quarta-feira, 21 de maio de 2008

12:27

Saiu sem dizer nada. Chegando ao balcão impediu que lhe fosse perguntado algo com um gesto, para continuar com olhos vidrados, a desbaratinar opções abraçadas pela poeira e vidro nas prateleiras. Amaciando os lábios secos com um gole de língua, retomou a concentração necessária pra definir seu companheiro nos próximos minutos de agonia. Esperava como a vida lhe ensinara. Deixava sua cabeça talhada em relevância, efervescida pelo que tivera conhecimento fazia apenas meia hora. Embebedava sua retórica com um pouco daquele líquido amargo, o suficiente para não tirar seus pensamentos do sutil espaço que separa a sobriedade do emocional relaxamento. Não estava ali para brincadeira como não estaria ali para nada além do seu objetivo, desde que o relógio jogara um 12:27 em seu colo, da parede oca do refúgio cinza a dois quarteirões dali.
Logo ela chegou com seu jeito colorido como a bermuda colada no corpo, denunciando-se aos bancos felizes que se ofereciam aos montes para sua carne em desfile, em seus deslizes de pensamento público. Era verde como todo o mato da serra e fria como todo o frio do sul. Seus olhos azuis eram como o cinza de São Paulo. Sua boca, vermelha como a urgência de uma criança. Era de uma falta de nexo sua beleza, que nem mesmo seria preciso afirmar a latente impossibilidade de definição do tipo de homem ideal para seu exílio num suposto casamento. Posto que sua atenção se voltara para minha camisa de botões com palmeiras e motivos havaianos, sequer tive noção de pena: preferi nublar sua cabeça com as nuvens pretas que minha retórica apressada, mas objetiva, trazia.
Acho que sim. Acho que ela percebera antes mesmo de meu tímido balbucio, que a chuva seria iminente em nossa vida. Uma chuva daquelas finas, que não passam nunca. Assim como nós não esqueceríamos jamais daquela esquina, daquela lanchonete ou daquele maldito 12:27 que nos separou pra sempre.

Um comentário:

denys disse...

não sei se vc se lembra,mas já lhe mandei um e-mail e há tempos que venho acompanhando o teu blog...então,tive a audácia de te add no meu,por considerar vc uma influência.Can I?