quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Sol

Seu abraço fácil me dá coragem pra assumir riscos que nunca quis experimentar. Meus momentos de crise ao seu lado viram fetiche e voltam-se pra mim em forma de palavras lindas, que brigam pra descansar junto aos meus papéis. Seu sorriso largo se encaixa nos meus sonhos de criança, que amadurecem toda vez que a gente renega esse amor doente. Sentimento que talvez vá ficando de pé por nunca querer ficar bom. A gente se cura quando admite que não se basta, mas a gente se procura. Não penso em como não seria, pois o vazio me permitiria mergulhar mais fundo sem você. Descanso dentro dessa nossa desgraça e me encanto com meu jeito forte de ser tão fraco, quanto estou perto de te ver. Seus olhos me conjugam com uma força imensa. Parece que já nascem como um Sol cheio de amigos em volta. Como dias de um hipnótico verão sem fim, eles continuam se pondo em meio à lama de uma noite de festa mal vivida. Queria ter menos controle sobre tudo isso. Porque a verdade é clara quando me sacode mostrando que tenho todo o controle do mundo. Isso me assusta. Todo esse papel passional é uma forma de demonstrar o que sinto. Um meio cordial de continuar servindo de chão, mas com uma força que pode derrubar todos os sonhos que nós dois já tivemos na vida. Comigo é pra sempre, seja lá o que isso significar. Não tenho o menor problema com cobranças porque nunca acreditei em quem as faz. Gosto desse tipo de provocação porque minha paixão é breve. Minhas paixões são breves. Só amei você na vida. E até que o dia de hoje termine, essa será minha mentira mais sensata. Minha incoerência é querer você assim.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Clandestino de mim mesmo

Sento e apago o que escrevi três vezes seguidas. Vou até a metade da lauda e jogo tudo fora. Tudo parece artificial, montado, quase uma novela ou um tipo de folhetim que me irrita. É como se estivesse evitando escrever sobre o que realmente quero. Não preciso me enganar. Não mais. Tô cansado de saber que escrevo quase sempre atormentado pelo que tô sentindo no momento. É uma doentia forma de terapia, eu sei. Mas tô cagando pra isso. Não olho pra tua foto porque não tenho nenhuma. Penso como seria melhor ter uma ao invés de me torturar com a imagem que tenho de você em minha cabeça. Nela eu não te vejo. Na verdade vejo tudo preto porque a imagem que tenho de você é a mesma sensação de quando estamos fazendo amor. As melhores partes pra mim são quando tô de olhos fechados. Isso apesar de adorar quase de forma doentia olhar seu corpo nu deitado em minha cama. Toda suada. Seria melhor ter uma foto empoeirada pra queimar com um cigarro acesso ou jogar fora depois de rasgar em duas ou três partes. Mais que isso soaria meio gay.
Concentro-me depois de fumar quase meio maço de cigarros e começo a escrever novamente um desses meus textos doentios que só servem pra me acalmar um pouco antes de dormir. Demorei um tempo pra perceber como eles funcionavam muito melhor do que remédios ou uma ponta. Olho um short meu caído no chão junto de meias suadas e uma camisa pendurada na maçaneta do banheiro. Dá pra ver da minha cadeira nesse meu conjugado do tamanho de uma caixa de fósforos. Sinto falta das corridas de vez em quando. Fico lembrando da época em que não fumava, acho que tinha mais gás. Olho pro Nevermind pregado na parede e me sinto tão velho que seria capaz de admitir até que não ligo mais pra isso. Não ligo pra muita coisa depois que a gente tentou tanto pra desistir no final. Sinto-me uma espécie de clandestino de mim mesmo e penso em voz alta sobre qual será o próximo projeto que vou me enfiar. Pergunto-me onde vão parar minhas tatuagens que nunca termino e porque gosto tanto desse fracasso que me ronda, num refluxo que me puxa do topo pra baixo e do limbo pro cume sem eu nem perceber em questão de segundos. Porque eu tenho que comer ela se quero você? Não. Desisto de ficar me perguntando coisas. Da última vez que tentei isso quase entrei numa espiral sem volta. Prefiro continuar sem me esconder de meus sentimentos e agitar aquela viagem que já tava fazendo aniversário pra sair. Vou entregar as chaves dessa merda e partir pra uma nova trip. Não tô desistindo de nada, nem desistindo de você. Não conseguiria mesmo. Tô precisando é de uma tela bem grande e sentir o cheiro do meu novo livro no prelo. Como isso me dá saúde. Lembro até hoje do primeiro. Eu na gráfica, sentindo aquele cheiro de tinta mesmo com o nariz branco de tanto pó. Finalmente havia sido publicado. Podia me considerar um escritor.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A cara da morte

A morte sempre foi meio afastada da minha vida. O próprio jeito que cheguei ao mundo foi meio confuso já que cresci não sabendo direito se minha mãe era viva ou sequer se tinha uma. Certa vez olhando pela janela à noite com minha Vó ao lado, ainda criança, apontei pra rua e perguntei se tinha nascido do asfalto. Tipo surgido do nada, de dentro da terra mesmo (que pra mim era dividida entre pedras portuguesas e asfalto, praticamente). Ela ficou meio confusa e explicou uma história que deve ter sido bem chata, principalmente porque minha pergunta nunca abandonou meus pensamentos, já sua resposta não deve ter durado em minha cabeça nem até o sinal abrir e os carros acelerarem passando por cima de meu suposto marco zero. A verdade é que crescer sempre me pareceu o mais próximo da morte que pude chegar. Abandonar a inocência da infância, exorcizar remakes de experiências passadas ou juntar quebra-cabeças que antes seriam impossíveis devido a pouca idade ou menor capacidade intelectual, são episódios que sempre carregaram um grande sentido de morte pra mim. Mas uma morte nada sombria e carregada de renascimento.
Sinto-me ainda muito filho quando penso que não perdi quase ninguém das pessoas que mais amo. Sinto-me ainda mais criança quando bato o pé e cismo não querer perder. Lidar com perdas nunca foi muito o meu forte, mas coleciono minhas derrotas de uma forma que beira a vaidade absurda. O lado menos afetado dessa constatação é que jamais consegui ser a mesma pessoa depois de algumas das belas e incontáveis perdas ou fracassos pessoais. Já inclusive cheguei a me considerar um fracasso ambulante, mas depois desencanei disso. Até porque parece papo de rebelde plantado. Mais fake impossível.
A cara da morte ainda é uma dúvida pra mim. Uma mistura de não me sentir mais imortal, como todo jovem se acha, com certa constatação de que estou ficando mais velho. Isso não soa nem um pouco repressor pra mim, mas soa. Antes não soava. Antes era só uma coisa distante. Antes a morte era a foto amarelada de meu avô, italiano aguerrido que morreu antes de me ver nascer. A morte pra mim era o passado. Era o tricampeonato que cismava em não virar tetra. Mas assim como quem não marca hora, nem prepara terreno, ela de repente surgiu. De repente a morte ficou presente e bagunçou um pouco minha cabeça. De repente tive que ser muito mais forte do que sou e fornecer meu peito, além de todo amor que posso dar. De repente deu uma vontade danada de dizer eu te amo e carregar no colo uma pessoa pra sempre. Aprendi que a morte não tem cara, mas a vida segue e essa sim, tem a cara que a gente quiser que ela tenha.