repletas de perguntas sem respostas.
É pelo calor que dá tanta sede.
Que me dá tanta fome de querer descobrir
sem me importar se vai dar certo ou não.
Assim como quis você.
Como eu quis te amar.
Como eu quis chorar no teu colo.
Como eu quis.
Mesmo sabendo que com você
não haveria sequer motivos pra chorar.
Mas agora quem chora não sou eu.
Agora são somente essas nuvens pretas
que deixam tudo mais bonito.
Agora é essa chuva.
Agora é esse céu chorando,
cobrando cada atitude minha
em cada trovoada.
Agora é outra amiga apaixonada que chega
e vejo como está bonita.
Vejo como seus olhos estão radiantes.
E isso é bom.
Mas aí percebo como você está estranha
com essa sua roupa que não entendo.
E percebo que você deu tanto valor
pras coisas que menos te deram coisas em troca.
E me dá uma vontade danada de te salvar.
Logo eu, tão perdido.
Então já quero ser seu amigo de novo
e esqueço esse papo raso de salvação.
Afinal quero te ver bem porque ainda te amo.
Quero te ver bem porque talvez no futuro
não consiga explicar metade das coisas
que agora escrevo sem esses freios tolos
que travam nossos erros.

Quero-te bem mulher.
Quero-te forte.
Mas agora te quero longe de mim.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Passado presente

Pego um táxi e você fica para trás. Ali num passado presente, ainda tão difícil de dissociar da lista das coisas que mais gosto. Conheço pessoas diferentes, com anseios novos, medos antigos e aquelas mesmas utopias inocentes que me encantam. A gente vai ficando assim mais velho, ficando meio bobo, meio encantado demais com aquelas novidades que não se impõem, chegam sem forçar a barra. São sentimentos de uma doação sem aquela pretensão de pedir algo em troca. Mesmo que seja apenas um ainda. Um estágio inicial que carrega um frescor, em sintonia com novos cheiros, novas músicas e com as novas histórias que preciso. Vou desafogando e minha alma se purificando enquanto você fica pra trás. Vão passando jardins, grafites e pessoas em pontos de ônibus. Vão passando árvores, pássaros e a cor do asfalto. Vão passando as decisões que preciso tomar todos os dias e uma nova trilha segue encantando meu peito, com o francês e esse hebraico que não deixa meus ouvidos mais em paz. Ainda sinto você aqui perto de mim, mesmo tão longe. Ainda sinto muitas coisas e isso é bom. Essa capacidade de me emocionar ou a forma como os pêlos de meus braços se eriçam não deixam dúvidas quanto àquilo que sinto. Toda minha poesia foi feita pra te abraçar e me sinto mais homem assim. Sinto-me completo assim. Por mais que você a cada dia vá ficando mais e mais para trás. Num passado tão presente.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Notas do cotidiano nº36

O inferno deve estar cheio de restaurantes a quilo. Não existe lugar que represente mais o comodismo derrotista da individualidade humana. Velhas decrépitas sebosas carregadas por suas babás grosseiras bipolares chegam como crianças famintas em um fast food. Às vezes vêm de roupão, vindas da hidroginástica, às vezes com vestidos opacos cheios de manchas da sopa da janta do dia anterior. Atravancando a fila, vão deixando seus restos pelo caminho como quem divide uma herança que ninguém pediu para receber. São fios de cabelo em tonalidades de cinza variadas e pedaços de coisas indecifráveis grudadas em suas peles durante um tempo predeterminado o suficiente para cair nas bandejas seguintes. Além de cascas de feridas, um monte de cascas, cascas suficientes pra alimentar uma indústria de seitas de magia negra.
Com a irritante mania que a maturidade consumista criou, todos ali se vêem no direito de tocar, trocar, cheirar e até lamber a comida na fila de composição de seus pratos. Parece tudo liberado, bastando um pouco de imaginação, falta de senso e o fantasma de algum advogado de direitos do consumidor a tira colo. Do jeito que mexem na comida que não necessariamente vão levar, a impressão é que você está condenado a comer sempre alguma coisa que não passou pelo teste de qualidade da pessoa a sua frente.
Crianças parecem desenvolver centenas de dedos, já que não se contentam com seus irritantes sorrisos mesclados em choros, momentos de fúria e gozo quase sem limite de lógica no tempo e espaço. Elas estão ali como polvos descobrindo os prazeres do sentido do tato. Correm aonde não existe espaço e se mantém no limite de provocar um desastre. Às vezes sonho com uma cena dantesca: uma bandeja de feijão quente cai sobre minhas pernas e como uma espécie de ácido, segue derretendo meus jeans surrados. Acredite, não acho a mínima graça nisso. Meu analista diz que a falta de ferro que o feijão acaba me privando, fora de minha dieta desde que o sonho tornou-se recorrente, contribui pra minha aversão às traduções francesas dos obrigatórios russos de minha biblioteca. Eu acho isso pura frescura e continuo sem dizer que já voltei a comer feijão só para escutar esse tipo de observação tola e sem sentido que segue dragando meu dinheiro a cada nova sessão.
Têm as mulheres depressivas também, geralmente secretárias, bibliotecárias ou apenas mal comidas com sujeira de batom nos dentes. Entram na fila com suas grandes preocupações sempre alimentando a existência e seus manequins vazios: gordura, gordura e gordura. Acabo simpatizando mais com as gordinhas e suas misturas coloridas nonsense de carboidratos com proteínas. Uma vez uma dessas ancudas preparou uma verdadeira obra de arte, que culminava com um quilo de purê de batata, mais o grand finale: um imponente e grandioso morango em cima de tudo, num cume de uma aberração tão sem sentido que quase me forçou a pedi-la em casamento.

Mas confesso que nada até hoje superou um yuppie no final do verão passado. O cara surtou. Acho que trabalhava no mercado financeiro, mas comia ali de vez em quando por algum desses motivos que a gente nunca vai saber direito. Naquele dia de sol acachapante o bacana escondeu a própria pica no meio de dois rolinhos primavera e entregou o prato pra moça do peso. Antes de ser contido por meia dúzia de heróis do meio-dia, ainda conseguiu a proeza de arriar suas calças até os joelhos, terminando o tal número de circo sentado em uma travessa de pudim. Aquilo foi realmente estranho, mas deu mais sentido ao gosto de traseiro que a sobremesa daquele lugar sempre me lembrou.

segunda-feira, 3 de março de 2008

Dali de onde ainda não dá pra me ver

Por trás dessa vontade de digerir meus textos ainda insistem existindo, uma penca de coisas pela frente. E ao contrário da obviedade sem sal associativa, dá pra enxergar muita coisa ali daquele ponto meio novo, discretamente ingênuo, meio na lanterna: daquele lugar de quem chegou agora na minha vida. Esse caminho todo que você pode querer percorrer não é tão emocionante como pensas. É cheio das histórias como as que a gente conta um pro outro quase de brincadeira, depois de tanta felicidade dividida, olhando pro teto e sem a menor vontade de entender o mundo logo ali fora. Normal que seja assim, estranho seria vestir-se como um soneto pedante e medroso, cheio de botões pra desabotoar, rimas mansas, declamações em mesas de bares da moda ou cheio de falsas verdades pra se redimir.
Esse caminho todo é menos perigoso do que pensas também. Até porque ele é completa e cuidadosamente moldado pra ser assim. A antologia do poetinha já diria isso como uma espécie de alcorão, bíblia ou guardanapo manchado, antes de sequer nos permitirmos provar desse mal. É um desastre certo que não chega a pedir, porque clama. É choro de profusão e fluído que se espalha entre nossos corpos nus e por cima de tudo o que nunca mais vai fazer sentido depois de provarmos cheios de curiosidade, aquilo que deixamos acontecer. Fica combinado que pro dia nascer feliz a gente precisa de bem menos que isso. Acaba sendo sempre muito mais do que imaginamos. Parece fácil, mas é uma pena só percebermos tal coisa quando estamos com as mãos tão atadas fora de nós. Com passagens de volta tão racionalmente reservadas, chegando a flertar com uma silenciosa rebeldia tediosa.
É de uma sujeira apaixonante esse pedaço de preguiça gostosa que me invade. Anda tudo tão rápido ultimamente que dou de ombros. Solto aquele riso gostoso de quem estava tão acostumado ao erro, que acabou deixando tudo virar um emaranhado de acertos levianos. Nem tenta me entender, as respostas mais completas que tenho estão bem ali: num lugar onde ainda não dá pra me ver.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Sol

Seu abraço fácil me dá coragem pra assumir riscos que nunca quis experimentar. Meus momentos de crise ao seu lado viram fetiche e voltam-se pra mim em forma de palavras lindas, que brigam pra descansar junto aos meus papéis. Seu sorriso largo se encaixa nos meus sonhos de criança, que amadurecem toda vez que a gente renega esse amor doente. Sentimento que talvez vá ficando de pé por nunca querer ficar bom. A gente se cura quando admite que não se basta, mas a gente se procura. Não penso em como não seria, pois o vazio me permitiria mergulhar mais fundo sem você. Descanso dentro dessa nossa desgraça e me encanto com meu jeito forte de ser tão fraco, quanto estou perto de te ver. Seus olhos me conjugam com uma força imensa. Parece que já nascem como um Sol cheio de amigos em volta. Como dias de um hipnótico verão sem fim, eles continuam se pondo em meio à lama de uma noite de festa mal vivida. Queria ter menos controle sobre tudo isso. Porque a verdade é clara quando me sacode mostrando que tenho todo o controle do mundo. Isso me assusta. Todo esse papel passional é uma forma de demonstrar o que sinto. Um meio cordial de continuar servindo de chão, mas com uma força que pode derrubar todos os sonhos que nós dois já tivemos na vida. Comigo é pra sempre, seja lá o que isso significar. Não tenho o menor problema com cobranças porque nunca acreditei em quem as faz. Gosto desse tipo de provocação porque minha paixão é breve. Minhas paixões são breves. Só amei você na vida. E até que o dia de hoje termine, essa será minha mentira mais sensata. Minha incoerência é querer você assim.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Clandestino de mim mesmo

Sento e apago o que escrevi três vezes seguidas. Vou até a metade da lauda e jogo tudo fora. Tudo parece artificial, montado, quase uma novela ou um tipo de folhetim que me irrita. É como se estivesse evitando escrever sobre o que realmente quero. Não preciso me enganar. Não mais. Tô cansado de saber que escrevo quase sempre atormentado pelo que tô sentindo no momento. É uma doentia forma de terapia, eu sei. Mas tô cagando pra isso. Não olho pra tua foto porque não tenho nenhuma. Penso como seria melhor ter uma ao invés de me torturar com a imagem que tenho de você em minha cabeça. Nela eu não te vejo. Na verdade vejo tudo preto porque a imagem que tenho de você é a mesma sensação de quando estamos fazendo amor. As melhores partes pra mim são quando tô de olhos fechados. Isso apesar de adorar quase de forma doentia olhar seu corpo nu deitado em minha cama. Toda suada. Seria melhor ter uma foto empoeirada pra queimar com um cigarro acesso ou jogar fora depois de rasgar em duas ou três partes. Mais que isso soaria meio gay.
Concentro-me depois de fumar quase meio maço de cigarros e começo a escrever novamente um desses meus textos doentios que só servem pra me acalmar um pouco antes de dormir. Demorei um tempo pra perceber como eles funcionavam muito melhor do que remédios ou uma ponta. Olho um short meu caído no chão junto de meias suadas e uma camisa pendurada na maçaneta do banheiro. Dá pra ver da minha cadeira nesse meu conjugado do tamanho de uma caixa de fósforos. Sinto falta das corridas de vez em quando. Fico lembrando da época em que não fumava, acho que tinha mais gás. Olho pro Nevermind pregado na parede e me sinto tão velho que seria capaz de admitir até que não ligo mais pra isso. Não ligo pra muita coisa depois que a gente tentou tanto pra desistir no final. Sinto-me uma espécie de clandestino de mim mesmo e penso em voz alta sobre qual será o próximo projeto que vou me enfiar. Pergunto-me onde vão parar minhas tatuagens que nunca termino e porque gosto tanto desse fracasso que me ronda, num refluxo que me puxa do topo pra baixo e do limbo pro cume sem eu nem perceber em questão de segundos. Porque eu tenho que comer ela se quero você? Não. Desisto de ficar me perguntando coisas. Da última vez que tentei isso quase entrei numa espiral sem volta. Prefiro continuar sem me esconder de meus sentimentos e agitar aquela viagem que já tava fazendo aniversário pra sair. Vou entregar as chaves dessa merda e partir pra uma nova trip. Não tô desistindo de nada, nem desistindo de você. Não conseguiria mesmo. Tô precisando é de uma tela bem grande e sentir o cheiro do meu novo livro no prelo. Como isso me dá saúde. Lembro até hoje do primeiro. Eu na gráfica, sentindo aquele cheiro de tinta mesmo com o nariz branco de tanto pó. Finalmente havia sido publicado. Podia me considerar um escritor.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A cara da morte

A morte sempre foi meio afastada da minha vida. O próprio jeito que cheguei ao mundo foi meio confuso já que cresci não sabendo direito se minha mãe era viva ou sequer se tinha uma. Certa vez olhando pela janela à noite com minha Vó ao lado, ainda criança, apontei pra rua e perguntei se tinha nascido do asfalto. Tipo surgido do nada, de dentro da terra mesmo (que pra mim era dividida entre pedras portuguesas e asfalto, praticamente). Ela ficou meio confusa e explicou uma história que deve ter sido bem chata, principalmente porque minha pergunta nunca abandonou meus pensamentos, já sua resposta não deve ter durado em minha cabeça nem até o sinal abrir e os carros acelerarem passando por cima de meu suposto marco zero. A verdade é que crescer sempre me pareceu o mais próximo da morte que pude chegar. Abandonar a inocência da infância, exorcizar remakes de experiências passadas ou juntar quebra-cabeças que antes seriam impossíveis devido a pouca idade ou menor capacidade intelectual, são episódios que sempre carregaram um grande sentido de morte pra mim. Mas uma morte nada sombria e carregada de renascimento.
Sinto-me ainda muito filho quando penso que não perdi quase ninguém das pessoas que mais amo. Sinto-me ainda mais criança quando bato o pé e cismo não querer perder. Lidar com perdas nunca foi muito o meu forte, mas coleciono minhas derrotas de uma forma que beira a vaidade absurda. O lado menos afetado dessa constatação é que jamais consegui ser a mesma pessoa depois de algumas das belas e incontáveis perdas ou fracassos pessoais. Já inclusive cheguei a me considerar um fracasso ambulante, mas depois desencanei disso. Até porque parece papo de rebelde plantado. Mais fake impossível.
A cara da morte ainda é uma dúvida pra mim. Uma mistura de não me sentir mais imortal, como todo jovem se acha, com certa constatação de que estou ficando mais velho. Isso não soa nem um pouco repressor pra mim, mas soa. Antes não soava. Antes era só uma coisa distante. Antes a morte era a foto amarelada de meu avô, italiano aguerrido que morreu antes de me ver nascer. A morte pra mim era o passado. Era o tricampeonato que cismava em não virar tetra. Mas assim como quem não marca hora, nem prepara terreno, ela de repente surgiu. De repente a morte ficou presente e bagunçou um pouco minha cabeça. De repente tive que ser muito mais forte do que sou e fornecer meu peito, além de todo amor que posso dar. De repente deu uma vontade danada de dizer eu te amo e carregar no colo uma pessoa pra sempre. Aprendi que a morte não tem cara, mas a vida segue e essa sim, tem a cara que a gente quiser que ela tenha.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Um pouco de cada uma dessas coisas que nem sei dizer o nome

Enquanto como um pedaço de pão, tomo um gole torto dum café amargo adoçado sem açúcar. Leio o jornal sem ler, deixo tudo ali desarrumado e saio. Os farelos me olham de soslaio, enquanto fecho a porta com o mesmo barulho de sempre, aquele que te irrita. Na rua piso em poças que dançam enquanto viro rápido pra chamar aquelas rodas gigantes. Entro na dança do coletivo apertado, que apressado vai guiando carreiras bem devagar, pelo trânsito abafado da cidade menos suja. Na janela cheia de chuva, converso contigo em cada pensamento soprado pro lado, que desenha alguma coisa impensável demais pra se dizer em voz alta naquela cadeira do povo. Desvio o corpo daquele monte de desconhecidos me abraçando sem pedir licença e desço do alto de minha pequena existência prum chão de pedras lisas. Caminho até o trabalho pra buscar aquele mesmo pão que deixei em farelos me olhando de lado. Busco também um pouco de carne, motivos e um pouco de cada uma dessas coisas que nem sei dizer o nome, mas me fazem um bem danado. De noite reencontro as manchas do café que deixei pra água fria limpar. Reencontro meus livros, algumas palavras novas e as mesmas coisas que vivem espalhadas pelo chão em frente ao meu destino. Enquanto parto pra outro pedaço do dia, vagueio torto até o sono buscar meu pé pra guiar sua noite. Vejo você querendo me dar um outro tanto de sol na beira de nossa cama. Nem mesmo termino um sorriso e já é amanhã. Tiro o disco de Chico que pula na agulha, mando um beijo pro santo da madeira escura e dou um salve pra vida. Aí não tem jeito, já é de manhã.