quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Por tudo aquilo que nos tira o ar


E de repente tudo fez-se novo. Abriu-se um novo começo. Permitiu-se um novo caminho. E foram libertados os medos antigos, os engodos, os velhos dogmas presos ao pé da mesa. Desse movimento foi lançada uma batalha onde a vitória sangrou por um novo olhar. E tudo fez-se amargo. E tudo fez-se inocente. Com o medo jogado fora, fez-se crente quem não via mais luz. E da claridade abriu-se uma nova paleta de cores. Fez-se mistura. E dessa fina fossa veio força. Que como doença contagiosa cutucou todos os nossos braços em um breve respiro. E fez-se o sorriso. De brilho nos olhos, de trigo, de abrigo, de mergulho no rio. E fez-se o mar. E de braços abertos e olhos fechados, corremos. Navegamos. Corremos e choramos e voltamos a ser crianças. E fez-se luz. Foi então que só assim, com a fragilidade do “sim”, pudemos voltar a sentir aquele belo medo. Aquele medo que diz pra perna “anda!”. Que não impede de tentar. Como todo amor que a gente sente pelo que nos faz respirar. Mas principalmente, por tudo aquilo que nos tira o ar.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Faisandé

Resolvi te ajudar e lhe dando as mãos, estendi uma chance pra tudo o que me faz melhor. Descobrindo atalhos pra sair da escuridão, caminho firme. Meus ouvidos escutam alto e claro todos os barulhos que meus pés produzem no chão. Descrente de pessimistas e toda a sorte de covardes, artistas sem alma, piadistas. Sinto cheiro de verdade, aquele choque cultural pós túnel, aquele frio na barriga de saudades do meu pai. Me fez bem envelhecer e me faz bem te querer desse jeito novo que descobri que pode ser. Ainda penso em não levantar da cama umas duzentas noites por ano. Mas hoje um banho frio me veste uma armadura que consegue trazer um pouco do humor que preciso pra encarar o dia. Desconfio dos bonzinhos apenas quando não tenho algo melhor pra fazer. Porque perder tempo com quem não consegue ser de verdade nem quando respira? Resolvi te ajudar e te dando as mãos fui mais feliz. Por isso hoje meu arroz e meu feijão são meus livros. Meus vinis são minhas poesias e minha cara lavada pela manhã, é quase o ponto alto do meu dia.

terça-feira, 26 de julho de 2011

For Jade

Cambaleante como as linhas nada simétricas de sua maquiagem borrada, abriu a porta do bar. Trajava uma coleção de motivos pra ser expulsa dali, todos mais ou menos aparentes. O céu nublado em suas narinas contrastava com pupilas dilatadas como dois astros, obstinados em fazer do chão seu mapa para uma última e curta caminhada até o balcão. Enquanto ela pedia uma dose de gim e uma cerveja, eu só conseguia fechar os olhos de todos os meus planos de constituir família, como se eles fossem uma criança impedida de ver algo. E minha tristeza me trouxe beleza e sua voz me trouxe soul e nossas coincidências não fizeram o menor sentido. Dividimos um pouco de pó e logo estávamos numa espécie de mezanino, num bar de apenas um único andar. Lá de cima assistimos a noite virar dia e por ela, juro, não me importaria em perder a noção do tempo. Desenhei com uma faca seu nome em minha mão e, ferido, fiz pouco caso do meu corpo por sua causa. Mas o tempo passa e a morte invade nossa festa como um vizinho pedante. E dessa linha não posso ultrapassar, não dá pra pular como numa área interditada pela polícia. E fico te olhando daqui, baby. Fico olhando tudo o que estão fazendo contigo sem poder fazer nada. Meu anjo se foi e até hoje olho minha mão sã, procurando toda insanidade e todo o sangue daquela noite. Agora meus planos podem enxergar novamente. Talvez até ganhe um bom dinheiro e complete algumas maratonas por ano. Mas sem você ficou sem graça deixar essa cambada de imbecis atônitos toda vez que ultrapasso meus limites.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Sete motivos

E se cada passo hoje me enche de alegria, corro. Com essa luz que envolve seus cabelos em nova cor, brilho. Pra cada dúvida, tenho sete certezas, sete lugares pra ir e sete motivos pra te fazer sorrir. Porque ninguém tira isso de nós. Estamos de Ás, largamos a pós e hoje não tem lei seca que tire meu pé desse acelerador. Vem junto, porque sozinho não faz o menor sentido criar esse filme. Revela essas fotos e nos revele por dentro. Deixa eu morar dentro do seu peito por uns dias. Porque o pra sempre é leve pra gente que não tem medo de fazer planos. Vamos adiando nossa derrota ano após ano. Vamos andando. E te beijo com meu olhar de garoto. E me ensino mais uma nova idéia em declínio. Recrio você todos os dias como uma nova mulher. Com todos os seus defeitinhos lindos, seus enredinhos cínicos e manias de circo. Recrio você com todos os meus cacarecos e folhas e livros antigos. Com minhas músicas de acordar e signos e restinhos de trigo nos dedos. Porque se cada passo hoje for um caminho de volta ao nosso ponto de partida, prefiro ir em frente. Não quero o que passou se o que sei que posso ser é melhor. Me dê a mão. Não precisa confiar cegamente em mim porque confio mesmo é em nosso calor. Em tudo isso que a gente sente e se não for loucura, pode ainda acreditar que seja amor.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Já foi

E o que de belo difere o tempo
tudo que escrevi sem anotar
que ficou pro vento
sem baú, sem história
sem documento de memória.
E se fosse isso a arte
se justamente o que não veio
o que não late.
Todos os papéis amassados
sem alarde,
sem prêmio.
Seus fogos de artifício
são os bares, os sorrisos,
os amores e todas as testemunhas,
as criaturas que podem,
que fodem,
que sabem que isso jamais seria escrito.
Porque dito.
Porque vivido.
Não morre,
nem ficará velho nunca,
pois não tem autor.
Têm nós dois,
têm você,
e já foi.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Mais amor por favor

Enquanto todos caminham rápido, os passos, com fome, se alimentam do chão sujo. Estão todos buscando suas vidas de volta. Inevitavelmente achando melhor o que já se foi porque foram criados pra pensar assim. Não dá pra descrever o quanto se perde, quando ganha-se tempo sem buscar um novo jeito de errar. Nem quanto se erra ao assistir a vida com olhos de filme, cegos a tudo o que não parece ter final feliz. Enquanto todos dormem e fazem cara feia pro trabalho. Enquanto estão nos escritórios, mas nem ao menos acordam depois de bater o cartão na saída. Cadê aquela sede de amar que implode o peito e nos faz correr sem garantia de pódio? Cadê aquele seu caderno de anotações, visões e respostas pra todos os porquês da fase dos porquês? Enquanto todos se escondem, aparecendo cada vez mais em papéis que não foram feitos pra si. Enquanto recuso esse conforto de achar que cheguei a algum lugar porque, porra, a vida não é um táxi. Enquanto recuso seu valor. E recuso ser feliz. E peço mais um chope. Enquanto isso, mais amor por favor.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Quando você passar

Quando você passar por mim vou tirá-la pra dançar, moça. E vou tratá-la bem. Escolherei a dedo os amigos que vou apresentá-la, moça. E vou explicar à eles todos os seus pequenos defeitos bobos, pra ninguém ousar magoar você. Eles vão entender, vão saber o quanto me importo contigo. Quando você chegar vou fazer festa, moça. Vou acender uma vela, colocar um vinil pra tocar e, quem sabe, construir aquele meu mojito cubano. Vou revelar nossas fotos e criar um monte de albuns coloridos com nossos melhores momentos, moça. Vamos trocar a minha cortina da sala e manter a tampa da privada abaixada. Quando você acordar seu nariz vai despertar com o cheiro do meu café forte. E vou comê-la como se você jamais tivesse tido tanta sorte. Nossas discussões, breves, vão ser intensas como devem ser as brigas de quem se ama. E os nossos sonhos, altos, vão ser impossíveis como cada utopia de quem sempre prefere ir além. Porque quando você acordar, moça, vai saber que eu não existo. Vai saber que sou humano e minha merda fede e no meu peito, tem um coração quente. E vai saber que minha pele rabiscada é pura obra de arte. Pelo menos pra mim, moça. Pois pelo menos assim a gente vai perceber que quando você passar por mim, não vou fazer mais nada. E como anjo que sou, não existo, sou incolor, não tenho mais cheiro. Nem vou estar mais ali, como deveria, pra trocar segredos com seus ouvidos enquanto danço contigo, sorrindo.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Saudade


Quando me faltam motivos é que me invade toda certeza de quanto ainda preciso de você. Vejo toda essa chuva, toda essa morte, todo esse estrago, essa falta de sorte, esse enfado, todo esse nosso desatino dormindo em quartos separados. Se tudo aquilo que construímos desabou, ainda temos nossa derrota como trunfo, pois dela, já não podemos passar do fundo. E esse pessimismo vira como o tempo, na frente de nós. Quem sabe não é uma nova chance de resgatar o que um dia já pudemos chamar, pasmem, de amor.
Entro dentro de outras mulheres úmidas, louco, e não vejo nada, apenas sinto você. Gozo em você, gargalho e sorrio pra você e quando meu pau, brincalhão, resolve se omitir, é fato, tudo isso é por causa de você. Sua cintura é meu caminho de volta ao mundo, em lugares com meu nome, que inventei pra te levar pra passear.
A gente sabe que todos os outros foram uns babacas, figurantes, uns otários de porte, que jamais compreenderiam essa sensibilidade com cheiro, meu norte, que mora em seu olhar. Em olhos, seus olhos, meus melhores amigos, meus únicos amigos. Incansáveis, eles sentem minha falta e sofrem. Fazem você andar por aí cabisbaixa, moribunda, sem vida, sem combinar com seus falsos sorrisos, seus falsos beijos e seus falsos arrepios de desejo. Porque tudo isso agora é mentira. Porque depois de mim é puro blefe. Você sabe disso. E a cada madrugada se toca e pensa em mim olhando pro teto do quarto ou pro teto do céu, negro, feito de estrelas que não conseguem fazê-la dormir como meu corpo quente e calmo faria.
Quando me faltam certezas é que me invadem os melhores motivos pra escrever minhas palavras mais bonitas. Porque não quero mais estar errado quando sei que tudo o que mais preciso é de você ao meu lado, agora, me devorando, com seu corpo submisso, abdicando do seu chão. Sou tolo. Tão tolo. E meus gritos e minhas flores e minha poesia vão andando por aí em mãos erradas. E meus pés, sem chão, já não querem correr. E pra morrer, já basta meu peito que inventou meus pecados. E pra morrer, ao te ver, tão linda, já bastam todos esses nossos sambas que se bastam.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Vendi sua Kombi por uns litros de uísque

Ela tinha uma Kombi, um violão e muita vontade de viajar por aí. Ela tinha uma linda voz, um céu azul sem nuvens em seu peito e duas belas coxas que acabavam com todas as nossas discussões. Eu tinha um dente de ouro, alguns fios brancos e todas as minhas derrotas escancaradas na língua. Uma vez um troglodita me acertou na saída de um bar. Foi um baita golpe de barra de ferro na cara. Ela cuidou de tudo. Fiquei inchado, bem feio depois do bisturi, depois de colocar todo aquele titânio na fuça. Ela molhava uma toalha branca num pote com água gelada e ficava massageando as maçãs do meu rosto como uma diva. Ficávamos ouvindo Jerry LaCroix a tarde inteira. Depois ela chupava meu pau com sua fúria doce e molhada e me pedia uns tapas na cara. Vendi sua Kombi por uns litros de uísque do bom pra um carinha da praia. Soube que ele fez um rolo com um artista plástico e hoje a máquina tá quase irreconhecível, sem rodas, cheia de desenhos num desses picos meio new hippies. Nunca confiei muito em hippies. Tenho vontade de socá-los com esse papinho infanto-pederasta. Pior que os hippies, apenas os poetas. Uma vez sonhei que tinha que escolher entre deixar que matassem um ou fazê-lo servir gelo em meu uísque para sempre. Até hoje chamo o desgraçado pelo nome quando estou muito bêbado e meu copo está vazio. Malditas lembranças. Como quando ela dirigia a Kombi enquanto eu dormia de bruços, quase em coma, na parte de trás. A gostosa fazia questão de acelerar nos quebra molas. Pelo menos hoje, quando penso nisso, acho que ela gostaria de ver sua caranga longe de mim. Não queria aquele carro em minhas mãos, atropelando bichos de canto de estrada. O que eu podia fazer se os danados me procuravam? Deviam ser uns animais com tendências suicidas. Deviam passar o Natal sozinhos em algum bar, ouvindo blues, enquanto famílias felizes jantavam nas mesas ao lado. Com seus barulhos de risadas e talheres e crianças correndo. Como os sons dessa minha maldita depressão. Que fica me abraçando, acariciando meus pensamentos, aguando meu uísque. Ainda consigo lembrar dos seus seios e as vezes isso realmente anima o meu dia. Mas é verão e meu suor me deixa macambúzio, nostálgico. É tão quente aí fora e no meu peito esse buraco imenso deixa tudo tão frio. Ela tinha uma Kombi, um violão e muita vontade de viajar por aí. E sempre leva embora, desgraçada, minha alma, toda vez que penso nela entrando na frente daquele rifle.