domingo, 26 de julho de 2009

Duas vezes Fitz

E dentro de minhas mais inocentes previsões, nunca imaginaria triunfar de forma tão melancólica. Já afastado de meus pensamentos mais perigosos, pude refletir o quanto temi que tudo acabasse resumindo-se a isso. Agora estava ali só, banhado em confiança, mas sofrendo inclusive por saber que este sentimento a cada minuto dissipar-se-ia mais um pouco. Bastava uma volta ao quarteirão ou uma ida ao pub da esquina pra aquela certeza me invadir cada vez mais. 1- Em Nova York não existiam mais novayorquinos 2- Aquela adorável menina mimada, jamais seria minha novamente.
Após o terceiro gole de uma cerveja densa, quase doce, comecei a achar as mesmas respostas fáceis que me trouxeram até aqui. Ficava imaginando se realmente seria feliz casando-me com Elisa. Aquela filha de um Juiz da suprema corte tinha traços demasiadamente parecidos com os de Zelda, grande paixão de Fitzgerald. Seria assustador se as coincidências não parassem por aí e pudesse concluir que em alguns anos, seu destino também fosse morrer queimada em um sanatório em chamas.
O irlandês que sempre me servia objetivamente, tinha cabelos cor de fogo e sardas que de forma quase simétrica, cobriam cada centímetro de seu rosto enrugado. Devia ter seus quarenta anos, mas uma viagem de barco até a América e algumas daquelas histórias que ouvia de soslaio enquanto gargalhava com meia dúzia de protestantes do outro lado do balcão, certamente ofereciam méritos a sua expressão envelhecida.
O frio do outono seguia agradável e convidativo a um passeio sem destino pelas ruas de Chelsea. Já cogitava sair dali pra sempre e a cada esquina que dobrava, marchava em uma lúgubre e silenciosa despedida. Ao passar por um café na 8th observei um casal sentado à varanda. O clima aquela altura de novembro ainda possibilitava programas como este. A garota chorava enquanto um rapaz grande e engomado, parecia mais preocupado em não chamar a atenção de outras mesas do que entender os desprazeres de sua triste companheira. Subitamente num gesto seco e rápido, puxou algumas notas, acenou para o rapaz que os servira e deixou-as em cima da mesa. Foi embora sem olhar pra trás. A garota continuou chorando e quando se levantou um pouco mais para limpar o restante de suas lágrimas insistentes, pude perceber um delicado rosto avermelhado. Sentia-me como ela. No fundo sabia que ela estava bem. Sentia-me provido, mas sozinho. Não tinha tempo para sofrer por orgulhos menores como o de ser deixado só num café, mas a falta de previsão no futuro acelerava meu coração. Segui até sua mesa levando um mínimo de coragem e toda minha forma desafortunada de enxergar o mundo.
Horas depois, preparando-me para ir embora de seu apartamento, observei na mesa da cozinha um livro. Ao levá-lo até minhas mãos percebi que a senhorita estava lendo a grande voz da geração dos anos 20. Minha espinha gelou-se. Era a segunda coincidência com Fitzgerald em meu dia. Voltei ao quarto e perguntei sobre sua opinião em relação a Amory. Gostei de sua quase confissão em achá-lo adorável. No fundo todos aqueles seus erros eram mais um espelho do que um convite a uma geração. Saí dali com o cheiro de seu sexo impregnado em meu corpo. Levava os dedos até o nariz e inspirava minha pele como um lobo fareja sua presa. Era uma espécie de batismo. Passo a passo chegava a novas conclusões, escrevia novos livros, novos adendos. Ao perceber toda fragilidade daquela mulher que, deixada em má situação por seu homem, entregou-se e ofereceu seu corpo, suas idéias e seus segredos a um passante, acabei fulminado por um novo entendimento sobre a beleza das mulheres. Entendi porque todas as minhas mais brilhantes formulações intelectuais cairiam sempre por terra defronte a sua falta de lógica e abundância em loucura e sentimentalismo. Para ser livre, bastava-se nascer mulher. Todas as suas angústias celebrariam minha inferioridade como homem. Segui almejando suas carnes. Elas, meu espírito.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Press fail

Meus lábios levemente roxos e você aí com esses olhos gigantescos olhando-me de soslaio. Fingindo uma naturalidade que de cara soube que jamais conseguiria ter, enche-me de culpa por estar na terceira taça e você, na segunda garrafinha d`àgua. Dentro dessa sua lucidez fascinante uma suposta postura superior soaria clichê. Ainda bem que passa longe disso. Sente-se segura, sabe o que quer, só esqueceu de avisar pra todas as dúvidas que pipocam dentro da sua cabeça. Por fora é seu novo corte que sei, nem imagino que tenha custado tão caro, parece ter sido feito sob medida pra nossa cena. Se metade das meninas hypadas do Rio estão iguais, a gente abafa. Óbvio que não importa. Mas não poso de dono da situação mesmo sabendo que é exatamente isso que você quer. Dentro da sua delicadeza meio desleixada, desse seu otimismo desconfiado, você quer proteção. Penso nisso muito menos como uma Mãe Dinah, ávido por um acerto, muito mais como uma suposição que me agrada. Se minha maturidade assombra-me aos 30, topo essa vontade de virar seu homem de verdade. Cansei de ouvir rádio há tempos. De tudo que já tô farto, talvez saber que a sinceridade ainda seja o que mais escandaliza as pessoas é o que mais fica confortável nas minhas idéias. Essa vontade de descobrir seu corpo de outra forma saliva meus pensamentos. Será que você vai me decepcionar daqui há pouco, quando cismar que seu sexo deveria coreografar meu orgasmo? Não. Do jeito que anulou a capacidade crítica de meus olhos, sua vingança é saber que me apaixonaria até por uma foda mal dada. Tudo um tanto chato, um tanto típico. Como já não ter a menor condição de ostentar uma postura melosa e romântica. Sei que esse ponto fraco me fragiliza e chega a ironizar meu papinho badass de adulto. Mas se o que sei é que aceito a condição de te perder só pela chance de fazer você sorrir como ninguém conseguiu, já tracei meu caminho. Agora esse barulho de taça no chão ganha status de nosso start. Começamos a nos perder aqui, desde o início. A gente sabe disso mas ri dessa farsa. Ninguém aqui tá interessado agora, em saber como vai ser o fim.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Por toda essa nossa falta de heróis

Depois de alguns dias sem comer, sabia que não poderia atacar aquele prato como o pescoço de uma adúltera. Teria que conquistá-lo aos poucos, quase enganando seu estômago para que pudesse engolir sem grandes consequências, alguns nacos do que havia espalhado pela mesa. Seus dentes estavam moles, suas gengivas sangravam e seus olhos ardiam. Sua pele seca, sem tatuagens, opaca e sem cor, conversava com cada olhar que mirasse ali. Dava respostas confirmando "sim, sou um pária" ou "sim, estou morto". Este último, quando resolvia estar de bom humor. Um maço de papel amassado no bolso trazia uns insights, algumas tentativas ridículas de poesia, o telefone de dois corajosos exemplares do sexo feminino. O rádio alertava em seu bom humor popularesco, convocando atenção a mais um assunto sensacionalista. Depois acalmava em músicas. Pedaços de frios ao chão eram observados a distância pelas baratas e suas antenas, que diziam umas às outras atrás das paredes "Que delícia. Uma verdadeira delícia". Era tudo pelúcia em uma mente confusa e infantil que acabara de acordar. Era tudo sonho em sua boca morta que mastigava, lasciva, redimindo-se do passado. Hoje era dia de dar um pouco de sentido as coisas. Um pouco de ordem. Era dia de atitudes afirmativas. Dignas de um homem. Dia de ir a locadora e alugar um filme de guerra sem perguntar a opinião da mulher, nem escovar os dentes. Preferiu ir voando. Foda-se a discrição. Pousou na esquina e ficou olhando a vitrine com um bando de filmes velhos novos, com o rosto colado na calçada. Seus superpoderes foram logo percebidos por uma criança, que perguntava para uma babá perplexa sobre o significado daquele líquido vermelho saindo de sua cabeça amassada.