domingo, 11 de outubro de 2009

Lost in translation

Quando se está perdido pela Ásia bastam algumas noites seguidas de bebedeira para que o calendário deixe de existir. Perco compromissos, dinheiro e razão. Em compensação são histórias e mais histórias. Muito mais das do tipo que envergonham e nenhuma sequer, que me proporcione um cheque ao fim do mês, isso eu posso garantir. Se já não tenho como escolher o que dizer, o que pensar, nem o que olhar, sigo atento. Meu lucro é não deixar que minha mente apague as partes mais escatológicas, razoáveis ou que elas pelo menos se comportem bem num pedaço de papel. Já não tenho norte, perdi minha bússola, mapas, referências. Deixei minha dignidade perdida em algum cofre pela cidade, com uma senha que jamais cogitei memorizar. Aquela bela garota já não sabe quem eu sou, esqueceu meu rosto e agora oferece seu sorriso raro, tão precioso, de graça, apenas pra melhorar sua baixa auto estima. Posso escutar as ligações histéricas que precedem os bares. Vejo os piores tipos dando em cima dela, observo-a selecionando qual dos otários merece 10 minutos de conversa e enfim, cogitando fazer o que um dia já foi impossível sequer pensar em pensar. Acordo cada dia com um par de coxas diferente ao meu lado e já não sei o que devo fazer. Procuro-a em todas. Não consigo entender o que essas vadias apreciam em mim. Sinto-me desprezível, despreparado e perdido. Meu olhar, que já fora tão obstinado, há tempos não se encanta. Tomo um banho quente e demorado, mas a sujeira que sai de mim, de tão turva, desce bela e deplorável como uma punk sebenta e cambaleante, até o ralo. É como se minha pele fosse feita de lama. Desisto de me limpar, soaria como uma piada achar que isso é possível. Por enquanto me contento em fumar outro cigarro amassado na janela. Uma das poucas coisas que me acalma e força os espíritos que rondam minha cabeça, a partilharem um breve e curto acordo de paz. Ali estou puro. Agora sou puro. Bebo um pouco d’água num copo sujo e sento-me pra escrever um pouco mais. Quando quero afastar os pensamentos ruins, isso dá de dez a zero no Rivotril. Em instantes meu avião vai partir. Nenhuma comissária de bordo está preocupada com o fato de que não vou estar lá ouvindo aquelas instruções repetitivas. Com suas calcinhas compradas em Miami, enfiadas no rabo, elas não estão dando a mínima pra isso, afinal.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Boa noite

Até então são histórias repartidas. São momentos que um por um, vão brigando por atenção na hora dos sorrisos. E eles chegam. E você sente-se menos na merda. E um psicanalista tentaria demover a idéia do raso ou da presidência. E, mesmo estourando a cota da letra “e” em seu texto você diria que não. E diria que não sabe ainda se vai publicar isso. Que te dá certa excitação saber que esse texto não está pedindo pra aparecer. Daí rola. Daí, meu amigo, é só digitar. Só escrever. Só se queimar. Só vomitar em cima de tudo o que te atrapalha. Comprar aquele barulho que reverbera na calçada. Até aqui, meu amigo, eu vou pra casa, saborearei uma sopa. Imagino. E depois, mais tarde, cumprirei a promessa de contar aquela história. Até.