segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

E pronto

Ontem acordei bebendo uma garrafa e escrevi uma bossa. Ontem fiz questão de esquecer todo esse mal que enche o saco daquelas minhas idéias mais divertidas. Entre amigos fico tranqüilo, mais fácil espantar essas nuvenzinhas pretas que molham a cabeça de quem insiste em enfrentar toda chuva que desaba por algum dos motivos que trazem você até aqui. Ontem deixei de lado alguns compromissos pra ficar literalmente de bobeira. Botei o pé na areia e escutei uns graves em plena praia. Observando pessoas reconheci que como todo mundo, julgo errado pra caramba. Entrei num ônibus desses que promovem noitadas e dancei com um tamborim na mão. Resolvi que não tenho a menor intenção de ter compromisso com o que os outros pensam sobre meu jeito de escrever. Não, não é hora de pensar num livro. Tenho romances demais pra trilhar a cada dia que boto o pé pra fora de casa. Ontem conheci pessoas num supermercado. Eu comprando cerveja e elas querendo prosecco. Percebi que essa neurose sobre a violência é muito mais fruto da paranóia coletiva. Óbvio. Dá pra fazer amigos ou amigas nos lugares mais inesperados. Mas talvez eu já tenha amigos demais. Resolvi que hoje pode ser melhor quando deixamos de lado o peso de carregar decisões que não nos cabem. Tem coisa que não foi feita pra a gente decidir e pronto. Ontem poderia ser mais um dia com você. Ao invés disso, fiquei mais um dia sem te ter.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Murphy

Ainda te olho e não consigo ficar indiferente a todo estilo que insiste em compilar e desfilar como ninguém. É estranho, mas já não sofro por você. O engraçado é que nunca sofri de verdade, foi mais um sentimento meio forte que ficou de birra com meu peito. Se eu nunca te tive, não é muito normal achar que te perdi. Inclusive já consigo ficar na boa sem muitos olhares de rabo de olho nestas festas ou noitadas que a gente insiste em se esbarrar. Até porque antes eram tantos olhares que geralmente a ressaca da manhã seguinte dava as mãos a uma puta dor de pescoço na minha cama. Sobre outras partes de meu corpo, só posso dizer que a barriga cresceu de forma humilhante. Acho que pra aturar esse monte de futilidade que anda rodeando minha órbita é preciso beber mais. Juro que ainda lembro daquele tempo em que alternava meus copos coloridos com doses de água. Cê sabe né, bebida incha. Eu até tento articular que homem que é homem não pode pensar em passar dos trinta sem barriga sob o risco de se descobrir boilola. Mas a verdade é que o papo dos boilolas nem tem me irritado tanto ultimamente e posso confessar que gostaria de ter o corpo que eles têm. Pelo menos comeria mais mulheres assim.
Ah...quer saber uma novidade? Outro dia cheguei à conclusão que você nem é tão bonita, apesar de te achar tão linda. Mas não é lá nenhuma tese que vá mudar o nosso mundo. Porra, se qualquer pessoa pensar um pouquinho verá que existe tanta, mas tanta coisa que pode deixar alguém fechadinho em nosso número, que beleza passa a não sustentar quase argumento nenhum. Tudo bem que o meu pau não entende isso muito bem e anda fazendo o trabalho dele de forma absurdamente bem disposta com as belas. Nova ironia: justo agora que meu desempenho sexual está numa fase digna de presentear uma pessoa que eu ame, não encontro ninguém com capacidade de me deixar mal ou fazer-me entrar numa leve deprê ao menor sinal de certa falta de interesse. Olha, até já o achei engraçado, mas a verdade é que pra mim hoje Murphy não passa de um filha da puta.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Folia

Sinto raiva. Inclusive uma raiva bem definida. De toda essa gentinha que é boa demais pra demonstrar raiva.
Fique aí com toda sua pose, toda sua sensibilidade aflorada e imaturidade que faz essa insegurança, que já achei sexy, tornar-se irritante. Fique com os presentes que lhe dei ou cogitei dar e toda poesia que já pensei em te oferecer. Fique com um pedaço de meu coração também. Ou ele inteiro. Se vira. Até porque o problema é seu, já que entrou numa de maltratar o pobre coitado (mesmo talvez não sabendo). Segura a onda. Leve pra casa. Ou jogue fora como tudo que exala vida e por isso é denso demais pra você suportar. Fique nesse teu mundinho de mentira, de faz de conta. Cansei. Que você é interessante pra caralho eu já sei de cor, mas se faz tanta questão de esconder isso, de mutilar o seu melhor, que se foda. Não é nem papo de a fila andar não, é mais um lance de busca mesmo, de procurar me resolver. Um tête-à-tête que rola entre eu, o que sinto vontade e o que posso fazer. No seu caso, nada. Já deu. Seria no mínimo constrangedor insistir nisso agora. Obsoleto. Pode parar de surpresa, festinha, ceninha. Deu. E tô tão tranqüilo e infalível em relação a isso que nem me dou o trabalho de procurar um sinônimo estiloso ou que se encaixe liricamente no que sinto. Prefiro falar na lata que tô é com raiva. Puto. Mas com o coração em pedaços...sim. True. Parabéns pra você. Comemora aí toda tua indiferença, todo esse olhar blasé pra vida que pulsa e é tão urgente dentro de mim. Poderia realmente ter amado você. Tchau.
Nessa sua acidez polvilho açúcar. Tua ironia saiu de moda aqui no meu peito. Eu quero é folia.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

Trainspotting

“É uma noite terrível, sombria. Nuvens carregadas pairam lentamente; aguardam o momento de vomitar sua carga obscura sobre os cidadãos confusos, pela enésima vez desde que raiou o dia.”

Fecho o livro ali. Olho mais uma vez a cara de Irvine Welsh na orelha. Cara de babaca. Parece a sina de britânico, ter cara de babaca. Cheiro uma quantidade abissal de cocaína batida mal e parcamente por cima da capa. Acho que ninguém viu, mas não ligo muito pra isso. Não é comum as pessoas se preocuparem umas com as outras naquela altura da madrugada. O vai e vem do trem somado ao verniz localizado nos tipos do título na capa do livro atrapalham um pouco as coisas. Alguns jovens empolgados entram no trem falando alto. Sempre coloridos. Sempre indo ou voltando de uma rave. Nunca dá pra saber. Sempre com alguma droga nova na cabeça e aroma de sexo exalando alto pelas axilas, nucas e pernas, que estão sempre abertas. Libido que faz minha cabeça ventilar, enterrando-me ainda mais em toda podridão que alguns pensamentos acabam por desaguar, com idéias que um trem sujo escocês insistentemente realça. Idéias prontas a maltratar qualquer um, só pelo fato de se estar vivo. A euforia do pó colombiano trazido do Brasil faz por instantes, pasmem, minha cabeça lembrar de coisas boas como a bela bochecha rosada de Elaine. Olho pro nada e percebo uma moça vindo em minha direção meio desfocadamente. Começamos a conversar. Ela ganha pontos. Acho-a no mínimo corajosa por tomar essa atitude. Está bronzeada e fala coisas bonitas. Diz-se atriz e escritora, está com uns papéis coloridos na mão com algumas baboseiras pueris escritas e uma garrafa de vinho dentro de um saco plástico. Quer me vender algo. Acabou de chegar da América do Sul, por isso a pele queimada. Divido uns goles com ela, mas me recuso a ler seus poemas. Não dá pra ler nada escrito num papel colorido. Papéis coloridos cortam minha onda. Nos despedimos e desço perto da praça do hotel. Deixo meu livro com ela de presente, tava a fim de me livrar daquele monte de merda mesmo. Ela corre e pergunta pra mim da janela, antes do trem voltar a andar, se eu acredito no amor. Enfio as mãos no bolso pra fugir do frio e balanço a cabeça para os lados demonstrando que minha resposta é um sonoro não. Comigo mesmo, sei que é só minha veia amarga manifestando-se. Vou descendo as escadas da estação e chuto uma ou duas latinhas de cerveja antes de pousar meu allstar surrado na calçada úmida. Enquanto escarro num poste, penso sobre a verdade: até acredito. Mas é foda. Acho chato pra caralho falar de amor.

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Sobre probabilidades

Como é foda poder ser ligeiramente ácido contigo e não sofrer as conseqüências sacais que uma suposta relação entre nós mais íntima traria. Esse sabor delicioso de poder ser franco com você (e não grosseiro, como infantilmente considera) me deixa nas nuvens. Não que eu me importe, pois já se foi o tempo em que isso ferrava meu dia. Aliás, nem sei bem se a expressão “nas nuvens” significa algo além do simples fato de flutuar de leveza quando ajo assim. Ser franco tem dessas coisas. É bom gritar sem expelir nenhum decibel sequer, um foda-se em caixa alta pra todo tipo de frescura sua. Juro que não faço isso por motivações pequenas ou algum tipo de recalque. A propósito: é até bom pra você, acredite. Ainda te acho linda e inteligente. Ok, menos do que quando estava contigo (atire a primeira pedra quem nunca flertou com o eufemismo). Acho sexy esse seu jeito contraditório também, mas percebo nem ser culpa sua isso tudo e sim do meu amadurecimento que trouxe de bandeja a calvície indecente que ando trajando, além da completa falta de saco pra ser diplomático. Chega uma hora na vida em que não há mais porquê um homem fazer sala . E aí você vira um fingido ou um insuportável (que fique claro que educação passa ao largo do assunto). Eu prefiro que ninguém me suporte. Já basta ter a idade que tenho e nem imaginar uma previsão pra começar a fazer os cinco filhos que minha família Claybon conservadora e preocupada com a violência vai ter. Pelo menos não me iludo achando que vou virar um guardião da moral. Tô mais pra virar um Hunter Thompson que abandonou a literatura, completamente careta e sem bagos pra cometer suicídio. Ou, reviravoltas da vida, acabar abrindo um boteco em Goa e morrer sem espaço no corpo disponível para mais tattoos, antes dos cinqüenta.
Lembra quando fui te levar no aeroporto naquela intempestiva ida à Itália? Aquele olhar que você fez ao entrar no check-in costumava diluir toda essa minha suposta capa ranzinza. Se foi verdadeiro valeu a pena. Tenho certeza que foi. Mas hoje não trocaria uma piada, uma constatação ou dizer o que penso, por nada neste mundo. Acho que você pode suportar bem isso. A gente nunca teria dado certo mesmo.

sábado, 16 de setembro de 2006

Shakespeare and Company

São livros entulhados até o teto em estantes de madeira escura, pela imaginação que uma foto antiga nos faz crer. Mobílias cuidadosamente espalhadas por um espaço relativamente ralo. Belamente povoado por excitantes calhamaços, pedaços de letras, quem sabe partes até de histórias inacabadas ou ocultas, pelo chão. Uma mesa redonda, esta sim, indiscutivelmente negra, serve de pousada para cotovelos de notáveis anônimos ou não, que divagam sobre poesia, literatura ou assuntos corriqueiros trajando uma vã contemporaneidade. Sinto-me como um boxeador, poeta, imerso em uma grosseria estúpida que vez ou outra faz aflorar belas palavras. Sim, em certos momentos belas palavras. Mas penso no bigode manchado de cigarro de uma intragável visita não convidada em um café e reflito se realmente é possível obtermos escolha quando palavras são tão violentamente regurgitadas, como a vontade de achincalhar um fanfarrão. Essa pobreza que me consome e tira-me o sono, enriquece minhas vielas e minhas noites de livro, com luzes de luminária em meu quarto grátis. Ainda grátis. Questionam-me sobre carreira, contas e dívidas. Questionam-me sobre meu diploma, meus objetivos e meus sonhos. Porém muitas vezes não querem nem realmente ouvir minhas idéias. Verdadeiramente não. Dá-me sono a cambada de excêntricos chatos que povoam essas mazelas diárias de falta de lirismo. Mas tudo melhora quando ainda vejo em mim o tal boxeador poeta. Sou um pouco fruto dessas marcas em meu rosto, em meus punhos. Sou minhas histórias, minhas mentiras e minhas paixões inventadas. Sou eu numa cama amarrada. Sou eu querendo surrar e querendo editar calhamaços. Sou eu insistindo em ser condizente com minha linguagem pouco compreendida e muito julgada. Poderia ser eu ali, entre Joyce, Sylvia Beach e Monnier. Falando um francês terceiro-mundista e talvez sendo alvo de olhares exóticos preconceituosos. Ou possuindo um malte em mãos e organizando uma ingênua aventura em alguma das reuniões que povoam minha cabeça cheia de idéias e festas bobas. Quando penso em Hem lamentando o enforcamento de um conhecido pintor em alusão a metáfora das sementes, pergunto-me porquê esse caminho também ele escolheu. Covarde, preferiu uma espingarda. Mais rápida. Escritores são os seres corajosos mais covardes que conheço. Sempre prontos a inundar um papel de letras alinhadas a todo tipo de crítica ou em demasiado estreitamento com seu próprio umbigo, ávidos por belos elogios. Volto a divagar pelos livros e chego a sentir o fedor de Ford Madox Ford ao meu lado. Por instantes sinto-me ali, procurando talvez uma légitime ou régulière que me faça ter a mesma vontade de partir para casa antes da noite virar sol. Sigo dando leves goles pra esquecer que não existe pecado em se punir por vontade de fazer poesia pra quantas luas puderem existir, por mais bela que cada uma delas possa parecer. Que não se ouse instigar uma suposta proibição de olhar o luar. Pra isso já basta o cretinismo que há de se conviver e compartilhar com quem quer que seja. Volto-me novamente para a foto. Penso em como poderia olhar e imaginar-me ali por horas a fio. Eu e meu traje surrado e amassado em frente a Shakespeare and Company. Provavelmente expatriado.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Cinema

Atravessando ruas buscava uma história, mas pairava seus brancos de recesso lírico em calçadas estreitas, vitrines alouradas, bares estranhamente limpos demais e música. Para os sons que colhia, necessário seria debate-los só. Monólogos independentes de toda aquela cena organizada. Tamanha complexidade das melodias que juntavam-se uma a uma sem permissão, mas com propriedade e elegância. Rostos eram molduras pálidas de leste europeu ou rosadas e felizes como infâncias de berço. Podiam ser irônicas como as putas inseguras, negras como um Zimbábue livre ou maquiadas num estilo mambembe de circo. Obviamente existiam aquelas frontes sujas de variados pós, fuligem e até mesmo alguns retalhos feitos por armas brancas. Uma infinidade de esboços vivos de emoções estampadas em pele remexida. Dava até vontade de colecioná-las em fotos, montando uma exposição de quadros presos nas paredes de uma mente branda qualquer cheia de lamúrias. Cheiros eram protagonistas de sensações e universos que surgiam e desapareciam conforme a visão. Solitárias flagrâncias da cidade. Aquela cena urbana soava a natureza morta, mas letreiros e sinais de trânsito faziam tudo voltar à vida. Facas e pólvoras com fogo disputando espaço com damas, senhores empresários e aposentados acovardados em ares de abandono. Bancos. Espaços perseguidos pelo cansaço do viajante, pelo questionamento do passante. Mendigos como fauna. Origem brutal que diferencia espécies. Flora composta por canteiros, jornais, folhas secas e marquises infiltradas de concreto e vida. Apenas ruas de um centro latinoamericano sitiado numa cidade com stencils clamando por um Spike Lee menos racista, mas fascinantemente bairrista. Pombos e trocos e tudo que irrita fazendo pirraça na chuva que deságua em rios, em bueiros. Esgoto de grana que circula por cada idéia genial inspiradora, boa de firmar nova prosa em cerveja gelada. Balcões riscados por olhares mestiços de luta. Suores de pano sujo, de costura humilde. Sapatos caros travando pernas de músculos caídos. Risadas ecoando sem trazer malditas histórias. Nada traria. Nem atravessar malditas avenidas todo dia. Nada traria.

sábado, 12 de agosto de 2006

Um lixo

Outro dia acordei na escada. Tinha mijado a porra do corredor todo. Shot de tequila barata dá nisso. Dá merda. Qualquer dia vão me expulsar do prédio. Não consegui abrir a porra da porta. A tal porta de madeira deve pesar uns cem quilos. Fechadura complicada demais pra uma vida complicada de merda. Fechadura de merda. Só lembro disso. Depois acordei na cama. Minha mãe deve ter acordado pro jogging e me levado até lá. É uma santa. Graças a Deus. Deve ser o tal karma, anjo ou sei lá que porra, que protege os bêbados. Fiquei o dia inteiro fudido. Quase saí do escritório pra dormir na escada da merda do edifício em que trabalho. Só não fui por medo de apagar e acabar ficando lá até o segurança da noite me achar. Ficava olhando pra tela do computador e por várias vezes tive que segurar o rosto com as mãos pra poder não desabar. A estagiária que senta ao meu lado deve achar que eu sou um louco ou pervertido, sei lá. Só olho pra ela e dou sorrisos, olho pra ela e dou sorrisos. Quando não se tem nada pra dizer a gente sorri, ora. Merda. Gastei uma nota no táxi pra chegar não tão atrasado. Até agora não entendi esse meu pudor em querer evitar o atraso. Tinha um galo no bolso que acabei achando pela manhã. Dormi de calça jeans mais uma vez. Minha mãe realmente deve achar que sou maluco. Aliás ela tá puta da vida desde que acabei com minha rala poupança comprando o equipamento de vôo livre. Isso que ela nem sabe quanto paguei pelo curso. “Você tem trinta e dois anos, você tem trinta e dois anos”. Mas porra, aquilo não é como jogar um bolo de dinheiro em cima de uma mesa e dizer pro puto que vai te ensinar “quero voar”. É um lance muito maior. É espiritual. Foda-se, ela nunca vai entender mesmo. É como querer explicar o youtube pros coroas. Aliás outro dia puxei assunto com a tal vadia européia no MSN. A puta não me dá mais bola. Fiquei meio na merda por ela, admito. Mas antes ela achava meu Fusca verde style, minha prancha cheia de mossas linda, minha barriga charmosa. Ah, foda-se. Se bobear pra chupar minha pica de novo olhando-me de seu ray-ban gigante, com um copo de Mojito nas mãos, vai mandar eu fazer a barba. Essas putas sabem ser superficiais quando querem. Quem mandou ser linda também. Putz, isso devia ser proibido cara. Sinceramente. Tipo edição de Nitzsche vendida a 4,99 em jornaleiro. Um lixo.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Sobre sombras

Carente de língua, dor e falta de assunto. Tô afim de uma coberta, um DVD ruim que fica bom com você ao meu lado e planejar viagens de final de ano. Sinto falta de sentir falta de um cheiro. Qual é teu cheiro? Quero sentir medo de altura contigo. Medo de perder você também. Tô enjoado de carregar essa coragem chata que me deixa forte e só. Quero Radiohead alto. Preciso de uma cabeça cansada apoiada nesse meu ombro largo. Quero ter razão, mas discutir pra te ver com essa cara de puta que tanto me diverte. Olhar pro teto me sentindo só enquanto a porta nem sequer terminou de bater. Escutar seus passos vivos ecoando no corredor oco e seco, fazendo-me refletir pela milésima vez sobre a credibilidade de meu afeto fácil. Ciúmes. Preciso sentir ciúmes novamente pra azedar essas minhas noites estreladas de atrações artificiais tão doces. Sentir minhas veias se rasgando pelo ódio sufocado em ebulição a cada simples trejeito ou olhar que você disparar contra meu peito, certa, totalmente certa de estar me atingindo em cheio. Quero aquela espécie de paz alienada que só quem está tonto de amores é burro o bastante pra sentir. O tal azul, essa porra desse tal clima azul que tanto confabula e deixa belo, certos caminhos errantes. Peço novas decisões importantes. Daquelas que me façam pensar duas, três ou quatro vezes só pelas consequências que possam trazer pra você, que vacila na mesma proporção que encanta essas minhas páginas em branco. Quero sentir no carnaval aquela raiva de estar ao seu lado só de birra, porque não estar ali provavelmente tornar-me-ia o pior folião do mundo. Quero ficar em forma pra poder te comer melhor. Sentir nossa transa fluir e melhorar a cada cama nova, a cada noite nova. Quero achar graça de te achar linda, descabelada em manhãs cinzas de nossos neuróticos invernos ácidos. Preciso de outros livros que criem tempo só pra mim, por causa dessa porcaria de relação que acaba deixando todos meus segredos e segundos com algum tipo de subserviência aos seus relógios. Quero aquela independência, aquela alegria meio sinistra que faz crer que no fundo, no fundo, sou mesmo só eu e minhas idéias subversivas de canto de estante. Serei sempre eu e minhas olheiras. Eu e meus destinos tortos. Eu e minhas letras de Amarante. Saber que sou fraco pra cheiros novos. Mas isso tudo só enquanto você não vem, enquanto você não chega. Até porquê prossigo. Sigo observando da janela ondas quebrando sobre outras ondas. Espirrando espuma em cima de estrelas, conchas, pedrinhas e vácuos. Espirrando sobre sombras. Sobre minhas próprias sombras.

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Aqueles novos erros de sempre

Após a transa era sempre assim, levantava da cama ainda elétrico e ficava zanzando pela suíte com a respiração ofegante. Parecia terminar seu orgasmo ali em pé. Ela ficava quase morta, feliz, suada. Olhava pra ele com devoção cínica e aflorada. Ali sabia que o amava de verdade. Ali se sentia mulher de verdade. O sexo era algo sagrado pra eles. Um ritual travado entre dois amantes que se doavam sem trégua aos suores, reflexos, dores, prazeres e vicicitudes daquela sintonia fina de paixão em brasas.
Vai querer alguma coisa?
...
Observou-a já quase se entretendo em sonhos e desistiu de qualquer tentativa de perguntar algo mais. Acendendo um cigarro, teve dificuldade pra falar enquanto dava tragadas fortes, mas no outro lado da linha o funcionário do hotel conseguiu mesmo assim compreender sua vontade de uma garrafa de Krug Grand Cuvée Brut no quarto, por trás daquele Malrboro fumegante em seus lábios que dificultava a compreensão das palavras. Instintivamente olhou uma vez mais para ela, como quem espera uma atitude ou um último pedido. Nada. Desligou o telefone e pegou um livro que mais parecia uma revistinha em quadrinhos. Tinha comprado durante o dia numa banca de jornal que costumava vender uns calhamaços alternativos. Já tinha até pego algo de Fante ali, apesar de não achar Fante propriamente alternativo, mas um clássico dos bambas.
“esse livro é dedicado a Bob Dylan, o cara que apresentou a maconha para os Beatles
Começou bem essa porra, deve ter fôlego...
Pensou em ler um pouco, mas agitado, fico desconcentrado enquanto não percebeu a campainha lhe dizer que o champanhe tinha chegado. Afundando na hidro, serviu-se de uma taça enquanto roubava um morango da travessa larga, largada em cima da pia. O chão do lugar estava cheio de pétalas de rosa muito vermelhas. Era impressionante como conseguiam tirar sarro de si próprios com tamanha categoria. Esse senso de humor ácido e particular, fazia aquela cena brega ganhar contornos de sátira pop. Parecia até uma ocasião especial, o que não correspondia com a realidade daqueles dois impulsivos. No rádio, um mp3 rolava direto e uma música eletrônica não muito bate estaca, fazia as honras da casa. Pensou em quantos escritores ainda precisava ler e riu sentindo-se idiota pelo pensamento. Cismara em ler algo de Conrad agora. Tendo suas idéias abafadas pelo som de passos, percebeu-a nua. Agora acordada. Vinha da cama. Ao olhar viu seu sorriso debochado fazendo uma bela composição com suas mãos finas apertando a cintura, valorizando suas coxas e pernas grossas. Entrou na banheira com um morango na boca. Ficaram conversando até o amanhecer. Era papo sobre cinema, amor, poesia, Buenos Aires e vontades bobas. A água quente sabia que eles tinham todo o tempo do mundo pra errar mais. Seriam sempre novos erros.

terça-feira, 25 de julho de 2006

Contramão

Desgraçada morada que surge na madrugada. De lá de cima dá pra ver o mundo. Dá pra ver seu rosto, o sol e meu rosto. Dá pra sentir o sol que brilha e aquece nosso pulso morto. Sinceras são as preces que fazem tudo parecer começar a ficar diferente. São resoluções, pensamentos em vão e atitudes sem ação. Músicas que ajudam a inspiração formar e tomar corpo. Desgraçada morada. Tão sincera que me faz ser assim. Tão bonita. Com tanta cor. Amaciada pelo amor da verdade que transforma metas em ideais. Chacoalhada com o barulho das folhas secas que caem de minha cabeça em eterno outono. Estações do ano que vão se distribuindo sobre meu corpo tosco e genuíno. Cordas que vibram em sons que se dividem entre as atenções de um casal e meu livro aberto, com folhas sendo rasgadas pelo vento seco. Clima úmido de frio que entra nos ossos fazendo dor apartar a briga de pensar que não estou vivo. Estou vivo e solto no mundo. Solteiro. Solto à sorte dos bares e das madrugadas vermelhas. Solto à sorte das desgraçadas moradas. Dançando com fadas. Olhando para as luzes. Pagando uma bebida para quem diz me conduzir. Passos rápidos de autoconhecimento barato. Nada faz a simples vontade de uma história começar, torná-la menos dolorida. Quebram-se copos, quebram-se vidas, fere-se meu instinto em prol de uma sacada repentina. Ações que aglutinam uma total falta de segurança, pois é preciso esquecer toda falsa segurança que achamos que poderia ter existido. Só ouço uma voz em capela. Uma mesma música que toca no mesmo pôr de sol aplaudido. Uma mesma retórica que se repete em meandros malandros de pó e dor. Rastros de passos na lama de nossa consciência. Impureza de falta de insensatez aflorada. Paro pra observar as estátuas frias que ficam insistentemente paradas ao redor das praças que termino meu dia. Mas só é noite depois que eu durmo. Então sigo criando um calendário novo de histórias e possibilidades onde ser feliz é papel de coadjuvante secundário. A verdade que emociona na obra é o abandono de tudo que nos deixa mais forte. Abandono o chão pra poder flutuar. Assim adquiro força pra olhar tudo de cima. Não resolvo nada, mas enxergo melhor. Ando na frente justamente por não precisar ter nada resolvido. São parâmetros e paradigmas. Entrosados em crises de entranhas bem vistas. Emoldurados em pele, em suor. Cuidadosamente transformados em mistério. Como um dia de domingo e toda força que um abraço de Pai pode oferecer. Porque eu te ofereço força. Eu te ofereço meu peito, meu pranto e minha cabeça com idéias de contramão.

domingo, 23 de julho de 2006

Bela noite sem beijo

Bela noite sem beijo. Reflexões do que poderia ter acontecido. Não sei mais chegar em você, não consigo te ver. Não acho mais espaço nessa bela noite sem beijo. Fico sem entender os porquês. Peito dói, coração dói. Tudo grita. Tudo agita essa bela noite sem beijo. Seu cheiro aqui, ali tão perto. Seu cabelo passeando entre meus dedos sujos. Seu corpo posto em meu corpo moribundo. Nossos suores imitando a luz que girou sem pedir permissão. Tudo nesta noite. Bela noite sem beijo. Onde minha boca não alcançou nunca mais a sua. Onde o vigor se perdeu no caminho. Deu tudo errado. Deu tudo certo. Tão certo como o intuito de refugar. Arriscamos todas as fichas nessa bela noite sem beijo. Saio ileso. Saio em pedaços. Saio em profusão. Penso no texto que fica na cabeça. Na proposta enrustida. Penso na música que me emociona. Acelero meu ritmo e paro. Descarrego meu tino num estalo. Batidas entrando numa seqüência pouco disposta a explicar os porquês. Sensações que relembram sensações. Escuros cantos de uma bela noite sem beijo. Nossa bela noite sem beijo.

sábado, 15 de julho de 2006

A conta, por favor

Para todos aqueles que fazem da vida sempre uma nova forma de errar. Para os tolos que sabem que são tolos, talvez por isso sendo menos tolos. Vulgares marés que quebram no peito de meus amigos nada sãos. Confesso que expresso meu pranto em palavras e exponho como oferenda, a cada um daqueles seres santos dos cantos. Dos cantos das festas, dos cantos dos ônibus, dos cantos das últimas cadeiras das salas. Vivo atrás dos óculos dos mais tímidos, do soco dos mais revoltados, da sujeira na calça de flanela dos mais nerds delinqüentes. Sou um pouco do suor dos atletas e da azia dos senhores reis de todas as esquinas e botequins. Para qualquer um que já magoou uma mulher, me abrace. Para qualquer um que já foi motivo de riso, me abrace. Para toda menina que já acordou chorando sem motivo, me abrace. Me abrace porque sou fruto dessa indisposição que faz nascer o sol. Me abrace porque entendo suas vontades loucas de saltar dum penhasco sem asas e pousar no chão. Me abrace porque também me engasgo a cada nova forma de censura que tentam me empurrar. Confesso que expresso com arte toda parafernália que me fazem engolir. Para todos aqueles que realmente querem explodir algo sem sangue. Para todos aqueles que simplesmente querem ir.

terça-feira, 11 de julho de 2006

Conversa de elevador

Entro num ritmo alucinado que me persegue. Canto em vielas, música alta que mescla graves e agudos, soldados e moribundos. Visto minhas roupas amargas e salto alto, no espaço que compreende seu colo de meu peito aberto em aço. Quero eletrônico, quero violão, quero sol e quero viver sob tensão. Não ligo pra tudo aquilo que me falam, pois alimento não se joga fora. Pecado marcado em minha pele, em meu sorriso fácil, em minhas atitudes breves. Desapego que floresce em minha alma, a dúvida permanente que obriga dor ficar colorida. Brilhos, cruzada de pernas, coxas, idéias, cheiros, conversa de bares em esquinas de pedras portuguesas. Goles em gargalos ralos concentrados em motivos que nunca poderiam ser levados tão a sério. Ébrios e destinos traçados sob o suor do desespero, que acende nos olhos de quem não acredita no que vê. Lindas, lindas flores marítimas. Lindas poses íntimas. Lindas fases que nossa melhor fase deu. Vejo-te perto, mas longe como um bom livro num instante de páginas que já reli. Poeira que pede a vida que tudo um dia pôde ter. Cansaço do estardalhaço, tirado no laço da carne de sol. Esqueça se a perda é refeita em cada noite de sexta, em cada momento de breu. A praia está lá pra nós dois. O céu está lá pra nós dois. O cais está lá pra nós dois. Lá no alto voam pássaros que não ligam a mínima pro contexto de ter feito as coisas de meu jeito, de ter seu covarde medo e receio tudo desfeito.

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Tab

Era verão. Era verão naquele peito. Havia calor na umidade daquela esquina. Tirava o chapéu com cuidado, amortecia o corpo na poltrona colonial ao mesmo tempo em que acenava para a garçonete. Queria uma cerveja. Uma premium bem gelada. Aquelas tipo long neck, de preferência com uma bela capa de mofo simbolizando um véu de gelo. Era verão. Por apenas um beijo tudo virou calor. Mais uma página a ser preenchida, num livro em branco que simbolizava suas ingratas histórias. Finado era o tempo de vacas magras, onde catar bitucas de cigarro em cinzeiros e vielas abandonadas fazia sentido. Agora podia vestir um belo terno. Mais. Podia mandar fazê-lo com o velho italiano do centro. Agora era um escritor de verdade. Havia sido publicado. Aquilo era como um beijo. Transformara tudo em sol. Brilharia como o cheque de adiantamento recebido. Já se via rico em algum hotel barato de Veneza, buscando inspiração para um novo romance. Já se via dando autógrafos em livros pulp de contos de sua fase ruim, resgatada por alguma editora junkie de Berlin. Via garotos correndo contra o vento em Havana. Podia até ver as rachaduras na tinta que se soltava das paredes burocráticas na ilha. Podia navegar e pescar marlins. Dava pra sentir sua barba já branca como a do velho Hem. Até o frio do cano duma virtual espingarda em seu potencial suicídio era sentido. Tudo era vivo demais. Era como conquistar a melhor garota pós-guerra. Comer a melhor feijoada preparada pela esposa de seu Pai. Era colorir o preto e o branco dos milhares de olhares blazé que recebera. Era rir sem precisar forçar o diafragma. Copos e mais copos sem descanço. Montanhas de livros numa aventura que nunca teria fim. Agora era um escritor de verdade. Com sorte até seria lido. Com sorte, escaparia da morte tola, pra morrer de forma épica. Bateria as botas numa bela briga de bar, numa guerra santa ou numa inquisição. Seria preso pela ditadura. Seria odiado pela mídia e copiado pelos mais pobres folhetins. Escreveria peças como um anjo pornográfico. Nunca mais faria mulher alguma chorar, mas arrancaria com as próprias mãos corações inteiros. Daria dor e frustração, olheiras de angústia profunda, muito amor. Deixaria seus ventres molhados e enxugaria seus corpos com o suor de seu calor. Madrugadas seriam oferecidas sem razão. Poesias seriam escritas como chuva. O chão faria todo sentido do mundo. Músicas seriam apenas as mais belas e legítimas. Agora era um escritor de verdade. Todas as experiencias do mundo borbulhavam nas agendas de seu dia. Compromissos com o descaso. Audiências com o desapego. Compraria flores pra todas as mulheres feias e beberia cerveja quente com os mais chatos papos. Tudo pra poder reescrever seu dia. Agora era um escritor de verdade.

segunda-feira, 3 de julho de 2006

Apnéia

Se fosse pra escolher juro que não saberia dizer o que prefiro. Tá vendo só? Essa indecisão toda só prova que tô por inteiro vivendo essa historinha mais uma vez. Uma piada de mal-gosto que já começou estranhíssima, com beijos deliciosos, cheiros e cores feitos na medida certa pra nós dois, além da tua retórica repetitiva, dizendo não querer se apaixonar. Como é que você consegue ter um olhar tão sensacional? Como você ousa fazer por instantes eu esquecer aquele outro olhar que a até tão pouco tempo atrás fazia minhas voltas pra casa da noite, geralmente trôpegas e bêbadas, serem panos de fundo pra lágrimas solitárias no meu quarto pensando nela? Aí fico assim agora, com uma merda de um sorriso bobo na cara que parece estampar em letras garrafais pra qualquer um a realidade que estou completamente apaixonado por você.
Perco o sono, mas não consigo me concentrar na leitura. Fico com uma inspiração fudida pra escrever coisas bonitas e começo a gastar felicidade em cada linha dos vários cadernos antigos antes intactos pelo fato de tempos atrás não suportar mais escrever à mão. Lado a lado com minhas olheiras, minhas peças vazias de orgulho engarrafado, minhas cuecas box que já sei que tanto gosta, fico escutando o barulho dos carros e das pessoas que passam lá fora parecendo ter a velocidade proporcional da mudança de meu humor ao saber se você vai estar lá quando eu também estiver.
Fico saboreando esse vazio com uma estranha sensação de liberdade, maturidade que dá uma coragem absurda de te mandar flores se tiver afim, mesmo sabendo que ambos achamos isso brega, e ao mesmo tempo jogar tudo para o alto ao menor sinal de que não tá rolando uma troca. Daí me pergunto se quem realmente ama pede algo em troca e percebo que a resposta é um claro e incisivo não. É foda, porquê daí penso em como tô grandinho pra entrar numa de entrega incondicional. Mesmo sabendo que já estou com mais de meio corpo dentro desse mar e pareço inteiramente à vontade pra me afogar de novo.

quinta-feira, 8 de junho de 2006

O homem de gesso

Limpou o cofre e saiu. Ainda deu tempo de benzer-se em frente ao santo iluminado por velas que se mantinha quieto nos fundos do quintal. Se lhe perguntassem o nome do homem representado em gesso, canonizado ali, não saberia responder. Na verdade poucos eram os motivos que o faziam abrir a boca. Eram tempos difíceis, apesar da irônica fartura. Mas valia uma bela idéia executada do que palavras jogadas fora em prol de um inclinamento qualquer.
Lá fora o carro já esperava ligado. Era perceptível uma certa nostalgia old school aparente no ar, com clarity of mind convenientemente rolando. Nem a música nem o velho motor do volkswagen foram páreo para o sono de Cida. Dormia como uma santa escondida além das cortinas de renda da janela do quarto que iam agora ficando pra trás junto com a poeira que o veículo levantava, já longe na esquina. Se ela quisesse pôr em prática seu sonho de abandonar tudo e ir para um sítio viver na paz que imaginava fazerem valer os magníficos primeiros raios de sol que descrevia nas alvoradas lisérgicas orquestradas em seu ideal de vida hippie, seria esse o momento. Pelo menos a hora que acordasse e se percebesse só novamente. Seria ela e sua rebeldia. Talvez voltasse para a casa dos pais, talvez enlouquece-se.
Aquele dinheiro recolhido em recente ação traria uma tranqüilidade financeira proporcional ao inferno astral que a exposição da mídia no roubo daquele movimento declaradamente apolítico, despertara. Por meio de conexões escusas e sacrificando grande parte do valor conquistado, passara um bom tempo na Nova Zelândia. Lá, trabalhara na colheita de morangos, mas há seis meses vivia na África do Sul. Tudo agora parecia fazer parte do passado: Cida e aquelas ruas do subúrbio, o Brasil, a antiga prancha cheia de tecos e morsas, seus sonhos. Talvez apenas alguns poucos motivos que despertassem adrenalina suficiente ainda faziam valer a pena o esforço daquela bombação de sangue ininterrupta em seu peito. Pra quê gastar tanta energia pra estar vivo sem viver de verdade, era um clássico clichê naquela sua cabeça cheia de romantismo barato e dreadlocks sebentos.
Saltar daquele pico de mais de 200 metros de altura instigava-o. A tal ponte de Bloukrans era conhecida pelo porte do maior Bungee Jump que tivera notícia. Agora estava ali naquela tarde de vento frio. Em pé olhando aquela imensidão da foz das águas do Storms, lembrou do tal santo que abandonara no Rio. Na verdade não conseguia ver tanta radicalidade num salto onde o corpo mantinha-se preso por alguns elásticos comprimidos. Pensou por um instante em saltar sem nada e censurou-se com uma risada seca. Pareceu uma bela resposta à sua insensatez. Já devidamente equipado benzeu-se, repetindo um gesto recorrente, o tal sinal da cruz que representou seu rompimento com o mundo, sua fuga de tudo. Saltou ainda sem saber ou sequer lembrar o nome da figura católica representada naquele relicário suburbano. Jamais saberia.
Até hoje é visto concentrado antes dos momentos de aparente tensão. Parece lembrar daquele tal santo de gesso sempre. Já Cida, nunca mais flertou com seus pensamentos.

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Ode ao ébrio

Dobro a esquina e entro em mais um dos bares de minha vida. Sento num balcão frio que pede a temperatura alta da dose que o barman traz até minhas pálidas mãos. Esse lance de ficar me perguntando os porquês soa como um clichê insuportável que gruda em meus ouvidos virando uma sentença, como a música pop que uma universitária animada escolhe na jukebox à minha frente. São melodias que tocam minhas espinhas fazendo-me perder o ar a cada vil tentativa de entender o imponderável.
Amável, desce pegando fogo a bebida que enche meu corpo de sabor. Mas procuro cor. Persigo seu cheiro em cada pescoço que desenho em
minhas investidas fúteis ladeira abaixo nestas noites frias de estrelas lindas. Astros que me deixam pregados no rastro do lastro de tudo que perdi esperando essas luzinhas que vejo lá nos céus, mas antes encontrava em cada piscada desse seu olhar sem compromisso. Olho pra rua e vejo uma janela que soa como um relicário iluminado onde tudo que sua moldura abençoa e abriga, são pecadores que se doam ao prazer de afundar cada vez mais em toda armadilha apresentada pelas circunstancias naturais dos acontecimentos.
Percebo não querer o que é me dado de forma gratuita e bela. Sinto-me maldito por isso. Sinto-me maldito por usurpar toda docilidade que me presenteiam. Quero a salivação da adrenalina. Quero o sofrimento da conquista. Mas quero só para mim. De súbito sinto raiva da corja de poetas e escritores que ousam passar pro papel a mediocridade de suas fantasiosas histórias meramente autobiográficas de amor. Sinto nojo da atemporal sensibilidade aflorada que brota na sublime felicidade azul do beijo da bela namorada. Prefiro minhas putas. Quero elas. As desejo e vejo vida em suas trapaças e malícias. Pago uma cerveja para a moça ao meu lado e tento colocar novamente em ordem meus pensamentos tão em frangalhos, tão confusos. Tão largados a própria sorte. Na verdade não quero conversa, só quero ouvir minha voz ecoar na sala escura iluminada pela minha consciência impura. Quero suas pernas me envolvendo numa ação que ultrapassa o mero toque físico. Quero uma sensação que nem sei se estou pronto para experimentar. Quero sua mão, juro que quero. Mas sou das putas. Sempre fui. Sou do pior tipo, afinal carrego a natureza assassina dos órfãos, mas possuo o carisma letrado dos canalhas que conseguem com algum sucesso manipular e expressar emoções. Mereço a cadeia, mas antes preciso de amor. As grades da solidão teimam em não me segurar. Cada vez que me vejo só estou rodeado de sorrisos, do barulho oco dos passos de dança, da fumaça dos cigarros, do choro dos aflitos, da supertição dos tolos e da excentricidade dos príncipes. Quero fugir de tudo isso, mas a covardia não se mistura comigo e por isso corro com todo vigor de encontro a ela. Corro quase como um abrigo. Quase como aquela sensação da sua cabeça ancorada em meu ombro, em meu peito falho.

Com gargalhadas, limpo todo resquício de racionalidade e preparo-me para o chão. Sou do chão. Sou dos bares. Sou das putas. Sou um coveiro a caça de novas almas cansadas. Quero sempre mais e luto pela simplicidade que tudo isso precisa carregar pra soar genuíno. Suas respostas vazias eu coleciono. Suas táticas infantis eu abandono. Quero a morte, pois para alcança-la é preciso viver de modo tão alucinado, é preciso afogar-se em tamanho descaso com o raso bocado, que seria impossível descrever para você.

segunda-feira, 22 de maio de 2006

Não contém glúten

Vou dormir jurando para mim mesmo não ser mais capaz de acreditar em sonhos muito bonitos. Se meus dias cinzas sempre foram feito de fuligem e carvão, entrar numa de colorir as fachadas descascadas destes muros altos parece-me sempre ser novamente perda de tempo. Melhor assim. No sofá minha coluna é esmagada por todo peso da tensão que surge quando penso parcelado em dúvidas que rondam minhas atitudes carregadas de impulso. Essa pressão deixa meu sono escasso claro que nem as luzes amarelas que os postes trazem da rua. E olha que sei bem como é horrível acordar com aquela ressaca moral que acaba manipulada pela beleza das promessas mantidas pelos raios de sol, fazendo tudo parecer conter um fio de esperança. Aquelas manhãs muito claras em certos momentos teimam em nos passar uma verdade que transparece tudo, mas o pior é justamente quando o contrário se faz regra. Na maioria das vezes o peito acorda menos machucado e a tendência é fazer o dia seguir sem procurar tentar ou querer curar o que nem sempre sabemos se é possível consertar. Espano então os problemas organizando uma pilha que parece chegar facilmente ao teto numa decrescente ordem de importância que me faz ter vontade de rir pela notória sensação de que vão continuar lá acumulando poeira. Uma voz ao telefone tenta me persuadir num contexto onde sempre acabo sentindo-me um cara sem coração ou muito frio. Fico parecendo uma espécie de vencedor tirano para algumas mulheres que insistem em não notar meu perfil fracassado e individual que carrego menos como um fardo e mais até como uma caricatura de mim mesmo. Num desenho que confunde-se com minha personalidade deixando cada ação que inicio parecer conturbar muito mais do que a necessidade pede. Sinto um pouco de receio por causa da minha infantilidade enraizada que nunca quer se apresentar muito responsável pela felicidade ou rumo que as vidas de outras pessoas possam ter ao caírem de pára-quedas na minha cama. Escuto uma música, penso num comentário de terceiros sobre o que represento para alguns e por mais que pareça ridículo acabo me orgulhando de toda a subversividade que propago sem nem sequer ao menos atrasar um dia o pagamento de minhas contas de consumo fútil. É foda entender que tem tanta gente preocupada em ganhar medalhas sabendo que vou passar a vida toda decepcionando as mesmas justamente por só querer participar dos comes e bebes da entrega dos troféus. Mas continuo arrancando seus botões, deixando-as sempre nuas para a poesia que encarna minha intenção de molhar seus ventres numa composição feita mais de dor e menos de glória. Consigo dormir e nesse sono não posso brigar contra a lógica que faz minha cabeça perambular pelos sonhos que de forma maquiavélica meu coração expurga sem o menor pudor por esse caminho compreendido entre o fechar dos olhos e meu despertar aflito. Quisera eu ser tão vulnerável quanto os personagens das mais belas histórias de amor que já li. Mas daqui de fora só dá pra escutar com certo nervosismo o barulho das insistentes tentativas de, uma a uma, conseguirem quebrar a insaciável rigidez petrificada que separa minha inocência de seus colos.

quarta-feira, 17 de maio de 2006

JukeBox

Pego meu tamborim e toco. Toco pra te impressionar. Pego minha poesia e solto. No teu ouvido, no teu umbigo. Solto no ar. Empunho meus cordões e jogo uma capoeira imaginária. Gingo. Sorrio pra você. Abro espaço e passo educado. Meu suor traz memória. Nosso olhar faz história. E sigo. Danço num canto só meu. E sinto. Vejo filmes que me lembram a preciosidade do sonhar. Entro em igrejas sem crenças maiores que uma filosofia única pregada e reinante no amor. Amarro meus pulsos a coisas leves que não me deixam esquecer. Toco marés com as próprias mãos. Vento como um biscate pela contramão. Crio bolhas ao léu. Baixo novas músicas que ainda nem sei cantar. Visto as roupas surradas da minha falta de vergonha. Passo os dedos em minha grande barba mal-feita e falhada. Dou risada. Me alimento de cada pedaço de crise. De cada pedaço de cada soluço que dei. Choro todas as lágrimas secas e perdidas dos dias que não fora preciso voar. Meto os pés pelas mãos. Ligo de novo. Durmo um pouco mais. Bebo o tanto certo pra perder o meu andar reto. Caio. Mergulho num dilúvio de idéias jogadas num chão bagunçado de memórias apagadas. Traço planos e os guardo em caixas dum papelão duro como a cabeça de meus tolos inimigos. Abrigo-me em fumaças que distanciam as vaidades contidas no brilho que teus olhos me trazem. Eles me cegam. Oprimem-me. Mas me dão colo e isso é tão bom quanto horrível. Pedaços de inferno num arco-íris de cores opacas. Pontes abertas por chutes dados em meus momentos de revolta. Nas brigas que travei com meu peito pra esquecer que ele não podia agir assim tão dono de mim. Viro-me em quantos posso suportar pra levar adiante essa chuva. Danço mais. Até por não conseguir ficar parado na fila dessa falta de decisão que esmaga meu bom senso. Afasto-me da inocência embalando uma criança tão pura que suja minhas mãos de branco. Tinta suficiente pra pintar seu nome no céu. Num fundo azul feito de pigmento, magia e papel. Que dobro e guardo no bolso dos assuntos sérios que não consigo esquecer. Mas continuo trocando de roupa, só não disperso a melodia que me faz querer você.

terça-feira, 16 de maio de 2006

Conjugado nº 107

Sim, acredite. Já tive uma bela mulher. O problema é que brigávamos muito. Havia paixão ali. Muita. Eram raios de sol diários. Nossa relação era meio doentia, mas isso é o de menos. Ela era burra. Diria até, meio estúpida. Muito infantil. Só usava vestidos de algodão leve, com estampas claras. Geralmente flores. Uma vez dei um baita soco em seu rosto. Devo ter quebrado uns dois ou três dentes. Me arrependo daquilo até hoje. Não. Mentira. Não dei soco algum, foi apenas um tapa. Mas lembro que gostaria de ter dado um belo direto em sua cara. Ela nunca mais voltou depois desse dia. Nesta tarde eu havia levado ela pra comer um belo bife no restaurante da praia. Uma espécie de rodízio, mas rolava a La Carte também. Ela adorava bifes. Também tinha umas manias de sorvete, mas aquela fase dos bifes durou muito tempo, quase todo o nosso relacionamento. Eu dizia pra ela que aquilo apodrecia na barriga, mas ela fazia aquelas caras de “não tô nem aí”. No tal dia do fatídico tapa, a vadia cismou de me machucar. Machucar por dentro, saca? Destilou diversas baboseiras afiadas que devia estar guardando há muito, apesar de nos atracarmos a toda hora e parecer não existir estoque de podridão a serem lançadas entre nós, guardado. Lembro que até da minha masculinidade duvidou, a pequena louca. Acho que não devia mais me amar. Certamente não. Cheguei a notar algo estranho nela em relação ao Frank, amigo meu. Na verdade até hoje tenho minhas dúvidas se ela deu pra ele. Enfim. Mas o fato é que ela foi embora depois daquele tapa. Um belo tapa. Daqueles que fazem um indivíduo rodar sobre o próprio eixo. Mas é foda. Sinto falta. Sinto sua falta até hoje. Fico olhando para as mulheres que arrumo. Sempre muito exageradas. Gosto de observá-las deitado da minha cama, enquanto estão fazendo algo na pia da cozinha ou se vestindo perto da penteadeira que existe na quitinete mobiliada em que vivo. Bêbadas demais. Derrotadas demais. Subversivas demais. Possessivas demais. Belas demais. Politizadas demais. Sempre exageradas. Sempre essa merda desse exagero. Sempre uma porção maior do que eu pedi. Daí fico relembrando. Pode acreditar. Lembro daquele olhar de menina perdida. Aquele jeito mimado de puta mal resolvida. Uma espécie de Camila Lopez. Talvez fosse a minha mexicana. Se bobear era sebenta também. Tem dias que me resolvo bem com isso. Tem dias que não. Mas ela já foi minha. Isso é certo. Toda minha.

segunda-feira, 8 de maio de 2006

Gostos

Não gosto de escrever a mão. Não gosto de retorno, nem de contramão. Não gosto de conta mal dividida. Não gosto de patrícia, dondoca ou narcisa. Não gosto de bobó sem pimenta. Não gosto de roupa vulgar. Não gosto de quem gosta de se mostrar. Não gosto de insegurança exagerada. Não gosto de segurança demais. Não gosto de polvo. Não gosto de balas de aniz. Não gosto daquele barulho de giz. Não gosto dos segundos discos de uma pá de bandas boas. Não gosto dos livros que todo mundo lê. Não gosto de gritaria. Não gosto de apatia. Não gosto de falta de atitude. Não gosto de baixas altitudes. Não gosto de lugares falsamente populares. Não gosto de políticos similares. Não gosto de manchetes de jornal. Não gosto de trocadilhos fugazes. Não gosto de meia dúzia dos titulares. Não gosto de quem não se assume sexualmente. Não gosto de quase a maioria dos crentes. Não gosto de refrigerante, mas tomo quando tô de ressaca. Não gosto de olhares forçadamente cativantes. Não gosto de gravata. Não gosto de esperar. Não gosto de não chegar até o fim. Não gosto de quem não gosta de mim. Não gosto de pretensão. Não gosto de exagerar no camarão. Não gosto de cinzeiro lotado. Não gosto de cigarro babado. Não gosto de quem combina e não aparece. Não gosto do papo maduro de quem diz que não envelhece. Não gosto de conversas vazias. Não gosto de sujeira de óleo na pia. Não gosto de poeira. Não gosto de casaco que pinica. Não gosto de videogames. Não gosto de livros de duendes. Não gosto de promessas ausentes. Nunca gostei muito da minha fase delinqüente. Não gosto de saias muito curtas. Não gosto de roupas muito justas. Não gosto de comida feita às pressas. Não gosto de bicicletas ergométricas. Não gosto de correr na esteira. Não gosto de quem não aprecia em certos momentos falar besteira. Não gosto de hippies. Não gosto de quem é muito feliz. Não gosto de quem vive a vida por um triz. Não gosto de não ter o direito. Não gosto da falta de jeito. Não gosto de não poder falar. Não gosto de capotar. Não gosto de comer e não gostar. Não gosto de comer e não gozar. Não gosto de imposto. Não gosto de falso suposto. Não gosto de esquecer de recadastrar o CPF. Não gosto de mulher que não sabe pagar boquete. Não gosto de tiete. Não gosto de defensiva. Não gosto de Ivete. Não gosto de fossas injustificadas. Não gosto das mal-amadas. Não gosto de quem não busca informação. Não gosto de quem não abre o coração. Não gosto de quem sente muita vergonha por nada. Não gosto de racismo nem em piada. Não gosto de primeiras impressões. Não gosto de fúteis sensações. Não gosto de não ter crédito. Não gosto de julgamento de mérito. Não gosto de quem insiste em não se livrar do tédio. Não gosto de quem chora demais. Não gosto de quem não faz por menos. Não gosto de quem não se controla nunca. Não gosto de quem nunca leva multa. Não gosto de quem não aprecia o simples. Não gosto de quem não xinga juízes. Não gosto de quem não mantém raízes. Não gosto de quem não admite perder. Não gosto de quem não assume de vez que não crê. Não gosto de cabeça-dura. Não gosto de não ter estrutura. Não gosto de papo enrolado. Não gosto de chegar atrasado. Não gosto de ser rotulado. Não gosto de maluco abusado. Não gosto de mulher muito fresca. Não gosto de rebeldes sem causa. Não gosto de quem não se importa com a alma. Não gosto de café sem canela ou fraco demais. Não gosto da necessidade de convencimento de meus pais. Não gosto de quem não se entrega jamais. Não gosto de quem está sempre sisudo. Não gosto de milk-shake com canudo. Não gosto de quem não crê no absurdo. Não gosto de poesia sem paixão. Não gosto de quem já se vê no caixão. Não gosto de autopiedade. Não gosto de sentir sempre essa mesma saudade.

quinta-feira, 4 de maio de 2006

Plugs

Aquela sua cama fazia um barulho danado. Transar nela era até bom, mas caso alguém estivesse no quarto ou apartamento ao lado, devia ser um saco ficar ouvindo aquele rangido misturado a gritaria das putas. Porquê elas gritavam ele não sabia, mas achava que poderia quem sabe ter alguma relação com o prazer que proporcionava a elas. Tolo. Apesar de poder ser facilmente classificado como um simples grosseiro, até sabia dar o que elas queriam. Ou pelo menos tinha essa inocente pretensão. Encucava-o ter a noção que as mulheres conseguem realmente gozar sem nem serem tocadas. Nunca entendera isso até o dia em que uma compartilhara tal mérito num tom superior e arrogante. Elas funcionavam diferente, definitivamente.
Criado numa família russa sem mulheres na casa, pois não considerava sua Vó uma mulher, mas espécie de santa, só foi aprender o que era ciclo menstrual quando tinha lá seus quase trinta. Ironicamente, justamente por essa criação num lar essencialmente masculino com um pai que fazia as honras de mãe e quatro irmãos, tornara-se um cara meio reservado, mas interessadíssimo no universo feminino. Especialmente no compreendido entre suas pernas.

Recém juntado com uma tatuadora alemã que morava em São Paulo há cinco anos, a primeira coisa que fez ao levar todos os seus poucos pertences (basicamente uma caixa com antigos vinis) pra casa dela foi verificar a cama de casal nova. Ela lhe confidenciara que pra comemorar a ocasião especial, além de uma boa quantidade de heroína de alta qualidade – coisa rara na cidade da garoa – tinha comprado uma cama de casal de madeira maciça numa espécie de brechó chic de Pinheiros. Foi até engraçado ver aquele braço tatuado, cheio de abscessos e feridas purulentas, já quase sem veias boas, remexendo a cama com força pra ver se fazia barulho. Vendo o silêncio que abafaria cada estocada dos seus momentos de prazer naquele quarto, ficou puto. Depois do pico, mesmo no auge da onda, desceu pro bar contrariando sua lógica paranóica. Ficou lá horas com a mesma Miller long-neck quente na mão.

quarta-feira, 3 de maio de 2006

A gasolina tá um absurdo

Escutando jazz recoloco o disco pra tocar insistentemente. Feliz, mas com aquele tipo de felicidade que faz de forma rude não ligarmos a mínima pra quem não faz parte do universo paralelo que formamos. Foda-se. Enrolo cigarros, fico de cueca olhando o rosa do céu da tarde, vejo qual será a próxima sessão de cinema lá daquele pico que passa uns lixos europeus, mas que de vez em quando algo também que preste e faça valer a pena cada merda já assistida. Desatino. Faço a barba de porta aberta escutando o som meio enlatado por causa do corredor estreito e longo. Preparo rapidamente no mármore e aspiro, três trilhas de um pó de qualidade mediana. Bebo de uma só vez o maravilhoso copo que no balcão me espera já suado e não tão preto da cola, escuro mas meio dourado pelo brilho que um puro malte lhe orna. Meus braços completamente tatuados pulam pra fora de minha camiseta justa branca, quando passo em frente ao espelho da sala que vai do chão ao teto sem cerimônia. Dou um sorriso nervoso pra mim mesmo pois sempre tive esse sorriso nervoso mesmo. Lá fora você se mantém deitada com uns óculos do tamanho do mundo e uma revista que te faz ficar um pouco mais burra, mas você merece descanso dentro de sua genialidade despudorada que tanto me encanta. A piscina brilha e irradia umas luzes disformes que dançam nas paredes repletas de pedras claras com trepadeiras verdes.
Te olho sem você me ver e percebo que mesmo assim nos enxergamos. Perco-me por instantes em pensamentos e a imagem de seu colo com pequenas pintinhas, seu biquíni e seus movimentos bruscos, mas leves, acabam por fazer meu pau ficar duro deixando minha cueca branca deliciosamente realçada pra você. Poderia tirar uma foto dela agora, emoldurar num sanduíche de vidro com perfis de alumínio e te dar de presente pra botar na sala de seu apê. Safada, aposto que adoraria. Se bobear tiraria uma onda de teor contemporâneo pra aquelas amigas descoladas de Santa Teresa.
Limpo o nariz ainda meio branco no espelho e desarrumo de leve meus cabelos. Troco o vinil por um digital, alto e claro Morrissey, uma das únicas bichas que consegui respeitar em toda minha vida, apesar de não me considerar lá o que se pode classificar de homofóbico. Já de calça jeans passo o tal cheiro líquido que vende em vidros, mas só funciona quando entra em contato com meus poros. Fragrância perfeita pra você, parece ter sido feita com meu sobrenome na química. Às vezes acho que tu não podes viver sem mim porquê eu te como com verdade, independente dos dias de força ou dos dias que flutuamos de tão leve em nossa cama. Mulheres merecem entrega numa foda e cada vez que olho dentro de seus olhos momentos antes de gozar, com minha pica enrijecendo um pouco mais
há segundos de te inundar, sei que você enxerga verdade ali.
Deixo-te lá com o som alto, um beijo carinhoso na testa e a sensação de que vou procurar mentiras pela rua. Sempre fora assim afinal. Vou buscar os franceses pro nosso tradicional macarrão de domingo. Eles trazem o vinho, eu faço o molho e a massa compramos naquela italianada da Tijuca. Gerald geralmente leva um pouco de skank, mas dessa vez disse que só tava com um homegrow mesmo. I don´t care. Isso não importa pra quem não liga a mínima se vai ficar doidão ou não pois já tá bastante crescido pra isso. No rádio do carro coloco Chet is Back e fico com vontade de me mandar pra Itália de vez, mas aí pego a Lagoa sem trânsito e percebo que só preciso de outra dose de Jack Daniels com Coca, um novo sorriso seu e um pouco de velocidade pra viver. Paro no posto pra encher o tanque. A gasolina tá um absurdo.

terça-feira, 2 de maio de 2006

Simples pra caralho

Simples pra caralho. Tu sabe muito bem que ambos sabemos que eu sei que você sabe que eu sei. Complicadas são as conseqüências. Complicado deve ser ficar escondendo as evidências também. Você até parece ter algum talento pra isso, mas fica docemente linda e levemente insegura a cada momento em que tenta fazer isso e não consegue. Já era. Agora tem que entrar na dança. Tu pode até pegar pesado pra negar ou tomar apenas um drink, seja pra entrar no clima ou fugir de tudo na viagem etílica que às vezes faz nossa cabeça esquecer tudo.
Me soa como uma locomotiva. Até dá pra parar ela, mas aí é o seguinte: tem que puxar aquele freio que fica no teto, disponibilizado pra qualquer pessoa poder frear as velozes toneladas em movimento. Mas rola até cadeia se frear sem motivo. Ou você procura um motivo forte o suficiente ou segura a onda e se prepara pra tal viagem. Mas não precisa ficar receosa, como toda trip de trem, existem as estações. Se quiser desistir ou simplesmente se cansar, é só pular fora. Fácil, fácil. Desistir sempre é mais fácil. E não tô falando isso pra botar pilha no seu orgulho, usando aquela espécie de psicologia infantil pra conseguir o efeito contrário. Tô falando isso porquê me alimento de sensações verdadeiras e vamos combinar que você tem feito as honras da casa nesse aspecto. O que é muito bom.

Se eu já entrei na dança? Tô na pista com praticamente uma caixinha de tic-tac na mente e um cantil de água na mão há algum tempo. E o melhor de tudo é que se você não voltar até a próxima música acabar, sou capaz de esperar um set inteiro pra dançar outra contigo. Não é desdém não, por favor não confunda as coisas. É uma espécie de maturidade misturada com uma vontade de viver alucinada que me faz ter uns apegos bobos pelas coisas simples da vida. Deve ser por isso que fico com um vazio permanente no peito e deixo você estacionar ali num estilo rotativo de duas horas sempre. Mas se quiser ser mensalista, posso até pensar em te dar uma vaga cativa. Simples pra caralho.

quinta-feira, 27 de abril de 2006

Alvos

Nuvem tem que ter desenho. Beijo tem que ser desejo. Casaco tem que ter no frio. Cerveja tem que ser no Rio. Salto tem que ter motivo. Riso tem que ter espaço. Choro tem que ter hiato. Desatino tem que ter amigo. Poesia tem que ter na vida. Heresia tem que ser no livro. Atitude tem que ter no abraço. Absurdo tem que ser abrigo. Covardia tem que ter história. Euforia tem que ter memória. Sentimento tem que ser instinto. Rompimento tem que ter vitória. Alegria tem que ter no dia. Maresia tem que ser na praia. Feijoada tem que ter farinha. Uma ponta tem que ser tapinha. Opção deve ser decisiva. Apatia só se for ativa. O silêncio deve ser um grito. A derrota deve ser macia. A carreira tem que ter canudo. Cigarro tem que ter lugar. Mentira tem que ter um fundo. Noite tem que ter luar. Menina tem que ter beleza. Olhar tem que ser profundo. Saudade tem que ter clareza. Verde tem que ter no mundo. Camisa tem que ser de time. Caneca tem que ser de uva. Bota tem que ter na chuva. Um tapa tem que ser de luva. Branco tem que ser de neve. Batida tem que ser de reggae. Cachorro tem que ter um dono. Música ouvida no mono. Surfista tem que ter na onda. Idéia tem que ter no assunto. Matéria tem que dar status. Bolonha tem que ter presunto. Verdade tem que ser um fato. Nu não deve dar vergonha. Sono tem que ter um chato. Neném, chegar de cegonha. Obra tem que ter cimento. Cientista tem que ter invento. Museu tem que ter poeira. Varanda tem que ter lamento. Rede tem que ter besteira. Praça tem que ter lixeira. Cavalo tem que ser sem cela. Macarrão tem que ser na panela. Engano tem que ser um plano. Aquarela tem que ter janela. Maconha tem que ter comida. Lágrimas, guardar pra ela. Violão, nunca uma rodinha. Caldo tem que ter salsinha. Pureza tem que ser nativa. Galo não brigar na rinha. Estrada tem que ser destino. Igreja tem que tocar sino. Amizade tem que ter coragem. Inteligência tem que ser bagagem. Cult tem que ter estilo. Um corpo tem que ter um ninho. Uma rosa tem que ter espinho. No sufixo constar um inho. Aventura tem que ser na beira. Trilha, tem que ter caminho. Mato, uma cachoeira. Atalho na segunda-feira. Corrida, nunca na esteira. Pó, só pra quem diz que cheira. José tem que ter Maria. Pasta tem que ter na pia. Católicos, na romaria. Maçã cortada na sangria. Estepe tem que ter no carro. Fome, matar com centavo. Flor deve sair do vaso. Criança só nadar no raso. Mistério é pra ser explorado. O medo deve ser largado. Bocejo tem que ser escondido. Virtude deve ser um achado. Vergonha só de ser bandido. Fumaça, sempre de aviso. Gargalo só se for de barro. Árvore tem que deixar crescer. Cabelo tem que ser blasé. Nerd, feito pra tirar sarro. Papo tem que ter no sapo. Preto, quando alguém morrer. Peste tem que ser contida. Frieza, às vezes mantida. Deprê tem que curar na esquina. Pra dor nem sempre usar morfina. Pras baratas pôr naftalina. Pra sujeira, capricho e faxina. Contra ignorância, ter tempo pra ler. Pra sonhar junto desligar TV. Gelo no trato só se merecer. Minhas mãos, pra cuidar de você.

segunda-feira, 24 de abril de 2006

Ela adora japonês

Fico assistindo da janela. Meu apartamento não é dos melhores, apesar de tê-lo alugado por um valor justo e seu piso ser excelente. Um daqueles pisos novos, claros. Aqueles que cachorros com unhas grandes acabam por orquestrar um irritante barulho oco ao caminharem de lá pra cá. Bom, mas de qualquer forma eu não tenho cachorro. Em fins de tarde como o de hoje quando o céu está limpo e a temperatura agradabilíssima, gosto de me debruçar no parapeito do buraco quadrado que emoldura o oitavo andar desta espelunca aqui. Bebo alguma coisa com gelo, geralmente uma boa vodka, ponho o doors pra tocar, quase sempre pulando logo as faixas pra riders on the storm e me deixo levar pela brisa fresca na testa. Venta bastante.
Na esquina dá pra ver uns moleques andando de skate. Antigamente ali era onde ficavam os aposentados desses lados de cá, mas foi até o momento em que um desses babaquinhas descobriu que seus bancos retos davam ótimos resultados para as performances com quatro rodinhas. Nada contra a expulsão dos velhos ou contra os skatistas, apesar de ultimamente ter certa condescendência com a terceira idade, mas qualquer dia o pouco espaço entre as ousadas manobras e a pista com carros em alta velocidade vai proporcionar belos momentos. Vou assistir de camarote.
Outro dia, ao voltar do mercado, esperava o sinal fechar para atravessar quando um moleque de rastafari nos cabelos se espatifou na calçada de cimento dura. Não se machucou gravemente, esses filhos da puta parecem feitos de borracha, mas sua cabeça deve ter ficado a dois palmos do meio fio. Fiquei observando a porra do skate invadir a avenida com quatro pistas. A desgraçada ripa de madeira veio mansamente por entre os velozes carros intacta, até ser atropelada por um 1.0. Não sei nem mais do que são feitas essas porras, mas sei que o bicho com toda aquela flexibilidade não se partiu. Foi legal ver aquilo.
Entediado, resolvo bater uma punheta, mas me recordo que ultimamente não sinto tesão por nada. Carla, aquela putinha que eu tô comendo faz um tempo, poderia vir aqui fazer isso por mim. Será que ela ficaria chateada de apenas tocar uma e depois ir embora? Bem que isso podia me dar uma animada a quem sabe fazer o serviço completo. Ok, devo confessar, ela é até bem bonita. Maravilhosa na verdade. Seus olhos azuis me causam vertigem irradiando tamanha beleza. Não sei o que uma menina rica como ela vê num canalha derrotado como eu. Se tem uma coisa que me emputece é quando ela vem com uns papinhos tipo “acho que você deveria ir para alguma cidade ao norte da Itália ou Paris mesmo, lá te dariam o valor real que merece” ou quando cheia de orgulho diz que o pai não aprova seu namoro com um artista plástico da minha estirpe, mas não liga a mínima, pois me ama. Toparia no ato se mandar pro Velho mundo comigo. Amor, amor...eu te amo. Aliás como as pessoas dizem isso a esmo hoje em dia, não? Sei lá o que isso significa e nem sei se um dia saberei.

Escuto uma forte freada e um leve burburinho vindo lá de baixo. Ao chegar na janela uma pequena multidão já se aglomera em forma de roda ao redor de um carro importado, uma poça de sangue, um moleque imóvel e seu skate, cúmplice. Ao invés daquilo me excitar, sinto uma leve depressão, até certa pena. Penso em ligar pra Carlinha. Pela primeira vez começo a achar que a amo. Ver a morte me lembra a vida que ela me traz. Resolvo pedir um japa e fumar o resto de haxixe que sobrou de ontem. Ela adora japonês.

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Silêncio

Aquele barulho de TV fora do ar iluminando a sala na madrugada, de antemão resolveu avisar que algo estranho se desenrolava. Ficar fora da cidade por quatro dias com apenas um terno podia parecer o pior que teria acontecido até ali. Chegando próximo a porta do quarto, dava pra ouvir algumas risadas nada contidas e uma espécie de balbucio coletivo. Definitivamente havia alguém além de Linda. Uma garrafa de Prosecco vazia no final do corredor denunciou a antes silenciosa chegada com um esbarrão do bico de seu sapato preto minuciosamente engraxado no gargalo, fazendo-a completar um giro. Seria até engraçado percebê-la apontando para aquele casal marginal seminu deitado na grande cama. Os olhos arregalaram-se de surpresa. Narinas ainda meio esbranquiçadas nele. Nela, um cigarro em processo de elaboração entre suas belas mãos com dedos finos de pegada suave.
Cheiro de sexo no ar, papelotes abertos de cocaína pelo chão. Taças vazias e cinzeiros cheios espalhados ao redor. O embaraço crescia à medida que sua atitude defronte a porta mantinha-se fria como um imenso bloco de gelo. Um olhar apenas. Um simples olhar deflagrou o início das ações, provocando o recolhimento das peças do traje social amarrotado no chão de carpetes daquele recinto. Suspensórios, meias, cinto, um belo terno milanês. Após a rápida atitude, ainda passara ao seu lado, pelo corredor e finalmente pela porta da casa, incrédulo. A incômoda visita não entendia, não via explicação plausível para não ter sido atacada, baleada, por ter lhe sido poupada a vida. Chegou a procurar no corpo suado de nervoso, antes de ligar o carro já na calçada daquela fria noite, alguma ferida, algum buraco de bala que o choque do momento por ventura tivesse feito sua predisposição a dor negar.
Lá dentro, na cama, atitudes desencontradas, porém lentas e desengonçadamente pesadas, faziam Linda melancolicamente se vestir devagar, ancorada de perto pelo sangue quente daquele siciliano inflamado de traços retos. Antes de se retirar dali pra sempre, durante todo o processo, somente observou-a. Parado. Imóvel como uma rocha.
Havia passado alguns dias viajando a negócios, resolvendo uns assuntos para o Velho, o conhecido Tornado Big. Queria parar com aquilo no verão. Chegou a ver uma casa nos Barbados, pensava realmente em ir pra lá quando tudo isso acabasse. Tinha planos. Usaria blusões havaianos floridos e velejaria por dias inteiros. Pesquisava informações sobre como os ventos se comportavam naquela ilha. Sempre fora fiel ao Velho, compartilhar sua vontade de sair daquela vida e dedicar-se a Linda era certeza de não encontrar maiores dificuldades ou percalços por parte do grande Big.

Dizem que naquela noite nenhuma gota de sangue, nem de lágrima foi derramada. Mas o que mais impressiona e gera rebuliço na italianada que hoje em dia ainda comenta a frieza da ocasião comprando seus presuntos Parma no Mercado Municipal em manhãs nubladas de outono, é o silêncio. Não se ouviu uma única palavra, um único lamento aquela noite.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Backup

Porque é preciso o sorriso pra conter a chuva. Não adianta só tomar banho e achar que estamos limpos. Sempre sujos, assim devemos nos manter. Sempre burros, características intrínsecas do querer. Buscas. Mendigos fugindo de nossas barbas falhadas, trajando um medo aprisionado de quem não tem nada a perder. Tequilas baratas vendidas de forma mais cara pela ilusão das luzes e música alta. Dança. É preciso dançar mesmo sem saber dançar. E tropeçar sem cair. Pois cair tem que ser cair mesmo, sem historinha. É preciso samba com feijão e até um pouco de microfonia. É preciso funk carioca antigo, duma época em que fez sentido. É preciso levar o Maracatu pra conhecer as Laranjeiras. Não são nada importantes enfermeiras. É preciso tomar um chope lendo um livro sozinho. Imprescindível aliás. Importante ficar sozinho. Tão quanto um bom ninho. Músicas novas no e-mule. Teorias adaptadas de Marcuse. E filmes. Os mais rasteiros, os mais baratos, os mais famintos. Mas devem tocar. Embora isso não seja dever, mas questão de sorte e identificação. Daí também você fica liberado pra ver quantas vezes inventar.
Porque é preciso gosto pra sentir o amargo da uva. Saber que sem choro não existe aquela patética sensação de alívio. Que depois do tal regurgito, vem uma baita calmaria. É preciso bater forte no balcão e beber algo diferente. Ou não beber. Necessário sentir a sensação de harmonia com o corpo seja ele mal-tratado, mal-amado ou apenas mal-compreendido. Entender que a falta de compreensão é de tal forma um fato que chega a ser inocente achar que todos vão pescar o que você disser. Falar ao telefone algumas vezes pra aproximar. Esperar a noite virar dia sem nem sentir pra alinhar. Não esperar resposta. Apostar em chances sempre com a menor probabilidade de acerto. Esquecer sumariamente os remédios. Jogar todos fora. Juntar uma caixa grande com todos os comprimidos inúteis que tomamos para os sintomas inventados pelas nossas neuras e deixar pros lixeiros levarem junto aos sacos barulhentos cheios de garrafas vazias que corrompemos com saliva.

Porque é preciso escrever alguma besteira pra liberar espaço pras coisas que importam mesmo. Importar-se demais com significados é regredir. Importante é ir em frente mesmo que isso suponha um caminhar pela contra-mão. Dar a mão. Babaquice deveras importante. Esquecer seus ídolos pois eles não foram feitos para serem lembrados, apenas buscados em seu quarto num momento de autoconhecimento madrugada adentro. Ler Bukowski. Já malhar o Judas, complicado, não dá mais pra saber se é certo ou se vai ficar sendo apenas tolerado.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Negócios

Pensou em abrir algo com sua ex-mulher. Um negócio. Iria para o campo de batalha conquistar espaço no mercado. A deixaria de frente na empresa, administrando tudo. Davam-se bem e não havia mais a menor atração entre eles, só amizade e respeito. Era garantia de ninguém querer foder o outro. Literalmente.

terça-feira, 11 de abril de 2006

Nada de bolor hoje

Acordo cedo. Antes mesmo da armadilha sonora do despertador soltar os bichos pra cima de mim. A barba ainda está por fazer, mas já faz mais de uma semana que não bebo. Oito dias pra ser mais exato. Penso em dar uma caída. Olho pra pranchinha, mas lembro que meu joelho ainda não tá segurando a onda. Resolvo preparar algo pra comer. Acho na geladeira umas coisas legais e incrivelmente, elas estão frescas. Nada de bolor hoje. Me animo a preparar um café. Ligo o rádio e já com um belo naco do sanduíche de peito de peru na boca, escuto uma daquelas típicas músicas antigas de comercial de cigarro que recheiam o coração da maioria dos otários normais como eu com uma farta dose de euforia. Olho pro relógio e pareço não acreditar que àquela hora já estou de pé e tão bem disposto.
No escritório decido escrever algo. Lembro que hoje tenho uma reunião de pauta na redação e penso em dar uma chance para o babaca do meu chefe, vou aparecer. Ao contrário de grande parte dos jornalistas, intelectuais que esbarro por aí ou pelas demonstrações práticas em forma de depoimento ou atitude dos que não conheço, acho ótimo ter uma labuta fixa. Esse lance de trabalhar por adiantamento rouba a porra da alma de vários escritores. Todo mundo precisa pagar suas contas e alimentar o cachorro. O resultado disso são livros que poderiam até ser digeríveis se feitos em três ou quatro anos, transformados numa patética literatura vazia entregue em meses visando a merda do cheque da editora. Liberdade pra escrever é escrever de ressaca olhando a hora no relógio da cozinha pra sair pra jornada diária. Liberdade é perrengue. Os grandes passaram perrengue porra, não se garantiam em adiantamentos.
Após teclar meia dúzia de parágrafos desisto do laptop e entro numa de escrever no papel mesmo. Já faz um bocado de tempo que não escrevo à mão e minha letra vai saindo tão tosca quanto minhas assinaturas em cheques bêbados que solto por aí. Meu gerente deveria ser perito por liberar aqueles garranchos. Só uma vez me ligou checando se podia pagar a quantia ali descrita com uma caligrafia sofrível. Qualquer dia eu me fodo por isso.
Acabo escrevendo uma poesia doce, sem ser frívola, até boa. Fala de uma mulher que me encantou certa vez. Não era isso que estava em mente ao começar a rabiscar, mas foda-se. Agora falta achar alguma saia que a mereça. Quem sabe esse garrancho não vire um presente. Talvez isso seja um pouco complicado. Tenho esbarrado em belas fodas por aí, mas nada que tenha enchido meu peito e tirado meu ar. Acho que tô precisando de uma mulher com quem realmente possa conversar. Não precisa nem ser a mulher mais linda da cidade, mas de preferência nada de grampos espetados no nariz gratuitamente. Nada contra os piercings tradicionais, mas só o Buka mesmo pra pensar nessas distorções bizarras.
Chega ao meu celular uma mensagem dizendo como as ondas estão hoje. Entrou um belo swell. Tão rolando altas. Esbarro com a porra do dedão na quina de minha cama lendo o torpedo e dou um uivo de dor. Fico meio puto com aquilo de uma forma ainda inédita no dia. Vou ao espelhão do banheiro ver o dedão. Percebo meu corpo no geral menos inchado. O tempo dado na boemia mostra suas armas. Vai ver o único problema foi acordar muito cedo hoje.

segunda-feira, 10 de abril de 2006

Porra nenhuma

Voltando do bar encontro Jimmy sentado num banco da praça perto da praia. Não era uma das melhores escolhas ficar ali dando sopa.
-Aquela puta terminou o casamento cara. Acabou. Puta.
Jimmy vivia as turras com Raquel desde quando se conheceram, numa briga na entrada de um show do Ramones por causa de uma suposta furada de fila. Acho que aquilo nunca mudaria.
-Ela trocou a chave da porta cara. Acho que agora já era mesmo. É o fim.
Fiquei olhando ele falar. Eu estava bem bêbado, seu rosto mais parecia uma mancha meio disforme que de vez em quando ficava nítida, bradando aquelas frases soltas.
-Tu fez merda?
-Não fiz porra nenhuma cara. Porra nenhuma.
-Vai ver foi por isso então.
Saí andando. Minha dose de humanidade já havia ido embora quando roubei umas notas do bolso de um cara bêbado caído no banheiro do Pub todo vomitado. Ele usava uma daquelas camisas de tecido com um bolso único no peito. Tinha cara de bem nascido. Meus esquizofrênicos valores tendem a achar que quem tem cara de bem nascido merece ser fudido de vez em quando.

Jimmy ficou lá imóvel com aquela cara de cu habitual olhando enquanto eu me afastava. Provavelmente devia ter dinheiro pro Táxi e logo estaria na casa de sua mãe em Copacabana tomando um banho quente. A mim, o resto daquela noite escrota bastava.

quinta-feira, 6 de abril de 2006

Pigarro

E seguimos inventando ídolos de mentira. Ídolos que parecem não feder, que parecem nem cagar. Eles se matam e ficamos aqui especulando sobre sua provável longevidade criativa e iconoclasta como se fossemos ciganas lendo a mão de algum idiota no meio da rua. Tudo é novo. Tudo é considerado novo. Mesmo que as mesmas vozes que cismam em cagar essas pérolas juntem-se num uníssono concordando que tudo é adaptação. Que realmente não existe mais nada fresco na prateleira.
Prefiro desligar a tevê, sem me desligar do mundo.

segunda-feira, 3 de abril de 2006

Cacoetes

A vida se resumia em ter um pinto que levantasse, um fígado que agüentasse e tempo pras coisas secundárias. As coisas secundárias poderiam variar de significado, sendo desde ajudar uma velhinha a atravessar a rua (isso pra ser bem didático), a ler uma coisinha repulsiva nova. Tinha um cacoete que lhe entregava quando estava mentindo: coçar o saco. Quem descobriu isso foi uma ex-namorada que tinha os olhos fundos de tanta melancolia. Tudo bem que a melancolia dela ficava no coração, mas essas coisas acabam sempre transbordando, não tem jeito. Aí aparecem como marcas e provas em outras partes do corpo. Uma vez ele beijou uma outra menina que fez o desserviço de marcá-lo com um chupão no pescoço. Daqueles bem roxos mesmo. Deve ter feito de sacanagem. Quando sua ex terminou chorando a relação, tava ele lá coçando o saco arrependido.

quinta-feira, 30 de março de 2006

Bar

Ah, o Bar. Boteco, Birosca, Botequim. Lar das gravatas afrouxadas, das conversas não mediadas, carne-assadas, sortes e afins. Terra de bravos bebedores guerreiros, intelectualóides justiceiros, analistas financeiros e bêbados algumas vezes até sem um rim. Lugar de curar fora de mulher amada, de chorar pela cerva derramada, de planejar histórias que nem sempre propõe um fim. Pelos seus corredores pequenos e fétidos, vamos procurando espaço pro mijo, espaço pro teco, espaço pra dar espaço pro reto. Em seus balcões, verdadeiros beberrões, junto de sardinhas cabeludas expostas, ovos rosas, pedaços de pernil, lingüiças miúdas, salgados diversos e todo hall de considerações. Na calçada de pedras portuguesas vê-se o balé de ágeis vapores, cachorros sofredores, policiais incompetentes e doutores carentes. Vê-se um entra e sai honesto que parece despertar continuamente o inédito pedido de mais uma pra depois. Nas paredes quadros engordurados presos em tintas e azulejos sagrados veneram os melhores times do torneio, as melhores coxas e seus seios, além de suas terras longínquas, nordestinas, européias e natais. Em buracos nos cantos, santos com luzes e velas. Relicários de procissão e proteção interna observam pagãos pecando em plena comunhão. E olha-se pra tudo com o olhar perdido, com olhares acesos ou pensamentos de menino. E forra-se o estômago pedindo sempre um caldinho, seja ele de feijão com torresminho, de peixe com agrião ou mocotó em desalinho. Pra sentar nas mesas pode-se estar com ela linda e bela, com amigos desconhecidos, de sangue ou mesmo ausentes de prosa e de fé. Pra beber escolhe-se a cerveja mais vendida, a aguardente mais querida ou aquele chope clássico bebido em pé. Tem gente que vai de catuaba quente, de malte com gelo decente, de cowboy ríspido e viril ou de tequila pura e simplesmente. Já rabo de galo não dá pra tomar no gargalo, copo de vinho pede um petisco acompanhado e divisão de conta tem que ser condizente. Mas na hora de ir embora sempre rola a saideira, quase sempre se fala besteira e sempre se olha blasé. Uns trocam as pernas como um espelho, outros trocam beijos de filme ou pesadelo, outros pedem uma ajuda pequena ou de quebra mesmo um café. Tem mulher que sai dali desafogada, tem cara que sai dali bem resolvido e há sempre quem parta pra outro destino. Daí segue-se extasiado olhando o sol reverberar a lua, em compassos sincopados de poesia pura, na melodia que a ocasião escolher. Prostra-se no peito o jeito feito de encarar o escracho, respeita-se a esquina e o despacho e deita-se na cama pra sobreviver.

sexta-feira, 24 de março de 2006

Pedras portuguesas

Antes de sair, pegou uma maçã na geladeira. Resolveu levar para a labuta. Ia andando mesmo. No ipod, clap your hands say yeah fazia seus ouvidos baterem palmas para o novo. Podia até não ser grande novidade, mas se apaixonou mais uma vez. Dessa vez na esquina do trabalho. Luiza era o nome dela. Pelo menos o nome que ele quis dar. Observou enquanto ela entrara num carro preto, indo antes mesmo deles se cruzarem. Nunca mais a viu. Mas a maçã viu tudo.

quarta-feira, 22 de março de 2006

Paladares

Preces fugazes de corações sinceros. Lágrimas correntes permitidas por tortuosas histórias. Brancos. Brancos que dariam pra compor a imagem de santos e diabos. De senhores e criados. Imensidões de poeira levantadas em quartos limpos de apartamentos pequenos mal decorados. Olhos fundos do cansaço de toda vida dedicada a parcos laços. Vontade de não querer nada em troca sendo traída pelo soluço e olhar encabulado que defendem a permissão do pedido dum abraço quente. Incoerente e sempre. Dedicado ao egoísmo de todo sentimento plantado em dias de sol. Mas existem os dias frios de chuva e isso é inevitável. Daí manda-se a merda sem fazer concessões. Quebram-se espelhos de corredores longos que servem apenas pra mostrar que nunca há de chegar o dia em que conseguiremos estar bem apresentados. Sempre a maquiagem estará levemente borrada. Sempre vamos esbarrar em nossas idéias. Subversivas demais. Inocentes demais. Pobres demais. Incompletas demais. Sem adiantar nada, segue-se enchendo úteros de matéria vazia. De poesia sem nexo. De retrocesso. Segue-se enxergando a vida apenas como mais um caso de tentativa de sucesso. Jogando a frustração pra cima de quem não está nem aí por segurar a batata-quente. Matando gênios e sentindo-nos um pouco gênios. Praticando nossos preconceitos para conseguir disposição pra trabalhar todas manhãs. Descendo fundo em buracos de pouca luz, enfiando as mãos em bacias de água fria em busca duma coisa que chegue perto das respostas que satisfaçam tudo que constrói nosso ego inflado.

terça-feira, 21 de março de 2006

Roda viva

Ao acordar jurava pra si próprio que faria daquele dia um dia diferente. Sempre deixava de lado o fato de que sempre, independente de suas escolhas, os dias tendiam a ser diferentes mesmo. Era apenas a lógica sendo empurrada pela sua garganta cheia de nós. Passava perfume nos antebraços e no pescoço, antes de ajeitar o cabelo sem pentear e sair como um pássaro voando pela cidade ensolarada. Seu problema era tentar enxergar poesia em tudo. Esse romantismo acabava por fornecer material suficiente pra colocá-lo pra baixo por diversas vezes, mas ele não estava nem aí, devia ser um dos últimos filhos da puta a achar a fossa, chique como a bossa.
Apesar de sentir-se iluminado pelo sol com o dia e todas as suas claras armadilhas, era na noite que vivenciava a maioria das ficções reais de seu universo particular. Cerveja, lingüiça e a capa de mais um de seus calhamaços de papel com marcas de dedo em forma de gordura, eram clichê. Saias rodadas prendiam sua atenção como pernas sem dono vagando em marcha pelos cantos mais coloridos de suas idéias. Capaz de fazer amigos em encontros não marcados e encontrar paixões sinceras em prostíbulos imaculados, era personagem principal de livros sem final definido. Dizia até que quando morresse, queria que fizessem como Hunter Thompsom, uma puta festa com suas cinzas misturadas ao pó dos fogos de artifício atirados aos céus. Não que fosse chegado a uma fanfarronice social como fora o funeral do gonzo, mas lhe agradava a idéia de explodir após o derradeiro encontro com a senhora de foice e capuz negro.

Ouvia rock, eletrônico e gostava de samba. Metia-se em esquinas molhadas e esfumaçadas. Dançava com gringas, mulatas e garrinchas. Soltava o corpo de forma viril, quase duro no limite do gingado permitido em suas bobas censuras próprias. Às vezes tomava uns comprimidos. Muitas vezes abandonava o que fosse pra ir andar perto do mar, só pra conversar consigo mesmo. Não foram raros os momentos de chegar a conclusões sinceras a respeito de definições falsas que permeavam seu destino, passo após passo na areia fofa. Mas se tinha uma coisa que os botões velhos de sua camisa surrada podiam testemunhar, era o desapego às grandes verdades. Nada de querer afirmar de forma catedrática assuntos do coração em sua presença, por exemplo. Sabia bem que não existia regra quando se fala em nome de um peito ferido. Ele próprio podia jurar estar curado de afobações antigas, sendo capaz de fazer coro com Chico só pra depois continuar a melodia e cantar a verdade da mentira. E eram nos bigodes feitos pela cerveja que línguas entendiam que sempre era possível querer mais. Brincadeiras com palitos em mesas de eterno descompasso marcado pela hora de voltar pra casa. Daí era dormir de novo pra noutro dia discutir todas as possibilidades mundanas em círculos de pessoas que rodavam num baile sem fim. Buscas. Somente buscas pois ali ninguém tava muito preocupado com medalhas. Nem havia espaço no peito pra elas. Ali apenas um puta coração inchado pagava aluguel.

sexta-feira, 17 de março de 2006

Sede

Na madrugada vontade de um café. Nada de ficar lendo ao lado de um criado-mudo que nada falaria. O lance era ir pra cozinha, mais precisamente pra área de serviço. Pegar uma brisa da madruga entrando em harmonia com o barulho alto que o silêncio faz quando estamos em paz. Pó, canela, mel e um pouco de chocolate. Cadeira de praia armada lá fora. A luz branca ordenada pelo interruptor sempre simpática e ajudando a criar um clima necessário pra se poder ler sem cerrar a vista. Em pouco tempo, barulho da cafeteira. O preto forte pronto, dentro duma caneca branca, com um ideograma oriental desenhado traduzindo céu, pousado no mármore da bancada. Ao lado a cadeira roxa, sempre com um resquício de areia e um corpo entregue ao momento.
Hemingway lá, falando de forma tão íntima. Fazendo qualquer um se sentir em balcões de Paris do início do século passado. Mas se a cidade luz era uma festa, aquela lua cheia não deixava por menos. E eram três ou quatro livros empilhados com uma sede difícil de explicar. Um escocês na lama de viciados em heroína, um comemorativo dos dez anos de um endereço eletrônico e dois Bukowski. Era sempre necessário manter o tio Buka por perto.Indo até onde a cafeína deixava, passavam-se horas até as piscadas diminuírem a quantidade de espaçamentos. Depois aquele movimento de levantar acampamento. Cama. Um verdadeiro litígio com o tempo. Dormir pra continuar sonhando. Era preciso. Sempre seria.

terça-feira, 14 de março de 2006

Rosas

Aquele sorriso bobo ficava ali. Fazer o quê? Prostrado na cara. Insistindo em acompanhar o dia inteiro aqueles lábios grossos. Neguinho não entendia nada. Rolava um olhar meio perdido no vazio também. Há quem diga que as duas bolotas castanhas pregadas em sua vista, brilhavam continuamente. Empacotando aquelas encomendas, liberando cartas, pesando objetos, carimbando. Era uma tonalidade amarela que denunciava seu emprego nos correios e uma leveza visível que preenchia seus incríveis desejos. Dava pra perceber que os passos daquele cara pareciam demorar mais que o normal pra pousar no chão da calçada. Andava ouvindo umas músicas bonitas com vocais graves e até arriscando-se a escrever uns versinhos bobos. No café da manhã, a broa com um forte preto na xícara eram como um manjar lírico descendo até seu estômago vazio. Dizem que era por causa de Rosa, uma menina de quadril torneado e bunda nem tão grande, mas empinadinha, que morava na rua da frente.
Mas um dia o comentário foi geral na cidade. Parece que a tal menina, que bagunçou as idéias do jovem dos correios, ia se mudar. Seu Pai a mandara estudar na capital. Uma escola melhor. Maldade. Agora aquele carteiro vivia no bar da praça atrás do Circo do Paraíba. Parece que trocara até os algodões doces que colhia e consumia na ida pra casa, por uns goles de cana de açúcar destilada. Os moleques pararam até de tocar a bola pra ele de manhã na rua do largo, quando saía pra labuta e passava em frente ao golzinho feito de chinelos surrados. Depois, não deu nem dois meses, caiu enfermo numa cama. Ficou tão magro que foi parar no hospital. A família não entendia o porquê da repentina maldição com aquele menino tão bom.
Conheceu Raquel quando ela insistiu em fazê-lo comer um pedaço de pão com sopa. Aquela morena ficava linda vestida de branco, em seu uniforme de estagiária na enfermagem do setor. Seu sorriso fez ele esquecer aquele gosto insosso da comida do hospital. Casaram há uns cinco meses, mas não no papel, só se juntaram.

Ela planta umas rosas na frente da casa, tá até ganhando um dinheirinho extra. Todo final de semana manda umas cestas da flor pras lojas do centro. Mas o carteiro não se sente mal por isso. Acha agora que o lugar das rosas deve ser na capital mesmo. A molecada voltou até a tocar a bola pra ele de manhã, quando sai pra trabalhar.

domingo, 12 de março de 2006

Chocalhos

Por mais que tudo aquilo fizesse sentido, nunca daria pra entender o tamanho do estrago que um peito vazio lhe causaria. Aquele buraco no colo pedia preenchimento, tudo o que não podia dar. Daí apenas fazia o trabalho sujo. Esquecia da vida em outro copo, em outro corpo moribundo. Flutuando, descia esquinas e subia escadas. Colhia sorrisos e mantinha aquele joelho doendo. Eram linhas de errância em papéis absorvidos sem muita lógica. Dar pra dançar não dava, mas ele segurava delicadas mãos às levando pra um passeio no meio do salão. Cada passo um novo espaço. Assim seguia esquecendo que era melhor nem ter lembrado, melhor nem ter ligado. Surgia como um príncipe em cada novo quadro bebendo a vida em cada gole raso. Entrar e sair eram a freqüência máxima. Como bolhas de sabão que estouravam à mesma medida que eram criadas. Daí vinha aquela vontade de escutar Chico e Marisa. Aquela vontade de ler um maldito. Aquela ação não predestinada feito um rito. Então dava pra ver de longe sua luz. Propagada num vácuo de tortos laços. Era Leme, era Lapa. Era madrugada. Era dia novo. MTV ligada sozinha e música alta vinda do quarto. Sempre os mesmos espaços. Sempre os mesmos tolos querendo preencher o que já nasceu sendo fato.

sábado, 11 de março de 2006

O Samba

Essa tosse seca impede o silêncio de manifestar seu exagero. Nada parece ter mais brilho que um céu azul repleto de nuvens, prostrado num quadrado janelado. Deitar na cama é com o ventilador no teto. De lado quero rolar na sonoridade explícita. Enxergar que a vida é a falta de nexo. Errar. Sem proteger pra não tropeçar. Falar quando devia ficar quieto. Ligar quando devia deixar no verso. Perguntar onde entra o risco. Confiscar. Quero dar vazão em toda falta de razão. Desatinar o destino. Como samba triste. Samba de bamba. Com cerveja gelada e papo furado. Sentimento puro sem medo de pular na frente do bonde. Tocando só pra te provocar. Coisas de amor escritas. Beijo com som e cor. Pra te provocar. Desço reto rumo a uma estação que não posso te levar. Vejo seu rosto contrariado. Daí pego o tamborim e começo de novo a te errar. Nosso barco afunda a cada instante mais. E quero mais. E tudo por não estarmos mais distraídos. Mas me pergunto se quero teu rumo. E vejo que o que não quero são respostas. Quero apenas mais perguntas. Quero mais samba e mergulho noturno. Quero sofrer com uma capa de lirismo. Não saber o porquê e não querer perder a inocência. E entorno ternura nos meus braços e te abraço forte. E enrosco meu dedo no teu cabelo pra viver a beira da morte. Com sorte sangro. Como um forte, sambo.

sexta-feira, 10 de março de 2006

Se

Se o sol tivesse vindo. Se a praia estivesse em dia. Se meu peito não fosse doído. Se minha cama não fosse vazia. Se a calma não fosse tão tarde. Se teu corpo não fosse tão lindo. Se meus dias não fossem finitos. Se brincar fosse fútil sorrindo. Se correr mudasse o caminho. Se mandar embora trouxesse carinho. Se a estrada não fosse de pinho. Se a noite demorasse com vinho. Se ela me amasse aos prantos. Se o biscoito fosse sempre o da Vó. Se o emprego não fosse um dentre tantos. Se a comida não estivesse em pó. Se ela nunca chegasse atrasada. Se uma carta servisse de escada. Se esse jeito estranho parecesse charmoso. Se enxergassem na vida um pouco mais de gozo. Se artistas e generais não precisassem de mais. Se nunca tivesse brigado com meus pais. Se a vitória chegasse sempre tranqüila. Se aventuras fossem sinônimos da ilha. Se nuvens negras tampassem horizontes. Se amizades sinceras não precisassem de pontes. Se mulheres de amigos não sentassem no colo. Se gemer fosse só sinal sonoro. Se bichos de estimação não dessem tanto trabalho. Se bocas não trouxessem aquele gosto de alho. Se nadar no mar fosse obrigatório pro cristão. Se jogar lixo na rua fosse fantasioso como ilusão. Se fazer gracinhas fosse uma espécie de mimo. Se ler livro antigo instigasse o desatino. Se escrever poesia espantasse esse mal. Se sorrir pra cantar aumentasse a moral. Se sair pra dançar não ficasse sem sal. Se morrer por você não fosse fatal. Se parar de entreter deixasse um leve baixo astral. Se ficar sem dizer fosse algo banal. Se alimentar sentimentos protegesse da chuva. Se coisas estranhas tivessem gosto de uva. Se roubar na sinuca não desse tanto na cara. Se viajar com amigos virasse apenas piada. Se o jantar de domingo não desse depressão. Se o topar sonho antigo não fosse tão contra-mão. Se o pano de prato não fosse tão branco. Se preces fossem preces de um homem não santo. Se dormir longamente não gerasse mais sono. Se avistar folha seca avisasse do outono. Se beijar sua boca fizesse gozar. Se formular teorias espantasse o azar. Se beber no gargalo apagasse esse fogo. Se andasse descalço e escorregasse de novo. E se nada seria, mas tivesse um suposto. Somente amaria um péssimo oposto.

terça-feira, 7 de março de 2006

Nada poético

A real importância que damos aos nossos sonhos flutuava de forma crítica em sua cabeça e esse pensamento pra lá de subjetivo acompanhou sua entrada na loja de discos mais uma vez à procura de nada, mas vasculhando tudo. Passando o dedo por entre vinis e cd’s, escolhia mentalmente tudo que levaria agora, tudo o que levaria depois e tudo o que nunca cogitaria levar. Saiu mais uma vez sem levar nada, mas deu aquela habitual piscada para a atendente que ficava a quilômetros de distancia dele, seja pelo balcão de madeira que os separava ou pelo anel de noivado dela que o instigava.
Carregava a tira-colo um livro melancólico de uma história trágica de amor oriental. Uma canção dos Beatles batizava o rebento, que agradava aquele cara tão interessado por leitura quanto pelos hectolitros de chope que podia consumir em uma simples volta pelo quarteirão em sextas-feiras como aquela. Folhas secas no chão encarregavam-se de sussurrar o outono no ouvido de quem quer que desejasse despencar seco de um galho torto.
-Qual o livro da vez?
-Nada especial, apenas um japonês nada original, falando de amor juvenil, suicídios e neuroses.
-Bom. Parece contigo.
-...
-Que cara é essa? Pelo menos não tá lendo Neruda, quando você lê Neruda fica muito emocional.
A deixou falando sozinha. Não que ela tivesse notado sua deselegância indiscreta, pois nesse meio tempo um cliente repleto de espinhas na cara já aporrinhava sua paciência a procura do último livro de um jogo de estratégias aborrecente. Sônia era bem gostosa e aquela livraria era um belo refúgio, pena que não serviam chope. Beber em latinha era meio depressivo pra ele. Gostava de coisas vivas. No fim devia ser um problema de pressão e serpentina mesmo.
Resolveu prosseguir o passeio inútil puxando uma cadeira na birosca da esquina. Mal se ajeitou e Chico já lhe servira um chope. Isso o irritava, ficava pensando na possibilidade de não querer beber certo dia e a porra do chope já estar lá, olhando pra ele como cachorro sem dono. Mas no final acabava dando graças, pois a fama de mal-humorado do prestativo garçom nunca se aplicara a ele. Seguiu bebendo a tarde toda. A importância dos seus sonhos continuou a flutuar de forma crítica em sua cabeça. Lendo o livro, passava pela parte onde um dos personagens suicidara-se. Ficou imaginando a namorada deixada, descrita como muito bela pelo autor. Deixou-a só. No burburinho daquele ambiente popular onde um pernil descansava olhando fundo em seus olhos na vitrine de um balcão sujo, só conseguiu imaginar o cara como um otário. Pensamento nada poético.