sexta-feira, 23 de março de 2012

O soco

Um soco. E lábios comprimidos, quase indecisos, contra meia dúzia de dentes submissos, até se romperem. E sangue. Ossos curvados dentro da espuma, em um quase transe de dedos longos fissurados. E suor. Adrenalina encharcando seu queixo de vidro, quebrando-se como porcelana. Prévia do seu corpo caindo em torso nu. Desabando com a leveza sutil, levemente desesperada, de quem flutua de forma quase orquestrada. São séculos até chegar ao chão. Que quase como labuta, delimita seu espaço de forma bruta, o mais distante possível daquele mergulho na cama da mamãe. E feito um prelúdio em som seco, afável e grave, ele explode como uma onda sonora. O bafo quente de ar varre insetos como um bêbado cospe fumaça, coreografando milhões de partículas de poeira. Ao seu redor tudo dança, tudo gira distante da tranqüilidade proporcionada pela lona. Um silêncio do tamanho do mundo se agita. O sangue estica suas mãos e une-se ao chão. Vermelho, ele abraça uma logomarca esquisita, colorindo aquele monótono desfile cinza com sua mancha disforme. Seu coração oco vibra, contrariado, contagiado pelo hemisfério sul daquele soco.

terça-feira, 20 de março de 2012

Notas de um mesmo assunto nº37

Toda minha lógica grita, dizendo pra não chegar mais tão perto assim. Meu saco dói, minha cabeça dói, no meu peito é possível escutar os ecos do seu vazio. Minha pele feita de couro, parece se transformar em plástico vagabundo. Qualquer coisa me corta. Quase tudo me entorta. E vem de você, tudo o que me dobra e me afasta das coisas que mais acredito. Não preciso nem que me coloque em seu bolso pra dizer que tá tudo escuro. Tá tudo vazio, apertado. Minha garganta seca, já não pode mais falar. E se o que pode me salvar é tudo o que tenho a dizer, já não digo. Porque já não sinto. Porque o que sinto é diferente de tudo o que um dia já foi dito. E dentro desse lago gelado nado. Bato forte meus pés e vejo a terra firme cada vez mais distante. E me afogo. Me afogo de várias maneiras. Dentro de um copo, dentro de uma boceta, dentro de mais uma noite cheia de avisos. E vejo a terra firme cada vez mais distante. Só não perdi ainda minha capacidade de sorrir. E sorrindo, vou acreditando nessa agonia de achar que além de nós dois, ninguém mais vai sair daqui imune ao perigo.