quinta-feira, 26 de abril de 2007

Notas de um mesmo assunto nº89

Chego em casa suado do trabalho pensando em quantas gafes tenho a habilidade de cometer por hora. Será que um dia alguém já foi promovido por isso? Se foi, pelo menos já tenho meu lugar garantido no paraíso corporativo, mesmo odiando esses jogos de escritório. Brincadeira que sempre deixo para trás como um tabuleiro aberto, em cima de todas as mesas que passo, nos prédios comerciais que apodreço. Penso em ligar pra ela e escrevo pela terceira vez uma nova mensagem diferente no celular. Uma daquelas bem típicas: que nunca mando. Meus celulares vivem estragando de tanto que eu gasto seus botões escrevendo coisas que nunca mando. Fico imaginando o que ela deve estar fazendo de tão interessante já que tudo o que penso sobre ela quando penso nela parece ser interessante. Acho engraçado imaginar que pode estar cagando agora, mas me desconcentro em desconforto quando lembro que ela pode sim estar literalmente cagando. Pra mim. Mas essa minha forma tão arredia de lidar com jogos difíceis de ganhar tem nome: minha veia masculina. É o preço que pago por ser assim. É o preço que pago por acabar achando que é tudo sempre um jogo. Será que todo cara quer ganhar tanto do jeito que eu sempre quero ganhar? Resolvo arrumar meu apê. Pelo menos assim consigo suar fazendo alguma coisa que preste, já que odeio malhar. Apesar de estar tão bem ambientado com o estilo largado que vem estampado na etiqueta e no meu manual de instruções há tempos, acho engraçado como ainda gosto de livrar minha cabeça da deprê simplesmente limpando meu canto. Tem coisa que nunca muda mesmo. Enquanto olho mais uma vez seu nome no celular que briga com meu dedo para não te ligar mais uma vez sem o menor assunto, vem outro nome e aparece brilhando em seu lugar. Parece que as pessoas que você não dá à mínima desenvolvem uma capacidade assustadora de aparecer sempre exatamente quando você quer ficar sozinho.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Duas crianças e um banheiro

Eu tinha duas crianças e um banheiro. Cê precisava ver o tamanho dos meus peitos, ameaçavam tocar o chão. Uma boa dose por dia e um cheque no final de todo mês sustentavam aquele circo. Meus filhos eram dois bravos soldadinhos. Com certeza aprontariam muito quando os pêlos invadissem seus corpos. Por ora tomavam sua sopa de tomate magra, uma mistura de catchup e água quente, sem reclamar. Era o que dava pra pagar, pelo menos o que sobrava depois de uns bons tragos. Após o banho, quando eu começava a raspar minhas pernas na banheira, às vezes eles ficavam me observando pela porta encostada, com olhinhos arregalados. Será que sentiam nojo de mim? Acho que não. Minha cabeça era uma bagunça, aquela casa era uma bagunça, minhas varises eram uma bagunça. Era um sobrado pequeno, mas aconchegante. Pela manhã nunca deixei faltar cereal e um belo blues rolando no rádio. Alto. Eu tinha duas crianças e um banheiro.

terça-feira, 24 de abril de 2007

Porque a paz chega aos poucos

Era uma tarde de abril como outra qualquer, com vento e sol. Uma vida de trabalho duro com o boxe foi capaz de ensinar muitas coisas para aquele agora cansado senhor sentado em seu carro. Cento e nove lutas como boxeador, seguidas de quase quarenta anos como treinador profissional. Aprendera com a dança das pernas, com o raciocínio dentro de cada movimento premeditando um soco. Sua vida e o boxe estavam tão ligados, que seria impossível lembrar-se dele sem sentir aquele cheiro acre de um ginásio suado. Aprendera o sentido da derrota e o sacrifício para se conquistar um soco limpo, um ponto, uma luta ou um título. É verdade que nunca ganhara muito dinheiro com isso. Os velhos tempos não eram como hoje. Não se sabia muito bem o valor do marketing e sequer imaginavam fechar contratos tão milionários como os de agora. Mas o sangue que jorrava e jorra nas primeiras filas de um ringue sempre foram e sempre serão o mesmo. Aquele líquido pastoso, vermelho. De um vermelho brilhante quase como o laranja de seu Dodge novo. Um carro comprado à vista para sua tão aguardada viagem de aposentadoria. Estava tudo programado. Uma visita ao Jockey, quem sabe um páreo, uma passada no bar da academia, agora vendida, para após isso sim, partir para a estrada. Uma viagem sem volta. Um adeus a cada quilômetro rodado. Tudo de forma contida, como quem conversa com o sol ou com as estrelas. Um final digno para um rosto cansado e retalhado, sem bilhetes de despedida. Sem pressa, porque a paz, ele nunca cansara de repetir, chegava aos poucos.

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Seu colo me olhou de relance e mal deu tempo de esquecer como era precioso descansar a cabeça ali

O cheiro das garrafas já se misturava ao bafafá das vozes e suas conversas loucas quando cheguei. Todos tão suados e tão felizes. Pareciam malditos bonecos em uma fila de precipício, doidos pra pular. Seu colo me olhou de relance e mal deu tempo de esquecer como era precioso descansar a cabeça ali. Aquelas pedras no chão formavam uma calçada fina, que garantia todas as respostas sobre a separação entre o céu do inferno. O calor amenizado por vidros caramelados cheios de cerveja gelada em abrigo, era signo. Logo o sol foi dormir e a tarde foi pra noite, que veio pro dia, que virou ao avesso falsas poesias. Autores trocados, intrigados em mesas de uma homenagem a tudo que é insano e barato. E eu ali, falando baixinho em seu ouvido tudo aquilo que combinei não dizer.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Eu odeio filosofia

Benny voltou da cozinha com uma garrafa de vodka nas mãos. Desde que chegou, Vick estava daquele jeito, e tirando as vezes em que ela se levantou para pegar um pouco mais de suco na geladeira, não parecia ter se movido. O problema é que a ficha de que estava pelada em cima de uma dessas esteiras de yoga falando aquele monte de bobagens, só havia caído agora que ele voltara da maldita cozinha. Com a garrafa numa das mãos, um balde de gelo em outra e um cigarro trôpego quase queimando seus lábios, ficou alguns minutos parado no hall da sala.
-Que houve Benny? Cê voltou a cheirar? – disse Vick, nua em pêlos.
-Cê tá pelada Vick? – respondeu.
-Desde que você chegou.
-Cê tá falando toda essa merda sobre mais-valia, proletariado, Grécia, vibradores, histeria feminina e o escambau, pelada?
-Qual o problema? Você acha que meu corpo esvazia meu discurso?
(pausa)
-Não.
Benny parecia não ter se acostumado com a atmosfera universitária. Todos aqueles livros de autores franceses espalhados, aquele monte de bebidas baratas e drogas malhadas, aquela falta de banho. Nada daquilo entrava muito bem em sua cabeça. E agora que tinha finalmente reparado, percebeu que não só Vick, mas várias pessoas estavam peladas. Como um bom carcamano moralista, saiu pra tomar ar no quintal. Beth estava lá fora sozinha fumando. Aproveitou pra filar um.
-Me arruma?
-mmm.- ela estendeu a mão levando o maço mais perto.
-Se importa de eu fumar aqui contigo?
-mmm. – Beth sacudiu a cabeça liberando sua presença. Ela também estava sem roupas.
-Porque eu tenho a sensação de que tá todo mundo nu?
-Sei lá Benny, cê devia relaxar mais cara. As provas estão te deixando tenso.
-É. Deve ser isso. Malditas provas. – disse sem muita convicção.
A lua estava imensa como há muito tempo não se via. Benny resolveu ir pra casa. Aquele ambiente parecia tê-lo deixado cansado. Precisava de um pouco de normalidade, de um noticiário sensacionalista, de um achocolatado, de uma ex enchendo o seu saco ou só de um pouco de raiva. Qualquer coisa que o trouxesse mais pra perto da realidade. Vick continuou pelada na sala até quase de manhã, mas não transou com ninguém. Repetia para qualquer ereção mais espertinha que aparecesse em sua frente, que seu namorado estava de férias no Marrocos. Provavelmente trepando até com camelos. Já Benny, em casa, só reparou a folha colada atrás de sua camisa no dia seguinte. Trazia "eu odeio filosofia" escrito em letras garrafais.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

play

Como cada música que me faz lembrar você.
Cada som que me permite sair um pouco
e ver luz onde só há uma noite de lua,
maravilhosamente cheia.
Novos downloads que avançam
em novos downloads
que avançam em novos downloads.
Só importa o volume onde tudo acontece.
Preciso de uma caixa de som
e um botão girando.
Um botão girado.