segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A cara da morte

A morte sempre foi meio afastada da minha vida. O próprio jeito que cheguei ao mundo foi meio confuso já que cresci não sabendo direito se minha mãe era viva ou sequer se tinha uma. Certa vez olhando pela janela à noite com minha Vó ao lado, ainda criança, apontei pra rua e perguntei se tinha nascido do asfalto. Tipo surgido do nada, de dentro da terra mesmo (que pra mim era dividida entre pedras portuguesas e asfalto, praticamente). Ela ficou meio confusa e explicou uma história que deve ter sido bem chata, principalmente porque minha pergunta nunca abandonou meus pensamentos, já sua resposta não deve ter durado em minha cabeça nem até o sinal abrir e os carros acelerarem passando por cima de meu suposto marco zero. A verdade é que crescer sempre me pareceu o mais próximo da morte que pude chegar. Abandonar a inocência da infância, exorcizar remakes de experiências passadas ou juntar quebra-cabeças que antes seriam impossíveis devido a pouca idade ou menor capacidade intelectual, são episódios que sempre carregaram um grande sentido de morte pra mim. Mas uma morte nada sombria e carregada de renascimento.
Sinto-me ainda muito filho quando penso que não perdi quase ninguém das pessoas que mais amo. Sinto-me ainda mais criança quando bato o pé e cismo não querer perder. Lidar com perdas nunca foi muito o meu forte, mas coleciono minhas derrotas de uma forma que beira a vaidade absurda. O lado menos afetado dessa constatação é que jamais consegui ser a mesma pessoa depois de algumas das belas e incontáveis perdas ou fracassos pessoais. Já inclusive cheguei a me considerar um fracasso ambulante, mas depois desencanei disso. Até porque parece papo de rebelde plantado. Mais fake impossível.
A cara da morte ainda é uma dúvida pra mim. Uma mistura de não me sentir mais imortal, como todo jovem se acha, com certa constatação de que estou ficando mais velho. Isso não soa nem um pouco repressor pra mim, mas soa. Antes não soava. Antes era só uma coisa distante. Antes a morte era a foto amarelada de meu avô, italiano aguerrido que morreu antes de me ver nascer. A morte pra mim era o passado. Era o tricampeonato que cismava em não virar tetra. Mas assim como quem não marca hora, nem prepara terreno, ela de repente surgiu. De repente a morte ficou presente e bagunçou um pouco minha cabeça. De repente tive que ser muito mais forte do que sou e fornecer meu peito, além de todo amor que posso dar. De repente deu uma vontade danada de dizer eu te amo e carregar no colo uma pessoa pra sempre. Aprendi que a morte não tem cara, mas a vida segue e essa sim, tem a cara que a gente quiser que ela tenha.

2 comentários:

Julia Maia Lambert disse...

nem tenho muita coisa pra dizer sobre seu texto, talvez só mesmo dizer que li.
mais ou menos a mesma falta de reação que tenho quando penso nesse assunto.
é o que tempo pára, o raciocínio que fica lento e a sensação de impotência que toma conta de tudo que eu penso em fazer.
não existem palavras, gestos, explicações que façam sentido.
é tudo um grande "embaçado" e a única coisa que parece possivel é estar presente, ligar pra dar um beijo, dizer "eu te amo" mesmo.
mais ou menos que passar por aqui só pra dizer que li.

Anônimo disse...

Engraçado. Eu tinha lido textos anteriores e textos posteriores, mas tinha pulado esse daqui sem perceber. Acho que alguma coisa no meu sistema de auto-defesa quis que eu temporariamente evitasse o nó na garganta, o medo, os questionamentos e a falta de respostas que esse assunto sempre traz à tona.