quinta-feira, 27 de abril de 2006

Alvos

Nuvem tem que ter desenho. Beijo tem que ser desejo. Casaco tem que ter no frio. Cerveja tem que ser no Rio. Salto tem que ter motivo. Riso tem que ter espaço. Choro tem que ter hiato. Desatino tem que ter amigo. Poesia tem que ter na vida. Heresia tem que ser no livro. Atitude tem que ter no abraço. Absurdo tem que ser abrigo. Covardia tem que ter história. Euforia tem que ter memória. Sentimento tem que ser instinto. Rompimento tem que ter vitória. Alegria tem que ter no dia. Maresia tem que ser na praia. Feijoada tem que ter farinha. Uma ponta tem que ser tapinha. Opção deve ser decisiva. Apatia só se for ativa. O silêncio deve ser um grito. A derrota deve ser macia. A carreira tem que ter canudo. Cigarro tem que ter lugar. Mentira tem que ter um fundo. Noite tem que ter luar. Menina tem que ter beleza. Olhar tem que ser profundo. Saudade tem que ter clareza. Verde tem que ter no mundo. Camisa tem que ser de time. Caneca tem que ser de uva. Bota tem que ter na chuva. Um tapa tem que ser de luva. Branco tem que ser de neve. Batida tem que ser de reggae. Cachorro tem que ter um dono. Música ouvida no mono. Surfista tem que ter na onda. Idéia tem que ter no assunto. Matéria tem que dar status. Bolonha tem que ter presunto. Verdade tem que ser um fato. Nu não deve dar vergonha. Sono tem que ter um chato. Neném, chegar de cegonha. Obra tem que ter cimento. Cientista tem que ter invento. Museu tem que ter poeira. Varanda tem que ter lamento. Rede tem que ter besteira. Praça tem que ter lixeira. Cavalo tem que ser sem cela. Macarrão tem que ser na panela. Engano tem que ser um plano. Aquarela tem que ter janela. Maconha tem que ter comida. Lágrimas, guardar pra ela. Violão, nunca uma rodinha. Caldo tem que ter salsinha. Pureza tem que ser nativa. Galo não brigar na rinha. Estrada tem que ser destino. Igreja tem que tocar sino. Amizade tem que ter coragem. Inteligência tem que ser bagagem. Cult tem que ter estilo. Um corpo tem que ter um ninho. Uma rosa tem que ter espinho. No sufixo constar um inho. Aventura tem que ser na beira. Trilha, tem que ter caminho. Mato, uma cachoeira. Atalho na segunda-feira. Corrida, nunca na esteira. Pó, só pra quem diz que cheira. José tem que ter Maria. Pasta tem que ter na pia. Católicos, na romaria. Maçã cortada na sangria. Estepe tem que ter no carro. Fome, matar com centavo. Flor deve sair do vaso. Criança só nadar no raso. Mistério é pra ser explorado. O medo deve ser largado. Bocejo tem que ser escondido. Virtude deve ser um achado. Vergonha só de ser bandido. Fumaça, sempre de aviso. Gargalo só se for de barro. Árvore tem que deixar crescer. Cabelo tem que ser blasé. Nerd, feito pra tirar sarro. Papo tem que ter no sapo. Preto, quando alguém morrer. Peste tem que ser contida. Frieza, às vezes mantida. Deprê tem que curar na esquina. Pra dor nem sempre usar morfina. Pras baratas pôr naftalina. Pra sujeira, capricho e faxina. Contra ignorância, ter tempo pra ler. Pra sonhar junto desligar TV. Gelo no trato só se merecer. Minhas mãos, pra cuidar de você.

segunda-feira, 24 de abril de 2006

Ela adora japonês

Fico assistindo da janela. Meu apartamento não é dos melhores, apesar de tê-lo alugado por um valor justo e seu piso ser excelente. Um daqueles pisos novos, claros. Aqueles que cachorros com unhas grandes acabam por orquestrar um irritante barulho oco ao caminharem de lá pra cá. Bom, mas de qualquer forma eu não tenho cachorro. Em fins de tarde como o de hoje quando o céu está limpo e a temperatura agradabilíssima, gosto de me debruçar no parapeito do buraco quadrado que emoldura o oitavo andar desta espelunca aqui. Bebo alguma coisa com gelo, geralmente uma boa vodka, ponho o doors pra tocar, quase sempre pulando logo as faixas pra riders on the storm e me deixo levar pela brisa fresca na testa. Venta bastante.
Na esquina dá pra ver uns moleques andando de skate. Antigamente ali era onde ficavam os aposentados desses lados de cá, mas foi até o momento em que um desses babaquinhas descobriu que seus bancos retos davam ótimos resultados para as performances com quatro rodinhas. Nada contra a expulsão dos velhos ou contra os skatistas, apesar de ultimamente ter certa condescendência com a terceira idade, mas qualquer dia o pouco espaço entre as ousadas manobras e a pista com carros em alta velocidade vai proporcionar belos momentos. Vou assistir de camarote.
Outro dia, ao voltar do mercado, esperava o sinal fechar para atravessar quando um moleque de rastafari nos cabelos se espatifou na calçada de cimento dura. Não se machucou gravemente, esses filhos da puta parecem feitos de borracha, mas sua cabeça deve ter ficado a dois palmos do meio fio. Fiquei observando a porra do skate invadir a avenida com quatro pistas. A desgraçada ripa de madeira veio mansamente por entre os velozes carros intacta, até ser atropelada por um 1.0. Não sei nem mais do que são feitas essas porras, mas sei que o bicho com toda aquela flexibilidade não se partiu. Foi legal ver aquilo.
Entediado, resolvo bater uma punheta, mas me recordo que ultimamente não sinto tesão por nada. Carla, aquela putinha que eu tô comendo faz um tempo, poderia vir aqui fazer isso por mim. Será que ela ficaria chateada de apenas tocar uma e depois ir embora? Bem que isso podia me dar uma animada a quem sabe fazer o serviço completo. Ok, devo confessar, ela é até bem bonita. Maravilhosa na verdade. Seus olhos azuis me causam vertigem irradiando tamanha beleza. Não sei o que uma menina rica como ela vê num canalha derrotado como eu. Se tem uma coisa que me emputece é quando ela vem com uns papinhos tipo “acho que você deveria ir para alguma cidade ao norte da Itália ou Paris mesmo, lá te dariam o valor real que merece” ou quando cheia de orgulho diz que o pai não aprova seu namoro com um artista plástico da minha estirpe, mas não liga a mínima, pois me ama. Toparia no ato se mandar pro Velho mundo comigo. Amor, amor...eu te amo. Aliás como as pessoas dizem isso a esmo hoje em dia, não? Sei lá o que isso significa e nem sei se um dia saberei.

Escuto uma forte freada e um leve burburinho vindo lá de baixo. Ao chegar na janela uma pequena multidão já se aglomera em forma de roda ao redor de um carro importado, uma poça de sangue, um moleque imóvel e seu skate, cúmplice. Ao invés daquilo me excitar, sinto uma leve depressão, até certa pena. Penso em ligar pra Carlinha. Pela primeira vez começo a achar que a amo. Ver a morte me lembra a vida que ela me traz. Resolvo pedir um japa e fumar o resto de haxixe que sobrou de ontem. Ela adora japonês.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Silêncio

Aquele barulho de TV fora do ar iluminando a sala na madrugada, de antemão resolveu avisar que algo estranho se desenrolava. Ficar fora da cidade por quatro dias com apenas um terno podia parecer o pior que teria acontecido até ali. Chegando próximo a porta do quarto, dava pra ouvir algumas risadas nada contidas e uma espécie de balbucio coletivo. Definitivamente havia alguém além de Linda. Uma garrafa de Prosecco vazia no final do corredor denunciou a antes silenciosa chegada com um esbarrão do bico de seu sapato preto minuciosamente engraxado no gargalo, fazendo-a completar um giro. Seria até engraçado percebê-la apontando para aquele casal marginal seminu deitado na grande cama. Os olhos arregalaram-se de surpresa. Narinas ainda meio esbranquiçadas nele. Nela, um cigarro em processo de elaboração entre suas belas mãos com dedos finos de pegada suave.
Cheiro de sexo no ar, papelotes abertos de cocaína pelo chão. Taças vazias e cinzeiros cheios espalhados ao redor. O embaraço crescia à medida que sua atitude defronte a porta mantinha-se fria como um imenso bloco de gelo. Um olhar apenas. Um simples olhar deflagrou o início das ações, provocando o recolhimento das peças do traje social amarrotado no chão de carpetes daquele recinto. Suspensórios, meias, cinto, um belo terno milanês. Após a rápida atitude, ainda passara ao seu lado, pelo corredor e finalmente pela porta da casa, incrédulo. A incômoda visita não entendia, não via explicação plausível para não ter sido atacada, baleada, por ter lhe sido poupada a vida. Chegou a procurar no corpo suado de nervoso, antes de ligar o carro já na calçada daquela fria noite, alguma ferida, algum buraco de bala que o choque do momento por ventura tivesse feito sua predisposição a dor negar.
Lá dentro, na cama, atitudes desencontradas, porém lentas e desengonçadamente pesadas, faziam Linda melancolicamente se vestir devagar, ancorada de perto pelo sangue quente daquele siciliano inflamado de traços retos. Antes de se retirar dali pra sempre, durante todo o processo, somente observou-a. Parado. Imóvel como uma rocha.
Havia passado alguns dias viajando a negócios, resolvendo uns assuntos para o Velho, o conhecido Tornado Big. Queria parar com aquilo no verão. Chegou a ver uma casa nos Barbados, pensava realmente em ir pra lá quando tudo isso acabasse. Tinha planos. Usaria blusões havaianos floridos e velejaria por dias inteiros. Pesquisava informações sobre como os ventos se comportavam naquela ilha. Sempre fora fiel ao Velho, compartilhar sua vontade de sair daquela vida e dedicar-se a Linda era certeza de não encontrar maiores dificuldades ou percalços por parte do grande Big.

Dizem que naquela noite nenhuma gota de sangue, nem de lágrima foi derramada. Mas o que mais impressiona e gera rebuliço na italianada que hoje em dia ainda comenta a frieza da ocasião comprando seus presuntos Parma no Mercado Municipal em manhãs nubladas de outono, é o silêncio. Não se ouviu uma única palavra, um único lamento aquela noite.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Backup

Porque é preciso o sorriso pra conter a chuva. Não adianta só tomar banho e achar que estamos limpos. Sempre sujos, assim devemos nos manter. Sempre burros, características intrínsecas do querer. Buscas. Mendigos fugindo de nossas barbas falhadas, trajando um medo aprisionado de quem não tem nada a perder. Tequilas baratas vendidas de forma mais cara pela ilusão das luzes e música alta. Dança. É preciso dançar mesmo sem saber dançar. E tropeçar sem cair. Pois cair tem que ser cair mesmo, sem historinha. É preciso samba com feijão e até um pouco de microfonia. É preciso funk carioca antigo, duma época em que fez sentido. É preciso levar o Maracatu pra conhecer as Laranjeiras. Não são nada importantes enfermeiras. É preciso tomar um chope lendo um livro sozinho. Imprescindível aliás. Importante ficar sozinho. Tão quanto um bom ninho. Músicas novas no e-mule. Teorias adaptadas de Marcuse. E filmes. Os mais rasteiros, os mais baratos, os mais famintos. Mas devem tocar. Embora isso não seja dever, mas questão de sorte e identificação. Daí também você fica liberado pra ver quantas vezes inventar.
Porque é preciso gosto pra sentir o amargo da uva. Saber que sem choro não existe aquela patética sensação de alívio. Que depois do tal regurgito, vem uma baita calmaria. É preciso bater forte no balcão e beber algo diferente. Ou não beber. Necessário sentir a sensação de harmonia com o corpo seja ele mal-tratado, mal-amado ou apenas mal-compreendido. Entender que a falta de compreensão é de tal forma um fato que chega a ser inocente achar que todos vão pescar o que você disser. Falar ao telefone algumas vezes pra aproximar. Esperar a noite virar dia sem nem sentir pra alinhar. Não esperar resposta. Apostar em chances sempre com a menor probabilidade de acerto. Esquecer sumariamente os remédios. Jogar todos fora. Juntar uma caixa grande com todos os comprimidos inúteis que tomamos para os sintomas inventados pelas nossas neuras e deixar pros lixeiros levarem junto aos sacos barulhentos cheios de garrafas vazias que corrompemos com saliva.

Porque é preciso escrever alguma besteira pra liberar espaço pras coisas que importam mesmo. Importar-se demais com significados é regredir. Importante é ir em frente mesmo que isso suponha um caminhar pela contra-mão. Dar a mão. Babaquice deveras importante. Esquecer seus ídolos pois eles não foram feitos para serem lembrados, apenas buscados em seu quarto num momento de autoconhecimento madrugada adentro. Ler Bukowski. Já malhar o Judas, complicado, não dá mais pra saber se é certo ou se vai ficar sendo apenas tolerado.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Negócios

Pensou em abrir algo com sua ex-mulher. Um negócio. Iria para o campo de batalha conquistar espaço no mercado. A deixaria de frente na empresa, administrando tudo. Davam-se bem e não havia mais a menor atração entre eles, só amizade e respeito. Era garantia de ninguém querer foder o outro. Literalmente.

terça-feira, 11 de abril de 2006

Nada de bolor hoje

Acordo cedo. Antes mesmo da armadilha sonora do despertador soltar os bichos pra cima de mim. A barba ainda está por fazer, mas já faz mais de uma semana que não bebo. Oito dias pra ser mais exato. Penso em dar uma caída. Olho pra pranchinha, mas lembro que meu joelho ainda não tá segurando a onda. Resolvo preparar algo pra comer. Acho na geladeira umas coisas legais e incrivelmente, elas estão frescas. Nada de bolor hoje. Me animo a preparar um café. Ligo o rádio e já com um belo naco do sanduíche de peito de peru na boca, escuto uma daquelas típicas músicas antigas de comercial de cigarro que recheiam o coração da maioria dos otários normais como eu com uma farta dose de euforia. Olho pro relógio e pareço não acreditar que àquela hora já estou de pé e tão bem disposto.
No escritório decido escrever algo. Lembro que hoje tenho uma reunião de pauta na redação e penso em dar uma chance para o babaca do meu chefe, vou aparecer. Ao contrário de grande parte dos jornalistas, intelectuais que esbarro por aí ou pelas demonstrações práticas em forma de depoimento ou atitude dos que não conheço, acho ótimo ter uma labuta fixa. Esse lance de trabalhar por adiantamento rouba a porra da alma de vários escritores. Todo mundo precisa pagar suas contas e alimentar o cachorro. O resultado disso são livros que poderiam até ser digeríveis se feitos em três ou quatro anos, transformados numa patética literatura vazia entregue em meses visando a merda do cheque da editora. Liberdade pra escrever é escrever de ressaca olhando a hora no relógio da cozinha pra sair pra jornada diária. Liberdade é perrengue. Os grandes passaram perrengue porra, não se garantiam em adiantamentos.
Após teclar meia dúzia de parágrafos desisto do laptop e entro numa de escrever no papel mesmo. Já faz um bocado de tempo que não escrevo à mão e minha letra vai saindo tão tosca quanto minhas assinaturas em cheques bêbados que solto por aí. Meu gerente deveria ser perito por liberar aqueles garranchos. Só uma vez me ligou checando se podia pagar a quantia ali descrita com uma caligrafia sofrível. Qualquer dia eu me fodo por isso.
Acabo escrevendo uma poesia doce, sem ser frívola, até boa. Fala de uma mulher que me encantou certa vez. Não era isso que estava em mente ao começar a rabiscar, mas foda-se. Agora falta achar alguma saia que a mereça. Quem sabe esse garrancho não vire um presente. Talvez isso seja um pouco complicado. Tenho esbarrado em belas fodas por aí, mas nada que tenha enchido meu peito e tirado meu ar. Acho que tô precisando de uma mulher com quem realmente possa conversar. Não precisa nem ser a mulher mais linda da cidade, mas de preferência nada de grampos espetados no nariz gratuitamente. Nada contra os piercings tradicionais, mas só o Buka mesmo pra pensar nessas distorções bizarras.
Chega ao meu celular uma mensagem dizendo como as ondas estão hoje. Entrou um belo swell. Tão rolando altas. Esbarro com a porra do dedão na quina de minha cama lendo o torpedo e dou um uivo de dor. Fico meio puto com aquilo de uma forma ainda inédita no dia. Vou ao espelhão do banheiro ver o dedão. Percebo meu corpo no geral menos inchado. O tempo dado na boemia mostra suas armas. Vai ver o único problema foi acordar muito cedo hoje.

segunda-feira, 10 de abril de 2006

Porra nenhuma

Voltando do bar encontro Jimmy sentado num banco da praça perto da praia. Não era uma das melhores escolhas ficar ali dando sopa.
-Aquela puta terminou o casamento cara. Acabou. Puta.
Jimmy vivia as turras com Raquel desde quando se conheceram, numa briga na entrada de um show do Ramones por causa de uma suposta furada de fila. Acho que aquilo nunca mudaria.
-Ela trocou a chave da porta cara. Acho que agora já era mesmo. É o fim.
Fiquei olhando ele falar. Eu estava bem bêbado, seu rosto mais parecia uma mancha meio disforme que de vez em quando ficava nítida, bradando aquelas frases soltas.
-Tu fez merda?
-Não fiz porra nenhuma cara. Porra nenhuma.
-Vai ver foi por isso então.
Saí andando. Minha dose de humanidade já havia ido embora quando roubei umas notas do bolso de um cara bêbado caído no banheiro do Pub todo vomitado. Ele usava uma daquelas camisas de tecido com um bolso único no peito. Tinha cara de bem nascido. Meus esquizofrênicos valores tendem a achar que quem tem cara de bem nascido merece ser fudido de vez em quando.

Jimmy ficou lá imóvel com aquela cara de cu habitual olhando enquanto eu me afastava. Provavelmente devia ter dinheiro pro Táxi e logo estaria na casa de sua mãe em Copacabana tomando um banho quente. A mim, o resto daquela noite escrota bastava.

quinta-feira, 6 de abril de 2006

Pigarro

E seguimos inventando ídolos de mentira. Ídolos que parecem não feder, que parecem nem cagar. Eles se matam e ficamos aqui especulando sobre sua provável longevidade criativa e iconoclasta como se fossemos ciganas lendo a mão de algum idiota no meio da rua. Tudo é novo. Tudo é considerado novo. Mesmo que as mesmas vozes que cismam em cagar essas pérolas juntem-se num uníssono concordando que tudo é adaptação. Que realmente não existe mais nada fresco na prateleira.
Prefiro desligar a tevê, sem me desligar do mundo.

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Cacoetes

A vida se resumia em ter um pinto que levantasse, um fígado que agüentasse e tempo pras coisas secundárias. As coisas secundárias poderiam variar de significado, sendo desde ajudar uma velhinha a atravessar a rua (isso pra ser bem didático), a ler uma coisinha repulsiva nova. Tinha um cacoete que lhe entregava quando estava mentindo: coçar o saco. Quem descobriu isso foi uma ex-namorada que tinha os olhos fundos de tanta melancolia. Tudo bem que a melancolia dela ficava no coração, mas essas coisas acabam sempre transbordando, não tem jeito. Aí aparecem como marcas e provas em outras partes do corpo. Uma vez ele beijou uma outra menina que fez o desserviço de marcá-lo com um chupão no pescoço. Daqueles bem roxos mesmo. Deve ter feito de sacanagem. Quando sua ex terminou chorando a relação, tava ele lá coçando o saco arrependido.