terça-feira, 26 de maio de 2009

Sobre fugacidade e café frio

A gente volta a se falar e o tempo pára. Somos tão inocentes. Tanta coisa aconteceu e a gente sempre pensa que vai seguir imune a tudo isso. E na minha cabeça seu sexo usado por outro cara, me adoece. Na sua meu corpo não incomoda tanto quanto meus sentimentos, dados numa bandeja a outra mulher, meu encanto, meus olhares. Isso desespera-te. Mas agora estamos nos olhando e o mundo entra nos eixos. As coisas parecem caminhar para um sentido que cheira a café da manhã na casa dos pais, calçada, padaria e jornal. Meu nariz entrega-se mergulhando de cabeça na infância, na segurança, no aroma de plástico do brinquedo novo que queria tanto ganhar no natal. Apesar da ida tão longe ao passado, sinto-me tão homem e tenho você como tão minha. Percebo que flutua em meus braços, em minha proteção. Chegam mais lembranças de nós dois. Coisas que ninguém vai tirar da gente. Que ninguém conseguiria. E cheiramos e bebemos nossa derrota, vencendo esse medo de ficarmos juntos. E nos tornamos tão completos. A certa altura já achamos que tudo voltou ao seu devido lugar e nossos corpos não deveriam nunca ter sido tocados por outros. Nosso peito se abre e trocamos confidências, tatuagens, trocamos novas juras, trocamos lágrimas, ficamos duros e umedecidos. Nossos olhares insultam a razão e a prática vira romance, a poesia assume promessas que ninguém pode cumprir. E na manhã seguinte a cama, o quadro, o celular, o horário atrasado pra trabalhar. Na manhã seguinte é a vida, são os compromissos e a realidade clamando atenção. E a gente ainda se olha mas sabe que já não se vê. Sabemos que não podemos mais parar o tempo. E o tempo anda e nosso peito já está tão frio como aquele café fraco, que se dizia quente.

domingo, 17 de maio de 2009

Sinédoque

Seguia seus dias numa rotina que agora, já parecia até nem ser tão mais interessante assim. O mesmo emprego mediano sem graça, os mesmos gostos alternativos avivados por experiências da infância (ou apenas pela internet), os mesmos sonhos com um quê de sedução e loucura. Entre ser clichê e ter virado lugar comum, bastava entender que hoje, ao perceber um adolescente com uma camisa do Nirvana, cantando suas letras e tendo crises existenciais fajutas, lhe confortaria saber que algum coroa já sentira o mesmo no início dos anos 70 ao afirmar que “o rock acabou”.
Agora aquela câmera ligada 24 horas ao seu lado já não incomodava mais. Virara paisagem. Nem sequer despertava nele uma coceirinha de vontade em parecer melhor do que era. Mas numa quarta-feira de sol cínico, pela manhã, resolveu olhar pras lentes como há muito não fazia. E após determinar mais uma vez em seus pensamentos o quão tediosos poderiam estar sendo seus planos bobos de alcançar sua meia dúzia de sonhos: chorou. Olhou pra câmera sem querer representar, nem nada. Apenas olhou. Sabia que aquilo não era um Big Brother. Sabia que aquilo não era um despertar de uma esquizofrenia ou coisa do tipo. Aprendera a lidar com o objeto cinematográfico como um fato corriqueiro da vida. Só então decidiu assim como quem não dá muita importância pras conseqüências, chorar copiosamente olhando pras lentes. Dizem que as marcas de suas lágrimas ficaram por um bom tempo nas paredes da cozinha.
Logo após o acontecido, pediu licença a quem quer que fosse o responsável por dirigir aquela empreitada e conseguiu enfim, uma cópia digital pirata do conteúdo dos rolos. Assistiu tudo por uma semana praticamente sem parar, no sítio de uma amiga, entusiasta produtora de cinema aposentada. Ali percebeu que sempre se imaginara muito distante de sua realidade.
Não mais achou seu emprego medíocre. Seus gostos agora adquiriam um ar um tanto quanto cool e seus sonhos, com aquele tratamento e um filtro laranja de sol, pareciam vivos, pareciam desafiadores, soavam fascinantes. Ao perder este parâmetro com a realidade, virou um personagem. Erro crasso. Foi aí que matou cada um de seus sonhos, um a um, com coronhadas das mais estapafúrdias conjecturas possíveis: virou um chato. Seu primeiro passo rumo ao fundo do posso foi criar um blog. Logo em seguida já estava se levando a sério demais e o grandioso filme de sua vida, virou alguma coisa fajuta inspirada em Kaufman, que até hoje continua pegando poeira nas prateleiras da Cavídeo.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Lilac Wine

Vai passar cara. Vai passar. Você vai encontrar outra tão boa igual a ela. Tão cheia de defeitos, cheia de fraquezas. Tão cheia de espaços pra você entrar e aconselhar, direcionar, tornar-se rei. Vai passar e você vai entender que esse sentimento que deixa qualquer abismo tão sedutor, qualquer janela aberta ou tarja preta tão convidativos, vai mudar. Aquele riso que sublinhava seu humor e aquelas lágrimas que exclamavam suas dores agora passaram. São passado. Não faça de conta que isso volta, pois a linha se partiu. Sua fronteira agora é o horizonte. Suas gafes, seus erros, seus atrasos e suas falhas também ficaram pra trás. Isso não é o máximo? Agora você é quase uma folha em branco. Não tem mais personalidade, bandas preferidas ou prato que ela sabe de cor. Não tem mais as roupas que ela acha sexy, não tem mais aquela calcinha batida que você adora. Agora não tem mais o boquete despertador e a viradinha com aquele olhar de jabuticaba. Mas tudo vai ficar bem, insisto. Digo que sua vida é nova e a novidade dói. Digo que seus amigos estão com saudades, mas nem lembram mais quem é você. Que seus hobbies, que se transformaram rapidamente nas vontades dela, agora se perderam e você terá de encontrar novas coisas pra se dedicar. Que seu piano continua lá. Que as marcas de vinho no canto da parede, continuam lá. São manchas. São borrões. São essa Nina Simone perfeita em seus ouvidos fazendo sua alma sentir-se tão carente de talento. São seus melhores dias jogados ao vento. São momentos de glória que não tem nem a humanidade de assumir que foram tempo jogado no lixo. Porque não foram. Antes tivessem sido perda de tempo. Antes tivessem sido só carne. Mas foram espírito. Foram porra. Foram suor e sangue. Foram uma festa para as formigas andarem por cima, com todo esse doce. Foram seda. Foram sutis. Foram serragem e grosseria. Foram grito, desespero e culpa. Tudo muito. Tudo tão dominador, tudo tão fácil. Mas vai passar. Está passando. E enquanto falas sozinho, ela chora. Se lembra de vocês dois, porque pra ela você já não é um presente. És uma lembrança. Pertence ao que passou. Por hora ela chora o passado. Você só não entende aonde deseja ir. Só tem a certeza mais dura que já pode ter. Apenas sabe que vai passar.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Grito seco

Enquanto comia aquele cu a seco, sentia vontade de quebrar seu pescoço com um soco ou uma marretada. Sua disposição em ser meu capacho, as vezes fazia-me crer estar apaixonado por ela, as vezes causava-me asco. Mas comer aquele cu a seco, no sol de meio dia, sempre dava-me vontade de quebrar seu pescoço. Os cheiros da rua, nosso suor, o cinzeiro sujo, o prato com os restos de torrada, o cheiro de shampoo em seu cabelo e aquele maldito cheiro de buceta, acordavam meu nariz. O resto do dia não havia olfato, tava cagando pra fragrancias e aromas. Tava cagando pra notas e safras e uvas e vinhos. Me importava aquela sua buceta. Me encantava era aquele seu cu, aquele cheiro de suor naquele furo, cuidadosamente cheio de preguinhas. Aqueles cabelinhos finos e loirinhos, quase impossíveis de se ver a olhos nus, mas apoteóticos ao reflexo do sol do meio dia, apontados como setas em torno de suas covinhas nas costas. Aquela mistura do meu cheiro, com o cheiro de seu furo, com o cheiro imaginativo da merda que passara ali. Que me bastasse aquele cheiro de cu. Que me bastasse comer aquele cu a seco todos os dias em meu horário de almoço. Seria perfeito se num dia como outro qualquer não tivesse cedido aos meus desejos. Agora era o sangue no colchão, minha porra naquela bunda morta e a polícia sendo chamada por causa de um grito seco.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Johnny Rotten crisis

Agora era meu escarro, me olhando, estatelado ao chão. De tão cansadas, minhas costas mereciam aquelas faixas indicando uma interdição pela defesa civil ou algo do tipo. Enquanto presenciava minha coluna ruir, sentia inveja daquele subproduto do meu pulmão. Aquela coisa verde e quente deitada na sarjeta, protegida por minha sombra projetada pela luz brega de uma dispensadora de cigarros pra lá de flúor. Inveja do meu cuspe. Quando um homem se acha pior que um catarro, nada pode elevar sua baixa auto-estima. Um desfigurado cambaleante interrompe então minha divagação sorumbática e o pisa. Esfrega sua sola velha de lona de caminhão num movimento rápido, passando por cima de meu mais recente amigo e espalha metade daquela merda pelo chão do bar. Percebo como nunca tive sorte em minhas amizades, mais uma vez.
Puxo algumas notas do bolso. Minhas calças são velhas, meu dinheiro é velho, minha atitude ali não é nem um pouco nova. Agora só quero a paz que eu nunca encontrei, mas ainda insisto em tentar buscar sempre que resolvo que aquela é a hora de ir pra casa. Me livro do balcão e da cara impiedosa do sujeito que me serve. Desconfio que ele tenha tuberculose e sinto-me mais vulnerável do que já sou. Foda-se. Ali já não sou um devedor, já não sou um bêbado entre tantos. Minha garganta é menos uma lixeira na noite carioca.
Mal dobro a esquina e a maldita síndrome alerta minhas mãos, que tateiam meu corpo e bolsos, procurando algo que minha mente insiste em copiosamente blefar dizendo-me que esqueci só pra me fuder a cabeça. Segundos depois, avanço três passos, mas resolvo olhar pra trás. Minha visão enxerga então algo inaceitável. Também não quero acreditar nisso, mas vejo um escarro pútrido do tamanho de um homem, saindo pela porta dos fundos bar. Viro o rosto, recomponho os passos e sigo em frente, pra bem longe dali. Forço meu joelho frágil a aumentar sua capacidade articulatória: resolvo correr. Meu desespero agora se fantasia em música e uma sinfonia clássica flerta com minhas orelhas ligeiramente peludas enquanto tento fugir do meu próprio cuspe.
Consigo chegar em casa a tempo da medicina não me considerar um cadeirante. Desatarracho meu joelho esquerdo e sento no colchão de quinta, bem ao lado de meu criado mudo. Aquela visão no espelho da parede do armário parece mais normal quando estou sozinho. Antes de pegar no sono, o barulho alto de um escarro gigante caindo na calçada num ritmo matemático de gotejamento me assombra. Na manhã seguinte avistaria um bilhete de minha vizinha da frente empurrado por debaixo da porta. No papel amarelo, um alerta, onde ela seguia dizendo ter visto um catarro durante toda a madrugada, saltando incansavelmente tentando alcançar minha janela.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Velhas vontades

Fiquei com vontade de escrever o mais belo texto de amor. Queria observar você lendo minhas cartas, queria ver um sorriso honesto sem dor. Imagino sua rua, mesmo sem nunca ter ido lá. Vejo flores na varanda. Nos vejo nus. Imagino seu corpo, seu dorso. Te vejo querendo sentir de perto essas distorções. Saio pela calçada, compro pão. Esqueço o que já nem preciso, te dou a mão. Leio coisas tão bonitas, de uma leveza tão argentina, tão distante. Choro. Sigo por entre pensamentos tão cinzas. Me sinto melhor.
Fiquei com vontade de escrever um belo texto de amor.
Não sei se essa dor só me vem quando passeio por seus olhos e não chego a lugar algum. Porque em outros olhos me perco, nem vejo nada. Vejo espadas, vejo cruz. Em nossa cama vejo pus. Apenas um sol que se levanta como um astro e põe em nossa mesa o pão, o jornal, o antepasto. Em vosso teatro brilha nossa falta de tato, que me agoniza, me quebra. Imagino seu corpo, seu colo. Quero colo. Quero minha mãe. Mas nem sei quem ela é. Quero me ver por perto, quero tantas coisas.
Fiquei com vontade de escrever.
Nem sei de mim. Nem sei o que. Escutando uma linda canção começo a achar tudo tão fácil. Em cada nota vejo-te ali: oposta, esguia. Assim amenizamos nós. E essa minha mão que desarma em textos que viram arma, não atira. E te amo por nós dois. Talvez até por quem mais for. Vibro em meu silêncio repleto de certezas. Em todas as minhas velhas vontades. Em todas as minhas impurezas. Só pra te dizer que estou aqui.