terça-feira, 13 de maio de 2008

O funcionário do mês - um estudo sobre o horror

“Era uma máquina grande e cheia de aparatos, joelhos, roldanas e tudo o mais que tivesse um nome técnico correto e mecânica suficiente para fazer aquilo funcionar. Apesar de todos os dias um ritual cerimonioso reiniciar o turno da noite, deixando aquele espaço inteiro teoricamente limpo, existiam gerações de moscas que não deixariam aquele galpão nem que aquela rotina tivesse sofrido um abalo sísmico cem anos atrás. Durante muito tempo em minha vida aquela cor vermelha foi a representação de agonia e de horror. O sangue humano não me causava grande medo, porque minhas lembranças de cortes na pele eram lembranças de brincadeira e traquinagens de menino, que fatalmente levavam a um ferimento ou outro. A morte também não me causava um medo maior que o vazio existencial, porque me foi apresentada como o sono preguiçoso que teimava em não deixar meu avô acordar. Ensinou-me uma tristeza linear sim, sóbria, que quase fez parte de meu centro de equilíbrio para o resto de meus dias, mas também não teria porque trazer-me horror. Chegava a ser bela. Mas o barulho daquela máquina não. E aqueles trágicos urros de dor abafados, só confirmavam isso, desaguando por uma porta grande e mal vigiada como uma espécie de convite tentador para um garoto na idade dos “porquês”. Foi tal curiosidade que me apresentou a bugiganga gigante que transtornada, rodava o gado castigado como um brinquedo por 360º, já sem partes de órgãos na altura do pescoço retirados sem qualquer nexo e jogados ao chão junto de seus corpos combalidos, num espaço de cerâmica ao solo ainda em vida. Os funcionários dali, com uniformes de um amarelo alegre e vivo, se enchiam de contraste diante daquele sangue animal de um vermelho lúgrube e carregado, deslizando meloso em seus trajes. Ali dentro eu chorei como a criança que de fato, eu era. Me perdi na falta de sentidos que aquilo tudo representava para mim e já no quarto, longe de lá, não conseguia mais sentir medo dos monstros de minha cama ou dos psicopatas que permeavam a leitura já adulta demais que acabava sempre conseguindo emprestada com primos mais velhos. O terror viraria comédia e aquele horror permaneceria para sempre comigo como uma espécie de testemunha da perda de minha ingenuidade.”

Releu o texto no laptop mexendo em partes alternadas, durante os 15 minutos seguintes. Conseguira comprar o objeto pesado juntando as economias de 1 ano e meio de trabalho. Saiu do restaurante de uma rede de fast-foods admirando sua foto na parede. Era um estúpido funcionário do mês atormentado pelas lembranças da infância, ainda mastigando o último pedaço de um hambúrguer já frio e com textura semelhante a de um isopor, correndo apressado para não perder o último trem do dia.

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