terça-feira, 27 de janeiro de 2009

302

quando falta luz vejo mais
vejo traços que quase me desimportam
em outros momentos
enxergo seu cheiro melhor
agora

sem brilho só a noite existe
em nós nosso choro insiste
é pós carne nosso sono forte
depois do amor

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Nossa sorte

Hoje quero me libertar de todo mal que pude lhe causar. Quero uma bebida quente, voltar praquilo tudo que há muito não se fazia presente, minha cama desarrumada e às novas mesmas reclamações de sempre.
Hoje já posso conseguir não te magoar, se minhas atitudes, desvencilhadas das suas, andam em sentido próprio. Consigo até encontrar algum tipo de ternura perdida em mim, distante da artificialidade ingênua que um pensar por dois propõe.
Hoje já não sinto a mesma raiva de seus ex-namorados ou de cada um desses idiotas de sorte que rondaram seus lábios, apesar de ainda me achar melhor que todos eles juntos. Entre o que perco e o que fica, me faz bem cada uma da maioria esmagadora de coisas que me orgulham em você.
Hoje preciso respirar cada minuto que tiver da minha individualidade de volta, preciso comemorar minha forma de enxergar o mundo, graciosamente diferente da sua. Posso fazer o que quiser do meu dia e dar uma trégua pra todos os jogos de guerra que o amor oferece em um tolo exagero.
Hoje quero que você esteja bem e onde quer que isso seja, só esteja pensando em mim se isso for te fazer algum bem. Minha distância é todo esse amor imenso que sinto por você.
Amanhã, quando
tudo isso ainda fizer sentido, vou correr contra esse gosto de vilão que permaneceu em minha boca. Vou te beijar ainda mais forte. E posto que minha certeza em nós é clara, não vou sofrer nem ter medo da nossa sorte.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Caixa postal

Peixoto já não usava relógio há tempos, mas naquele mês de dezembro resolvera abandonar o celular também. Aquele aparelhinho invasivo era sua conexão com o mundo desde a perda do tal relógio de pulso. Sempre tivera certo asco pela capacidade degenerativa que a telefonia móvel impunha as relações. Tudo ganhara uma velocidade errada com o advento. Se a capacidade comercial valorizou o aparelho, fazendo os negócios fluirem na velocidade de um toque, as relações pessoais se empobreceram. Rapidez realmente não valia pra tudo.
Já próximo ao final da primeira semana do experimento, mal desceu pra comprar o pão do dia e um descontente já sinalizava seu rompimento com o mundo, "Cadê você cara? Tá sem celular?". Era como se o que mais importasse fosse seu nokia e não sua presença física ali. Foi ganhando esporros variados durante o dia e eles continuariam por todo mês. Mesmo assim vibrava com o sumiço da reacionária indagação "Onde é que você tá?", que surgia geralmente após cada nova vibrada do celular. Qualquer pessoa, não importa o nível de intimidade, parecia ganhar cancha pra pronunciar a frase, tão logo se atendesse o aparelho. Se não fosse no início da conversa, era garantido ouvi-la ao se despedir de qualquer papo, por mais simples que fosse.
Seu namoro ainda conseguiu resistir 17 dias. Dos amigos, apenas aqueles verdadeiros, para os quais o celular não servia pra quase nada, exceto o necessário, sobraram. Juntou 3 deles num botequim e foi duramente sentenciado, "Peixoto, ou você liga seu aparelho ou o negócio vai ficar feio pra você".
Chegou em casa meio chocado, sentia que aquela não era sua época. Até seus amigos de fé, do tempo em que a internet nem existia, estavam contra ele. Com os olhos marejados e um sentimento de derrota no peito, resolveu plugar seu algoz na tomada. Eram quase 300 ligações perdidas, 100 mensagens de texto pra ler e mais de 40 mensagens de voz pedindo atenção na telinha iluminada. Ouvindo os recados naquela madrugada, entre as dezenas de vozes com argumentos perecíveis e bizarros, descobriu que perdera sua mulher por causa de uma bateria descarregada e sete oportunidades de ouvir sua mãe reclamando dos mesmos assuntos de sempre.