sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O maratonista

Enquanto corria a igreja ficava um pouco maior lá no horizonte. Era parecida com meus pecados, que dia após dia insistiam em não diminuir. As pedrinhas faziam cama pra uma cançao que só em minha cabeça faria sentido. Rimavam de forma desconcertante com aquele cheiro ainda vivo sobre meus pulsos, minha nuca e principalmente acolchoado em minhas mãos. Meus dedos agora escoravam o capim ao longo da estrada e espantavam mosquitos moribundos, sossegados pela manhã daquele pedaço de vida quase rural. A corrente de prata em meu pescoço flutuava, em uma dança coreografada e banhada em luz, com uma cruz agora não mais prostada em meu peito solitário e pouco solidário. A poeira subia abafada pelo frio entrecortado por rajadas de vento quente. Umidade aparente em suor, empapando minha blusa de algodão cru. Sozinho estava agora, como sozinho estive nos braços dela. Já ofegante avistei as escadas do casebre de madeira marcada pelo tempo. Sem tomar fôlego subi de mãos dadas ao ranger de tábuas inconscientes. Precisava perdir perdão ali. Deus saberia como aconselhar minhas desgraças. Tínhamos esse trato. E por isso eu corria. E corri até a velha igreja e caminharia com um sorriso estampado após pedir sua benção. O espírito santo que desse um jeito no peso dos meus erros. Porque aquele cheiro doce logo deixaria minha pele sossegada e minha cabeça em paz.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Pacheco Leão

Meus sonhos subiram pela janela e sumiram num céu azul, que de tão azul, pediu proteção pra mim enquanto a praia não chega. Minha felicidade morando logo ali depois do túnel, ainda vive insistindo em abrir as portas pra nós. Da janela sigo vendo minha vida lá fora, me assistindo aqui de dentro. Me lembro do dia onde não existiam dias futuros e sinto falta de você me dando direção. Nosso colchão clareia com a luz da rua, do alto de todo tempo que não permite aos nossos pés alcançar o chão. Procurando um samba pra gente ir, toco meu barulho em cada absurdo que sua careta de menina me engole em outro não. Fica pra depois outra nova discussão. Fica pra agora mais um tempo de folia, entre nossos olhos que correm pela casa toda armando sua brincadeira de carnaval. Do nosso corpo sai confete. Do que achamos certo, tiramos o suor desse nosso bloco. Tiramos ele do dia que nem combinamos que depois seria assim, infinito.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Balada de um quase escritor

E por não saber palavras em música, guardo espaço pras minhas letras livres. Despertas ao colocar pra fora essas sensações. Então surgem canções que se expressam com papel, feitas pra se cantar em olhos famintos. O que faço te homenageia, quando já nasce bonito. Se surgem as palavras tristes, são vírgulas. São pausas. São apenas parágrafos, que convidam um mundo novo a um novo bloco de idéias. Escrevo em sintonia com meu peito, nada, nada em vão. Se tomo isso como sagrado, meu relicário é minha estante. Cheia de espaços pra novas rezas. Com minha religião tão pouco rígida, essa postura faz-se em convite ao novo. Quando escrevo pra você é pensando em palavras sem rimas. Canto cada frase com um ritmo próprio.Teu sorriso de criança me responde como encanto e faz melodia. Não preciso de um samba, pra sagrar-te santa. Quero-te em lama, quase meretriz. Não preciso de banda, candomblé, batuque, nem ciranda. Preciso de vento na cara. Preciso de Copacabana. De um profano espaço de apoio, papel e paixão. E assim, quase sem graça, apresento meu mundo. Me escrevo em convite, quase dedo em riste, de uma Tijuca que insiste: não te quer triste. Pra variar subvertendo verbos, com cismas, com manias. Sentindo em nós toda essa falta de razão que só confirma. São respostas à tudo aquilo que nem precisaríamos provar ainda.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Papo reto

Não era você que estava querendo tanto um pouco mais de responsabilidade? Uma coisa menos beginner que um bichano pra cuidar ou aquelas aulas de trompete que mais faltava do que outra coisa? Agora fica aí se esquivando entre o teto cheio de teias de aranha e o pôster clichezão do Warhol. Clichezão. Taí o seu problema. De repente esse lance de insistir em andar com a coleção retrô que deixa seu profile mais parecendo o de um hype afetado que assaltou o armário dos avós, anda atrasando sua capacidade de raciocinar. Não dá pra negar que essa voz que bagunça seu oco, já cansou de guiar suas paranóias mais cruas e assar suas batatas mais quentes. Quando o peito te deixa tão cansado a ponto de mijar com a bunda na privada, seu relógio tá atrasado e seu tempo já acabou: se manda.
No bar a maneira que apoia os cotovelos no balcão não inspira uma dose de malte, mais parece pedir um copo de achocolatado. Sendo assim é melhor partir e passear com o vento esnobe que sopra quando bem entende, não liga a mínima pra você. No café da esquina mais um jornal e motivos para comprar revistas que não deixam colocar em prática esse seu discurso anticonsumo de quinta. Uma gostosa lendo algo inútil só serve pra trazer a lembrança de outro pé na bunda, até o delay em sua cabeça cansada, lembrar que foi justamente você que abandonou sua última namorada. Com esse estímulo torpe fica fácil arcar com suas atitudes mais vis. Elas são coerentes com seu jeito vazio de ser. Não é nada bonito ficar tomando tantas decisões ruins em sequência. Tá na hora de buscar um pouco de inocência nessa sua atitude punk.
Na falta de um motivo pra pegar o carro, fico entre o alivio do metrô e o asco de um ônibus lotado. Vou a pé com você, pregando em sua cabeça a necessidade de uma nova ida a farmácia. É preciso comprar analgésicos e olhar com certa graça pra camisinhas que, contrariando sua lógica contraceptiva, reproduzem-se nas gôndolas, cada vez mais coloridas e com promessas diversas ao literal gosto da freguesa. Coisas que não servem pra quem usa aquilo que você chama de cuecas, velhos panos que ao menos não me envergonham a ponto de inventarem algo diferente do estilo boxer.
Na portaria, outra gostosa, pra variar acompanhada. Mas já não adianta dizer que seu par é um cachorro, uma ótima forma de puxar conversa. As frases que pipocam em sua saliva seca não empolgam com esse frágil "boa tarde", que mais parece um fim do dia. Ela sorri mesmo assim e insiste em lembrar sua vaidade que elas estao aí e sim, mesmo com essa sua mania de querer sempre enxergar o que nem eu vejo, querem trepar contigo ou quem sabe viajar pra dentro desse seu mundo vazio.
Ao final do corredor não temos mais tempo pra monólogos. Não tem jeito, acabou de me ver. Não vá dar uma de covarde agora. Sou eu mesmo, mas esse soco seco me transforma em um abstrato espelho quebrado. Teu sangue respinga em meus percalços pontiagudos e desce como melado, de forma serena. Serve direitinho pras conclusões desse nosso papo reto. Pelo menos ao que parece você está vivo, cara.