quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Jornada

Toda vez que penso em lhe dar o meu amor, me faz crer que isso pode não ser possível. Minhas atitudes ficam sempre abafadas em cada gesto ou sorriso nosso. Lágrimas que brigo pra dizer que são tuas confirmam em cada traço molhado nas maçãs de meu rosto que o dono sou eu mesmo. Vagas noções de realidade fazem minha cabeça voltar a rever tudo que podia ser feito e não foi. Tensas medidas de alarde fazem-me crer que o poder da atração não está naquilo que se vê, mas naquilo que se sente. Tudo que se move, chama a atenção ou é bonito, parece afirmar o que alguém disse num momento feliz, entre um assovio despretensioso embaixo de uma sombra qualquer e os passos dados até uma boca de fé. Meu coração sangra por estar inchado demais. Ele costuma dobrar de tamanho quando vê meninas bonitas sentadas em mesas de madeira manchadas por círculos nada perfeitos. Bares bolorentos significam toda a noção da verdade em cada fungo ou pedaço de tinta que as paredes expelem num balé ridículo rumo ao nada etílico do chão. Um arco íris brota em cada olhar dourado com vistas puxadas que denunciam sorrisos largos, com cabelos flutuando num ar carregado de magia e textura de sabão. Histórias se repetem de paixões que nunca deram em um final feliz como todas as vezes que achamos que teria dado certo. Poesias pretas são pretas e tristes desde o motivo que marcou o primeiro poeta a escrever algo assim. E haveria enorme possibilidade do primeiro livro ter sido sobre uma história de amor, pra poder contar tudo aquilo que ninguém viveu, mas achou que provavelmente teria construído.

domingo, 15 de janeiro de 2006

Mosaico

A falta de lógica estava presente em cada pedacinho de sua existência estúpida e genuína. Um shot de tequila servia pra ligar, conectar, servia pra matar a sede. Toda espécie de sentimento puro pairava naquela trajetória às vezes sombria, às vezes lírica. Dançava meio sem jeito, andava por balcões sempre pedindo outra, mais outra. Funcionava assim: praticamente tudo era poesia. Cada fio de sua barba mal-feita denunciava a vida que pedia pra nascer e não queria sequer cogitar ser podada. Caixas de som tocavam canções de amor enquanto dor pulava, saltava de suas veias, esparramando-se pelo chão. Conhecia o chão com a intimidade daqueles que realmente já passaram momentos difíceis. Agradecia a Deus com o desapego daqueles que nunca passaram sufoco. Seu corpo era um emaranhado de desmanche. Era a composição nada sólida de todas suas experiências vividas. Seus olhos eram sua caneta, que insistia em não parar, escrevendo tudo, falando tudo, conversando aquele tipo de conversa carregada de simbologia em cada linha, em cada palavra. Palavras que saltavam das estantes de sua mente inquieta. Palavras que davam as mãos numa coreografia fantástica. Palavras que podiam carregar a magia de em um certo momento dizerem tudo, para de forma mágica no instante seguinte não falarem absolutamente nada. Trompetes, trombones, saxofones e toda a sorte de metais faziam cada passo dado amaciar a calçada nas ruas de forma sutil, quase como aquele carinho típico de quem anda sem destino certo. A morte era algo tão distante que parecia descansar no muro alto das impossibilidades literárias. Flores rodeavam seu jardim de egoísmo demonstrando bem que a beleza pode ser traiçoeira quando sabe onde quer chegar. Seu verbo mais conjugado era simples como um gole de vinho tinto seco em tardes de frio e chuva num céu preto. Amar. Gostava de amar. Queria amar. E assim trocava telefones que tocavam e davam pra serem ouvidos ao longe, como sementes pairando no ar, carregadas pela sorte do vento. Tudo isso fazia muito sentido pra ele, podem acreditar. Era como ilustrar os sonhos da criança mais cândida. Era como estender a mão pra quem se afoga. Era como alimentar o faminto e dar luz ao cego. Poesia. Crescendo em cada espaço e fresta de chãos de casas de madeira e teto cheio de infiltrações movidas pela chuva das fantasias que molhavam suas idéias.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

O banho

Trocava as pernas porque trocar de vida era algo que até lhe agradaria, mas não era lá muito fácil. Do alto de sua mente bêbada, enxergar a calçada era um exercício pra ser feito com calma até conseguir a precisão necessária pra chegar em casa sem cair de cara num chão úmido de uma madrugada molhada. Muitos poderiam achar que sua noite acabaria ali. Todos errados. Primeiro: O sol querendo nascer e transformando o azul em rosa já desbancava a noite. Segundo: Sua vida era um emaranhado de situações que encaixavam-se sem um fim especificado. Era um filme sem comercial, sem pausas. Suas horas de sono não eram momentos de hiato, mas fábrica de sonhos. Quando estava de pé, praticava lirismo em cada passo trôpego. Passos como esses dados até a porta de seu velho apartamento numa vila perdida em alguma metrópole tropical absurda.
O trajeto da sala até a banheiro foi rápido como a ação de abrir a torneira para a água quente descer pelo cano e inundar aquela bacia de louça branca onde em pouco tempo repousaria seu corpo inchado de bebida. A espera pelo banho inclinou-o a pegar mais uma garrafa de vinho, um saca rolhas, papel e caneta. Posicionou tudo perto do cesto de roupas sujas, enquanto preparava uma carreira com o pó achado no bolso de uma camisa onde faltavam alguns botões. Aspirar aquele amontoado de sol branco na despedida de uma noite preta fazia sua mente paranóica ficar mais acelerada, dando-lhe mais sede e certa disposição para andar até a área de serviço, buscando um vidro com sais de banho, provavelmente um antigo presente de alguma puta que lhe dera amor e posterior abandono.
Seu corpo flácido e nu submerso em água acalmava seu espírito bravio. Palavras saiam sem pedir permissão de sua mente inquieta, povoando pedaços de papel morto com a vida que cada risco preto de caneta sentenciava em cada espaço vazio de possibilidades literárias. Nada fazia mais sentido do que escrever. Qualquer coisa seria secundária em sua vida porque era preciso expressar seus temores mais escondidos, seus medos, seus delírios, era preciso fazer tudo aquilo aparecer. Não era algo que lhe desse orgulho ou que o tornasse um homem melhor, apenas era necessário. Muitas vezes causava-lhe certa vergonha observar o que fora capaz de fazer nascer num papel. Perguntava se poderia algum dia compartilhar aquilo sem ser considerado um maldito ou um deus, ambas possibilidades que lhe causavam enorme vertigem. Odiava tudo o que era demais e tudo o que era de menos, mas odiava ainda mais o equilíbrio. Amava a contradição. Costumava dizer para as mulheres quando queria assustá-las depois de uma bela transa ou naquele início de relacionamento onde as palavras ainda são de certa forma medidas, que chamaria seu primogênito homem de Contraditório. Muitas dessas mulheres, talvez por reflexo, acabavam perguntando como seria se a cria viesse ao mundo como uma fêmea. “Seria Contraditória”, dizia ele esboçando um meio sorriso capaz de encantar metade de um bar numa noite estrelada, “Contraditória”. Dizia inclusive jamais ter encontrado na terra um ser mais contraditório que a mulher, logo, seria a fiel ilustração de um signo fidedigno. Era o que pensava.
Amava as mulheres como amava o vinho. Amava o vinho como amava as palavras. Mas nem sequer seus poucos amores eram originais, visto que a Paris dos anos 20 e 30 já havia lido toda a sorte desses pensamentos bem antes dele provar do suco de uva, da paixão literária e da seiva que brota do sexo feminino. Seiva que nunca era capaz de matar sua sede e deixava-o sempre em busca de um novo livro ou de um amor pra ser seu para sempre. Utopias eram de forma fantástica merecedoras de sua atenção vazia e desconcentrada. Do olhar mirado num horizonte perdido que só os corajosos o bastante para assumir suas dúvidas têm.
Deixou aquele banheiro molhado com palavras escorrendo junto com gotas de água e sabão. Havia vinho, roupas sujas e poesia largada no chão. O barulho da porta fechando sem a menor intenção de silenciar a lógica era a chave pra entender que mais uma peregrinação pelo vazio estava pra acontecer. Algumas notas no bolso e milhares de pensamentos novos na cabeça denunciavam mais um capítulo de todo aquele lugar-comum que insistia em sempre abrir e fechar, abrir e fechar. Como belas pernas se abrindo para o novo, como belos livros se fechando numa última página, como belas garrafas esvaziando num balcão de madeira limpo. Pedro fora ao bar.

terça-feira, 3 de janeiro de 2006

A flor

Vejo suas fotos bronzeadas portando um falso sorriso e invisto cada vez mais no meu sonho. Mergulho em minhas metas. Vou tentando ser feliz enquanto o tempo vai passando e nossa história vai ficando pra trás. Imagino-me te segurando no colo, limpando suas lágrimas. Mas lágrimas são somente lágrimas.
Planto uma flor e a rego. Traduzo e ilustro amor com parcimônia conhecendo cada dia de uma vez. Cada momento que passa faz meu corpo liberar uma casca, renovando expectativas rasas pela beleza que é não se esperar demais de alguém. Digo amém. Beijo a cruz que carrego no peito e sinto fé. Desço a pé e ando ruas e mais ruas, tomo chuva e sinto-me seco. Mas consigo enxergar o sol em outro sorriso. E seu sorriso vai tomando menores proporções em minha cabeça. Quem sabe uma hora ele suma. Quem sabe ele vença minha vontade de te esquecer e fique. Fique exposto como um quadro intocável nos corredores e alamedas que desembocam na minha alma caída. Não te quero mais e falar isso só prova que te quero cada vez mais. Desistir de entender essas nuances é a resposta pra todas as minhas preces. Embarcar num encontro marcado comigo mesmo faz meu pulmão respirar, encher-se de ar. Respiro fundo. Inspiro-me com outro sorriso. Mas seu sorriso continua ali. Incomodando. Lembrando-me que não é tão fácil apagar o imponderável. E toda poesia brota dolorida e linda. Com cores vivas e sons de pássaros num céu de baunilha. Escuto água corrente passando ao lado de tudo que não faz nexo. Percebo a vida como um retrocesso e isso me faz caminhar pra frente. Não enxergo heróis, mas vejo luz.
Vejo luz em outro sorriso. Sinto tesão e gosto por outro cheiro. Quero fazer comidinhas e paparicar. Arrancar roupas com virilidade, mas sem força. Minha pele branca avermelha-se e torna-se quente. E toda poeira fica parada no ar como um beija-flor. E flui como uma gota de orvalho descendo em passos firmes, caindo na grama úmida de um jardim alado onde ainda existe uma flor que plantei e insiste em não morrer.