sábado, 20 de julho de 2019

Toda vez que eu quero provar minhas derrotas, algum filho da puta vem me encher de elogios.


Contando esse dinheiro me sinto vivo. Mais um quadro vendido. Assim vou acabar acreditando que posso ser artista. Sempre achei que isso fosse coisa de gente bem rica. Tão tolo. Estava cego, sem ver essa chama que dança onde o dinheiro nunca pisou. Como pode ter tanta gente tentando enxergar por janelas fechadas? Quanta vista pro mar que não consegue nem olhar para dentro. Quanto desperdício de talento. Mas é essa urgência de sair que não deixa dúvidas. Que beleza genuína é essa erva daninha. É refluxo. Vem lúcida como recado de mãe. Filha de si, cheia de si. Linda e vazia. A arte de verdade, tendo a achar que é mais verdadeira quando vem do sofrimento e não pela dor. Por isso sigo me enganando pra pintar mais e expressar visualmente o que não consigo dizer. Estou mudo. Mudado. Não tenho lido. Sinto que a cada dia que passa mais perco palavras, fonéticas, fontes e frases inteiras. Me enxergo cada dia mais sozinho, orbitando em volta da minha cabeça. Sou planeta, sou lua, sou sol. Mas ainda sinto muito frio aqui dentro desse espaço imenso sem ter você no meu satélite. Contando dinheiro me sinto morto. Juntando mais pra viver algo que ainda nem sonhei. Mas eu sonho e eu sorrio e eu me arrepio ainda quando minha mão fica suja de tinta. Quando cubro camadas e quando rabisco entradas e saídas e... apago mesmo, sem dó, o que não quero que ninguém veja. Meus segredos estão todos ali, claramente visíveis dentro de tudo que as minhas cores nem se dão o trabalho de esconder. Eu continuo correndo, sonhando e vendo um futuro melhor. Fica fácil achar que amanhã vai ser foda quando todos os dias já não precisam fazer muito sentido. Mas esse sofrimento que nos deixa imóvel, me faz movimento. Tô parado aqui faz seis anos mas nao fiquei quieto não, nem por um segundo. Troco mais umas mensagens e recebo mais uma encomenda.Vou pintar o David Bowie prum português. Decidido, ele acabou de transferir um pequeno depósito. Com esse dinheiro, compro dois ingressos para ver o Mac Demarco em Novembro. Não entendo porquê continuo fazendo isso se não tem ninguém pra ir comigo. Esse meu otimismo patológico ainda vai acabar comigo. Toda vez que eu quero provar minhas derrotas, algum filho da puta vem me encher de elogios.