quinta-feira, 30 de março de 2006

Bar

Ah, o Bar. Boteco, Birosca, Botequim. Lar das gravatas afrouxadas, das conversas não mediadas, carne-assadas, sortes e afins. Terra de bravos bebedores guerreiros, intelectualóides justiceiros, analistas financeiros e bêbados algumas vezes até sem um rim. Lugar de curar fora de mulher amada, de chorar pela cerva derramada, de planejar histórias que nem sempre propõe um fim. Pelos seus corredores pequenos e fétidos, vamos procurando espaço pro mijo, espaço pro teco, espaço pra dar espaço pro reto. Em seus balcões, verdadeiros beberrões, junto de sardinhas cabeludas expostas, ovos rosas, pedaços de pernil, lingüiças miúdas, salgados diversos e todo hall de considerações. Na calçada de pedras portuguesas vê-se o balé de ágeis vapores, cachorros sofredores, policiais incompetentes e doutores carentes. Vê-se um entra e sai honesto que parece despertar continuamente o inédito pedido de mais uma pra depois. Nas paredes quadros engordurados presos em tintas e azulejos sagrados veneram os melhores times do torneio, as melhores coxas e seus seios, além de suas terras longínquas, nordestinas, européias e natais. Em buracos nos cantos, santos com luzes e velas. Relicários de procissão e proteção interna observam pagãos pecando em plena comunhão. E olha-se pra tudo com o olhar perdido, com olhares acesos ou pensamentos de menino. E forra-se o estômago pedindo sempre um caldinho, seja ele de feijão com torresminho, de peixe com agrião ou mocotó em desalinho. Pra sentar nas mesas pode-se estar com ela linda e bela, com amigos desconhecidos, de sangue ou mesmo ausentes de prosa e de fé. Pra beber escolhe-se a cerveja mais vendida, a aguardente mais querida ou aquele chope clássico bebido em pé. Tem gente que vai de catuaba quente, de malte com gelo decente, de cowboy ríspido e viril ou de tequila pura e simplesmente. Já rabo de galo não dá pra tomar no gargalo, copo de vinho pede um petisco acompanhado e divisão de conta tem que ser condizente. Mas na hora de ir embora sempre rola a saideira, quase sempre se fala besteira e sempre se olha blasé. Uns trocam as pernas como um espelho, outros trocam beijos de filme ou pesadelo, outros pedem uma ajuda pequena ou de quebra mesmo um café. Tem mulher que sai dali desafogada, tem cara que sai dali bem resolvido e há sempre quem parta pra outro destino. Daí segue-se extasiado olhando o sol reverberar a lua, em compassos sincopados de poesia pura, na melodia que a ocasião escolher. Prostra-se no peito o jeito feito de encarar o escracho, respeita-se a esquina e o despacho e deita-se na cama pra sobreviver.

sexta-feira, 24 de março de 2006

Pedras portuguesas

Antes de sair, pegou uma maçã na geladeira. Resolveu levar para a labuta. Ia andando mesmo. No ipod, clap your hands say yeah fazia seus ouvidos baterem palmas para o novo. Podia até não ser grande novidade, mas se apaixonou mais uma vez. Dessa vez na esquina do trabalho. Luiza era o nome dela. Pelo menos o nome que ele quis dar. Observou enquanto ela entrara num carro preto, indo antes mesmo deles se cruzarem. Nunca mais a viu. Mas a maçã viu tudo.

quarta-feira, 22 de março de 2006

Paladares

Preces fugazes de corações sinceros. Lágrimas correntes permitidas por tortuosas histórias. Brancos. Brancos que dariam pra compor a imagem de santos e diabos. De senhores e criados. Imensidões de poeira levantadas em quartos limpos de apartamentos pequenos mal decorados. Olhos fundos do cansaço de toda vida dedicada a parcos laços. Vontade de não querer nada em troca sendo traída pelo soluço e olhar encabulado que defendem a permissão do pedido dum abraço quente. Incoerente e sempre. Dedicado ao egoísmo de todo sentimento plantado em dias de sol. Mas existem os dias frios de chuva e isso é inevitável. Daí manda-se a merda sem fazer concessões. Quebram-se espelhos de corredores longos que servem apenas pra mostrar que nunca há de chegar o dia em que conseguiremos estar bem apresentados. Sempre a maquiagem estará levemente borrada. Sempre vamos esbarrar em nossas idéias. Subversivas demais. Inocentes demais. Pobres demais. Incompletas demais. Sem adiantar nada, segue-se enchendo úteros de matéria vazia. De poesia sem nexo. De retrocesso. Segue-se enxergando a vida apenas como mais um caso de tentativa de sucesso. Jogando a frustração pra cima de quem não está nem aí por segurar a batata-quente. Matando gênios e sentindo-nos um pouco gênios. Praticando nossos preconceitos para conseguir disposição pra trabalhar todas manhãs. Descendo fundo em buracos de pouca luz, enfiando as mãos em bacias de água fria em busca duma coisa que chegue perto das respostas que satisfaçam tudo que constrói nosso ego inflado.

terça-feira, 21 de março de 2006

Roda viva

Ao acordar jurava pra si próprio que faria daquele dia um dia diferente. Sempre deixava de lado o fato de que sempre, independente de suas escolhas, os dias tendiam a ser diferentes mesmo. Era apenas a lógica sendo empurrada pela sua garganta cheia de nós. Passava perfume nos antebraços e no pescoço, antes de ajeitar o cabelo sem pentear e sair como um pássaro voando pela cidade ensolarada. Seu problema era tentar enxergar poesia em tudo. Esse romantismo acabava por fornecer material suficiente pra colocá-lo pra baixo por diversas vezes, mas ele não estava nem aí, devia ser um dos últimos filhos da puta a achar a fossa, chique como a bossa.
Apesar de sentir-se iluminado pelo sol com o dia e todas as suas claras armadilhas, era na noite que vivenciava a maioria das ficções reais de seu universo particular. Cerveja, lingüiça e a capa de mais um de seus calhamaços de papel com marcas de dedo em forma de gordura, eram clichê. Saias rodadas prendiam sua atenção como pernas sem dono vagando em marcha pelos cantos mais coloridos de suas idéias. Capaz de fazer amigos em encontros não marcados e encontrar paixões sinceras em prostíbulos imaculados, era personagem principal de livros sem final definido. Dizia até que quando morresse, queria que fizessem como Hunter Thompsom, uma puta festa com suas cinzas misturadas ao pó dos fogos de artifício atirados aos céus. Não que fosse chegado a uma fanfarronice social como fora o funeral do gonzo, mas lhe agradava a idéia de explodir após o derradeiro encontro com a senhora de foice e capuz negro.

Ouvia rock, eletrônico e gostava de samba. Metia-se em esquinas molhadas e esfumaçadas. Dançava com gringas, mulatas e garrinchas. Soltava o corpo de forma viril, quase duro no limite do gingado permitido em suas bobas censuras próprias. Às vezes tomava uns comprimidos. Muitas vezes abandonava o que fosse pra ir andar perto do mar, só pra conversar consigo mesmo. Não foram raros os momentos de chegar a conclusões sinceras a respeito de definições falsas que permeavam seu destino, passo após passo na areia fofa. Mas se tinha uma coisa que os botões velhos de sua camisa surrada podiam testemunhar, era o desapego às grandes verdades. Nada de querer afirmar de forma catedrática assuntos do coração em sua presença, por exemplo. Sabia bem que não existia regra quando se fala em nome de um peito ferido. Ele próprio podia jurar estar curado de afobações antigas, sendo capaz de fazer coro com Chico só pra depois continuar a melodia e cantar a verdade da mentira. E eram nos bigodes feitos pela cerveja que línguas entendiam que sempre era possível querer mais. Brincadeiras com palitos em mesas de eterno descompasso marcado pela hora de voltar pra casa. Daí era dormir de novo pra noutro dia discutir todas as possibilidades mundanas em círculos de pessoas que rodavam num baile sem fim. Buscas. Somente buscas pois ali ninguém tava muito preocupado com medalhas. Nem havia espaço no peito pra elas. Ali apenas um puta coração inchado pagava aluguel.

sexta-feira, 17 de março de 2006

Sede

Na madrugada vontade de um café. Nada de ficar lendo ao lado de um criado-mudo que nada falaria. O lance era ir pra cozinha, mais precisamente pra área de serviço. Pegar uma brisa da madruga entrando em harmonia com o barulho alto que o silêncio faz quando estamos em paz. Pó, canela, mel e um pouco de chocolate. Cadeira de praia armada lá fora. A luz branca ordenada pelo interruptor sempre simpática e ajudando a criar um clima necessário pra se poder ler sem cerrar a vista. Em pouco tempo, barulho da cafeteira. O preto forte pronto, dentro duma caneca branca, com um ideograma oriental desenhado traduzindo céu, pousado no mármore da bancada. Ao lado a cadeira roxa, sempre com um resquício de areia e um corpo entregue ao momento.
Hemingway lá, falando de forma tão íntima. Fazendo qualquer um se sentir em balcões de Paris do início do século passado. Mas se a cidade luz era uma festa, aquela lua cheia não deixava por menos. E eram três ou quatro livros empilhados com uma sede difícil de explicar. Um escocês na lama de viciados em heroína, um comemorativo dos dez anos de um endereço eletrônico e dois Bukowski. Era sempre necessário manter o tio Buka por perto.Indo até onde a cafeína deixava, passavam-se horas até as piscadas diminuírem a quantidade de espaçamentos. Depois aquele movimento de levantar acampamento. Cama. Um verdadeiro litígio com o tempo. Dormir pra continuar sonhando. Era preciso. Sempre seria.

terça-feira, 14 de março de 2006

Rosas

Aquele sorriso bobo ficava ali. Fazer o quê? Prostrado na cara. Insistindo em acompanhar o dia inteiro aqueles lábios grossos. Neguinho não entendia nada. Rolava um olhar meio perdido no vazio também. Há quem diga que as duas bolotas castanhas pregadas em sua vista, brilhavam continuamente. Empacotando aquelas encomendas, liberando cartas, pesando objetos, carimbando. Era uma tonalidade amarela que denunciava seu emprego nos correios e uma leveza visível que preenchia seus incríveis desejos. Dava pra perceber que os passos daquele cara pareciam demorar mais que o normal pra pousar no chão da calçada. Andava ouvindo umas músicas bonitas com vocais graves e até arriscando-se a escrever uns versinhos bobos. No café da manhã, a broa com um forte preto na xícara eram como um manjar lírico descendo até seu estômago vazio. Dizem que era por causa de Rosa, uma menina de quadril torneado e bunda nem tão grande, mas empinadinha, que morava na rua da frente.
Mas um dia o comentário foi geral na cidade. Parece que a tal menina, que bagunçou as idéias do jovem dos correios, ia se mudar. Seu Pai a mandara estudar na capital. Uma escola melhor. Maldade. Agora aquele carteiro vivia no bar da praça atrás do Circo do Paraíba. Parece que trocara até os algodões doces que colhia e consumia na ida pra casa, por uns goles de cana de açúcar destilada. Os moleques pararam até de tocar a bola pra ele de manhã na rua do largo, quando saía pra labuta e passava em frente ao golzinho feito de chinelos surrados. Depois, não deu nem dois meses, caiu enfermo numa cama. Ficou tão magro que foi parar no hospital. A família não entendia o porquê da repentina maldição com aquele menino tão bom.
Conheceu Raquel quando ela insistiu em fazê-lo comer um pedaço de pão com sopa. Aquela morena ficava linda vestida de branco, em seu uniforme de estagiária na enfermagem do setor. Seu sorriso fez ele esquecer aquele gosto insosso da comida do hospital. Casaram há uns cinco meses, mas não no papel, só se juntaram.

Ela planta umas rosas na frente da casa, tá até ganhando um dinheirinho extra. Todo final de semana manda umas cestas da flor pras lojas do centro. Mas o carteiro não se sente mal por isso. Acha agora que o lugar das rosas deve ser na capital mesmo. A molecada voltou até a tocar a bola pra ele de manhã, quando sai pra trabalhar.

domingo, 12 de março de 2006

Chocalhos

Por mais que tudo aquilo fizesse sentido, nunca daria pra entender o tamanho do estrago que um peito vazio lhe causaria. Aquele buraco no colo pedia preenchimento, tudo o que não podia dar. Daí apenas fazia o trabalho sujo. Esquecia da vida em outro copo, em outro corpo moribundo. Flutuando, descia esquinas e subia escadas. Colhia sorrisos e mantinha aquele joelho doendo. Eram linhas de errância em papéis absorvidos sem muita lógica. Dar pra dançar não dava, mas ele segurava delicadas mãos às levando pra um passeio no meio do salão. Cada passo um novo espaço. Assim seguia esquecendo que era melhor nem ter lembrado, melhor nem ter ligado. Surgia como um príncipe em cada novo quadro bebendo a vida em cada gole raso. Entrar e sair eram a freqüência máxima. Como bolhas de sabão que estouravam à mesma medida que eram criadas. Daí vinha aquela vontade de escutar Chico e Marisa. Aquela vontade de ler um maldito. Aquela ação não predestinada feito um rito. Então dava pra ver de longe sua luz. Propagada num vácuo de tortos laços. Era Leme, era Lapa. Era madrugada. Era dia novo. MTV ligada sozinha e música alta vinda do quarto. Sempre os mesmos espaços. Sempre os mesmos tolos querendo preencher o que já nasceu sendo fato.

sábado, 11 de março de 2006

O Samba

Essa tosse seca impede o silêncio de manifestar seu exagero. Nada parece ter mais brilho que um céu azul repleto de nuvens, prostrado num quadrado janelado. Deitar na cama é com o ventilador no teto. De lado quero rolar na sonoridade explícita. Enxergar que a vida é a falta de nexo. Errar. Sem proteger pra não tropeçar. Falar quando devia ficar quieto. Ligar quando devia deixar no verso. Perguntar onde entra o risco. Confiscar. Quero dar vazão em toda falta de razão. Desatinar o destino. Como samba triste. Samba de bamba. Com cerveja gelada e papo furado. Sentimento puro sem medo de pular na frente do bonde. Tocando só pra te provocar. Coisas de amor escritas. Beijo com som e cor. Pra te provocar. Desço reto rumo a uma estação que não posso te levar. Vejo seu rosto contrariado. Daí pego o tamborim e começo de novo a te errar. Nosso barco afunda a cada instante mais. E quero mais. E tudo por não estarmos mais distraídos. Mas me pergunto se quero teu rumo. E vejo que o que não quero são respostas. Quero apenas mais perguntas. Quero mais samba e mergulho noturno. Quero sofrer com uma capa de lirismo. Não saber o porquê e não querer perder a inocência. E entorno ternura nos meus braços e te abraço forte. E enrosco meu dedo no teu cabelo pra viver a beira da morte. Com sorte sangro. Como um forte, sambo.

sexta-feira, 10 de março de 2006

Se

Se o sol tivesse vindo. Se a praia estivesse em dia. Se meu peito não fosse doído. Se minha cama não fosse vazia. Se a calma não fosse tão tarde. Se teu corpo não fosse tão lindo. Se meus dias não fossem finitos. Se brincar fosse fútil sorrindo. Se correr mudasse o caminho. Se mandar embora trouxesse carinho. Se a estrada não fosse de pinho. Se a noite demorasse com vinho. Se ela me amasse aos prantos. Se o biscoito fosse sempre o da Vó. Se o emprego não fosse um dentre tantos. Se a comida não estivesse em pó. Se ela nunca chegasse atrasada. Se uma carta servisse de escada. Se esse jeito estranho parecesse charmoso. Se enxergassem na vida um pouco mais de gozo. Se artistas e generais não precisassem de mais. Se nunca tivesse brigado com meus pais. Se a vitória chegasse sempre tranqüila. Se aventuras fossem sinônimos da ilha. Se nuvens negras tampassem horizontes. Se amizades sinceras não precisassem de pontes. Se mulheres de amigos não sentassem no colo. Se gemer fosse só sinal sonoro. Se bichos de estimação não dessem tanto trabalho. Se bocas não trouxessem aquele gosto de alho. Se nadar no mar fosse obrigatório pro cristão. Se jogar lixo na rua fosse fantasioso como ilusão. Se fazer gracinhas fosse uma espécie de mimo. Se ler livro antigo instigasse o desatino. Se escrever poesia espantasse esse mal. Se sorrir pra cantar aumentasse a moral. Se sair pra dançar não ficasse sem sal. Se morrer por você não fosse fatal. Se parar de entreter deixasse um leve baixo astral. Se ficar sem dizer fosse algo banal. Se alimentar sentimentos protegesse da chuva. Se coisas estranhas tivessem gosto de uva. Se roubar na sinuca não desse tanto na cara. Se viajar com amigos virasse apenas piada. Se o jantar de domingo não desse depressão. Se o topar sonho antigo não fosse tão contra-mão. Se o pano de prato não fosse tão branco. Se preces fossem preces de um homem não santo. Se dormir longamente não gerasse mais sono. Se avistar folha seca avisasse do outono. Se beijar sua boca fizesse gozar. Se formular teorias espantasse o azar. Se beber no gargalo apagasse esse fogo. Se andasse descalço e escorregasse de novo. E se nada seria, mas tivesse um suposto. Somente amaria um péssimo oposto.

terça-feira, 7 de março de 2006

Nada poético

A real importância que damos aos nossos sonhos flutuava de forma crítica em sua cabeça e esse pensamento pra lá de subjetivo acompanhou sua entrada na loja de discos mais uma vez à procura de nada, mas vasculhando tudo. Passando o dedo por entre vinis e cd’s, escolhia mentalmente tudo que levaria agora, tudo o que levaria depois e tudo o que nunca cogitaria levar. Saiu mais uma vez sem levar nada, mas deu aquela habitual piscada para a atendente que ficava a quilômetros de distancia dele, seja pelo balcão de madeira que os separava ou pelo anel de noivado dela que o instigava.
Carregava a tira-colo um livro melancólico de uma história trágica de amor oriental. Uma canção dos Beatles batizava o rebento, que agradava aquele cara tão interessado por leitura quanto pelos hectolitros de chope que podia consumir em uma simples volta pelo quarteirão em sextas-feiras como aquela. Folhas secas no chão encarregavam-se de sussurrar o outono no ouvido de quem quer que desejasse despencar seco de um galho torto.
-Qual o livro da vez?
-Nada especial, apenas um japonês nada original, falando de amor juvenil, suicídios e neuroses.
-Bom. Parece contigo.
-...
-Que cara é essa? Pelo menos não tá lendo Neruda, quando você lê Neruda fica muito emocional.
A deixou falando sozinha. Não que ela tivesse notado sua deselegância indiscreta, pois nesse meio tempo um cliente repleto de espinhas na cara já aporrinhava sua paciência a procura do último livro de um jogo de estratégias aborrecente. Sônia era bem gostosa e aquela livraria era um belo refúgio, pena que não serviam chope. Beber em latinha era meio depressivo pra ele. Gostava de coisas vivas. No fim devia ser um problema de pressão e serpentina mesmo.
Resolveu prosseguir o passeio inútil puxando uma cadeira na birosca da esquina. Mal se ajeitou e Chico já lhe servira um chope. Isso o irritava, ficava pensando na possibilidade de não querer beber certo dia e a porra do chope já estar lá, olhando pra ele como cachorro sem dono. Mas no final acabava dando graças, pois a fama de mal-humorado do prestativo garçom nunca se aplicara a ele. Seguiu bebendo a tarde toda. A importância dos seus sonhos continuou a flutuar de forma crítica em sua cabeça. Lendo o livro, passava pela parte onde um dos personagens suicidara-se. Ficou imaginando a namorada deixada, descrita como muito bela pelo autor. Deixou-a só. No burburinho daquele ambiente popular onde um pernil descansava olhando fundo em seus olhos na vitrine de um balcão sujo, só conseguiu imaginar o cara como um otário. Pensamento nada poético.