quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Enquanto não estamos nus


Tira logo essa roupa pra gente ficar séculos dentro desse quarto. Você sabe bem que depois vamos parar em algum canto arriscado do país, em alguma praça, só pra dar chance ao flagra em pleno surto. Olha pro espelho, olha pra mim, me dá sua calcinha. Olha o que a gente já aprontou só por essa noite. Seu corpo é a coisa mais importante da minha vida, até a gente gozar. Nossas fotos, nossos livros, nossos vídeos comprometedores, tudo deveria ser cuidadosamente envelopado e deixado no capacho de algum museu fodón metido a besta. Você topa? Vamos entronizar todo esse nosso talento (??) sob os lençóis aos cadernos de história. Criar uma nova seita que dure apenas uma única sexta. Encher a casa de mamíferos. Compartilhar manifestos ridículos como afirmar que desajustados de merda com suas carreiras brilhantes e seus terminhos em inglês deveriam deixar seus celulares caríssimos despencar no fundo de vasos sanitários todo final de semana. Ou que todos os branquelos com narrativa de comerciais de varejo na tevê por lei tivessem que tatuar alguma-coisa-vírgula-99 na bunda. Quem os levaria a sério? Quem nos levaria a sério? Quem se leva a sério? Monte esse quebra cabeça com peças como o meu nariz que, de tão branco, respira aliviado. É momento de ser franco. Pare de gritar. Porque enquanto seu choque é apaziguante, meu discurso segue eficientemente anafilático. Ignoro qualquer uma das metáforas bordadas ou coloridas ou pacifistas e trocaria todas as últimas frases desse tipo de discurso utópico por uma cerveja gelada. Tô com paciência pra regionalismos não. Você tá cansada de saber que as meninas malvadas são como anjos pra mim. Sacras. Meu porto seguro é saber que terei sempre uma manhã inteira pela frente pra acabar com a minha vida e o resto da minha biografia pra te fazer o bem. Quero um sítio onde o cheiro de chuva me ligue e o gelo jamais ouse acabar. Quero me livrar desse bando de verdades particulares que parecem ter vindo de um caderno sem linhas. Vem. Deixa eu embrulhar sua boceta para presente com a minha língua e, quem sabe, te explicar um pouco sobre o amor enquanto não estamos nus.

domingo, 19 de dezembro de 2010

O casamento

Casamento marcado, festa paga, convites entregues, tensão e nervosismo. Na véspera Rogério falava pelos cantos para quem quisesse ouvir, em tom de confidência pública, que a cerimônia reservaria uma grande surpresa. Falava e sorria com seu olhar claudicante. O emaranhado de tias suadas vacilava entre fofocas e otimismo desenfreado. Casar é como um batismo onde uma nova vida apaga seus pecados e transforma um menino, num homem e uma menina, numa respeitada senhora. Casar é um corredor da morte disfarçado de inebriante caminho dos sonhos. Casar é o maior ato revolucionário que alguém pode se autocometer.
Sob as veias inchadas de um retumbante sol nordestino em plena primavera, os convidados seguiam seus destinos de testemunha. Amaciavam suas bundas chatas em madeira nobre, numa simpática igreja católica degustada pelas intempéries desse senhor canalha chamado tempo. Senhoras gordas com seus braços de merendeira seguravam terços e lenços, apoiando-se sobre os bancos da frente. Uma quantidade avassaladora de pele e gordura pendia por baixo de seus ossos e balançava num ritmo próprio e frenético. Senhores com antitranspirantes vencidos e olhares de lobo, observavam pedófilicamente curvas de sobrinhas de pouca idade que corriam como gazelas, além de ancas de balzaquianas que, ano após ano, confirmavam seus desígnios de titias.
Foi apenas o padre terminar seu protocolo para o noivo retirar o trabuco de dentro de seu paletó. O calor estapafúrdio, o ineditismo daquela cena, o olhar incrédulo do chefe e padrinho do casamento de Rogério, a doce e calma certeza de que tudo terminaria ali da noiva. Tudo foi cenário. Tudo foi lampejo. Tudo foi pouco, muito pouco pra conter a fúria daquele homem em desonra que, sem vacilar, lascou chumbo no próprio chefe, em sua agora mulher e em sua própria têmpora. Os três caíram inertes ali mesmo. O corno ainda resistiria até o dia seguinte, indo ter com o diabo somente no hospital. Seu casamento não teve chuva de arroz. Não deu nem tempo de beijar a mulher que, impassível, morreu sorrindo deitada no chão e assim ficou até a perícia chegar, observada pela imagem de um santo. Seu sonho sempre fora casar-se na igreja. Ao seu lado, o marido e seu chefe, sua grande paixão, jaziam com ela. Seus fluídos uniam-se numa grande poça de sangue que, lentamente misturada, era quase um deboche a tudo que nunca poderia ter ficado junto.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Aclive


Dançou em si,
feito valsa só,
que de lá sorri.
Parei pra ver enfim,
seu colo marfim,
seu desejo de querer
ser em mim.
Pronto,
somos todos pranto,
pontos.
Correndo e querendo
mais velocidade.
Mais alarde.
Mais partes
que sejam assim.
Que pulsem vida,
que liguem o foda-se
e salvem meu dia
como você,
tão tola,
sabe direitinho
como fazer.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poema rouco

Tô aqui livre
com tudo que ser livre
quer dizer.
Tô aqui solto
e Santo
como sei que posso
ser.
Tudo que nem sempre
pode ser visto de perto
é tudo o que preciso
fazer.
São mais claras
as idéias raras,
as pessoas que de cara
são tão fodidas como antes
ninguém parecia
ser.
Assim posso
sentir meu trajeto
mais real,
sem essa
falsa espiral
que me afogava em vergonha
por ser tão louco
quanto pareço
ser.
Minhas idéias
valem muito mais
do que você pode
pagar.
Sua angústia é saber
que sou uma doce bomba
prestes a explodir esse seu mundo
cheio de paz e ordem.
Quem te ensinou a ser assim
não te ensinou a ser são.
Quem nos ensinou isso?
Pode chorar,
porque faz parte
da minha loucura
comemorar
minhas derrotas
como as maiores vitórias
desse mundo.
Cheira um pouco
de mim,
mas não suga
meu pescoço.
Essas cervejas geladas,
já sabem bem,
no mangue,
são tudo o que se pode querer
antes do almoço.
Se ainda te quero
bem.