sábado, 5 de junho de 2010

Três putinhas e uma Bic

Priscila era a mais porca das três. Só não a expulsava daquele chiqueiro porque a danada tinha uma dicção sensacional. Até hoje me pergunto como uma pessoa que sabe ler tão bem pode ter tido uma vida tão fracassada. Ela vivia em minha cozinha. Dormia por ali mesmo em cima dos restos, migalhas e jornais velhos. De vez em quando adorava sentar ao seu lado e observar a bagunça que as formigas faziam ao seu redor. Quando estava bêbado o bastante de gim ficava ali, rente a seu corpo morto e flácido, vendo a farra dos insetinhos insolentes. Acho que até essas criaturas ridículas tinham nojo dela. Passavam desenhando sua anatomia, como aquelas pinturas policiais de cadáveres no chão. Contornavam a puta, mas não encostavam nela. Jamais encostavam nela. Vivia com minha aposentadoria, mais uma gorda bufunfa recebida por um acidente sofrido numa loja de departamentos. Uma bela quantia acrescida de juros e correção monetária, por causa de uma bola perdida na sessão de caça e pesca. A bola, no caso, era uma de minhas duas mesmo. Tomei um tiro bem no meio do meu caralho. Não exatamente no centro a ponto desse texto ser assinado por um eunuco. Foi mais pra esquerda. Certeiro na minha bola esquerda. O filha da puta engomadinho do meu advogado era ganancioso e sabia das coisas. Me disse que aquele rifle jamais poderia estar carregado. Perdi uma bola, mas meu pau ainda podia levantar. Com o dinheiro que ganhei, pude viver por uns trinta anos tomando minha cerveja barata e comendo os cozidos que Karina preparava. Karina, Karina, a viciadinha. Ficava um porre quando a abstinência batia pesado. Uma vez bateu uma fissura daquelas na pobre coitada, no meio de uma final de campeonato. Lembro de seu corpo pesado, sua expressão como a de um gorila, espumando. Tive que trancá-la dentro de casa e assistir o jogo no boteco da rua. Foi quando conheci e tomei um porre com Laura. Nossa certidão de casamento foi feita em um pedaço do cardápio. Tudo muito romântico. Dali em diante, acabamos formando o que seria uma das famílias mais estranhas do apartamento 401 do 59: eu e minhas três putinhas. Pri, Karina e Laurinha não se importavam em me dividir. E eu não era lá o que se pode chamar de um ótimo partido. Mas deixava as três viverem ali sem pagar o aluguel, fazia vista grossa para as suas escapulidas e contentava-me com o que realmente me fazia feliz: ouvir meus textos lidos em voz alta. Sentia-me melhor que Bandini. Sentia-me vivo. Sentia-me lido. Todo escritor, do mais fajuto carinha que joga uma vergonha alheia num guardanapo e pede pro garçom entregar à uma bela senhorita no outro lado do bar, até o cara que recebe um pomposo cheque pelo adiantamento de um virtual novo best seller. Todo escritor, todos, sem a menor sombra de dúvidas: querem ser lidos. E ser lido em voz alta, meu camarada, não é ter o guardanapo dobrado e colocado no bolso ou um novo livro comprado e jogado na estante. Ser lido em voz alta é ter realmente seu texto saboreado, fodido, esquartejado, cagado, dispersado ou, quando se consegue chegar a mais suprema consagração: ser lido em voz alta para você, que o escreveu. É como o paraíso. O cumprimento de uma missão terrena. Os segundos após você tirar a calcinha da mulher de seus sonhos e que antecedem a melhor foda da sua vida. É mais ou menos isso.

Foi difícil deixar aquele lugar e ter que fugir da polícia depois dos sessenta. Sempre achei que essa idade me traria juízo. Que estaria na Itália criando cabras ou sei lá, com dígitos de sobra no banco, morrendo em alguma espelunca de overdose por misturar ecstasy, pó e remédio pra impotência. Mas encrenquei com um imbecil que deixava bilhetes anônimos por baixo da minha porta, falando mal dos textos que minhas putinhas liam em voz alta. No começo achei até simpático o cara me elogiar em meio a palavrões e xingamentos. Depois encheu o saco. Foi fácil demais achar o desgraçado, devia existir algum tipo de sadismo no cara pro otário deixar tantas pistas sobre como chegar até ele. Fora a ridícula idéia de ter ido pessoalmente deixar os bilhetes um a um debaixo de minha porta. Matei-o com uma caneta Bic no pescoço. Aprendi isso num daqueles filmes horríveis que passam de madrugada. É impressionante o que a televisão pode ensinar pras pessoas hoje em dia.