quinta-feira, 11 de outubro de 2007
Sobre o plástico, o vidro, a água e tudo que dá pra enxergar pelo outro lado
Desço contra o tempo certo. Já chego atrasado ao encontro marcado com a noite, latas de cerveja e umas caixas de som explodindo. Quero as de cabelo argentino. Quero aquelas observadoras, com um quê depressivo mesmo. Elas têm mais chance de entender toda minha loucura e falta de senso no trato com as pequenas coisas da vida. Preciso controlar minha fama, mas na maioria das vezes divirto-me com ela. Sei que é apenas um modo completamente deturpado de me enxergarem. Ninguém sabe o que vivi de verdade. Ninguém tava lá quando me amarraram, quando quiseram acabar com meus sonhos. Ninguém tava presente também nos momentos de brilho, de cor e de uma espécie de magia que somente eu conseguiria explicar. Somos o que vivemos; entupimos-nos de clichês querendo uma família com filhos correndo pra lá e pra cá. Mas não desisto porque ainda sou filho. Ainda quero um filho. Um moleque esperto que me dê tanto trabalho como orgulho. Chega de soldados. Chega de policies. Chega de termos em inglês. Se for pra descer que seja num papelão, na grama. Se for pra viajar que seja com uma grama decente. Se for pra suar que seja com endorfina. Se for me ligar, mulher, que seja de verdade. Não tenho tempo a perder porque tenho muito tempo pra perder por aí. Sou um gigante feito de folhas amassadas. Feito de tudo que joguei fora. Experimentei a metade dos trecos que quis, afinal não sou maluco. Algumas coisas não preciso ler, ouvir, nem assistir pra saber que são uma merda.
quinta-feira, 4 de outubro de 2007
Beautiful life
Fecho a janela por causa do vento. Já basta esse frio todo que sua ausência deixa entrar. Leio Capote e penso em como pude esperar tanto tempo pra conhecer a capacidade quase tola, de tão brilhante que ele tinha, em ser detalhista sem ser chato. Me choco em como me espanta o começo do mês vindo avisar que já tô sem grana. Minha sorte é meu café, minha cama e tudo aquilo que guardei pra jogar fora no futuro. Minha sorte são minhas corridas, o corpo dolorido. Vou seguindo esperando um você que já é quase completamente um só meu. Vivendo uma melancolia cheia de estilo, mas perecível, carregada pelo cheiro das bandas novas que a internet apresenta pra mim todo dia. Vou colando post-it em tudo pela casa, pelo corredor, pela rua. Renuncio o nome de cada coisa, inventado novos apelidos pra tudo. Novos nomes. Chega a ser tranqüila a fase de transição. Vou sentir uma saudade levemente doce de você qualquer dia. Nada que minha boca não ache por aí. É só a gente esquecer esse esquema blazé de não dar importância pras noites do caralho. Até porque a gente já teve várias. Peço pra você largar o set do Gui Boratto rolando alto mesmo. Vem me abraçar, vem. Tô nem aí pro teu batom forte, a gente se suja juntos.
terça-feira, 18 de setembro de 2007
Pangéia
Sinto o calor pela casa. É só entrar que já percebo sua presença em todo canto deliciosamente desarrumado, com aquele teu cheiro de canela pairando em cada poeira. Não precisa música nenhuma avisar, nem mesmo uma louça suja na pia. Sei que você é minha desgraça e dou gargalhadas com isso. Dou gargalhadas com cada olheira profunda, cada gosto ruim de cigarro na boca, com cada preto desbotado dos seus vestidos. Me desenho em suas tatuagens e mergulho com um copo na mão em nossas esquinas de desavenças, em todos os nossos pontos de fuga e perspectivas do nada. Seu cabelo ruivo serve pra ser arrancado com fúria, antes de um belo orgasmo ou depois de uma bela briga. Acabo com sua noção de família porque somos pai e filha, somos irmão e irmã, somos incesto, somos inferno e pura adrenalina. Somos uma espécie de Irlanda num mundo que Freud criou e depois pulou fora. Talvez o covarde quisesse admirar. Até porque a gente se admira, a gente se sacaneia. Moramos numa Pangéia que sempre acaba propondo uma trégua por gostarmos tanto um do outro. Essa sujeira que sua maquiagem produz parece menos melodramática quando existe um motivo decente empurrando você pro choro. Dentro dos meus conceitos cada vez menos coletivos, existo como um singular. Um nós de ases que vira um único rei. Um nó que um píer jamais criou, porque seria o jogo sem fim que ele de fato é. Sem dados, sem regras, nem prêmios. Já te disse que não quero troféus. Quero um café e um livro com você no frio. Quero dignidade em cada vergonha que leva meu nome estampado no peito. Aceito até a retórica mais ranzinza, porque não dá pra sorrir o tempo todo. E flores não, você tá cansada de saber que acho isso um saco.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Tudo assim, sem muito açúcar
Depois de 300 km na estrada finalmente cheguei em casa. Quer dizer, na dos meus pais. O fato de não ligar antes pra avisar deu realidade e mais cor aos seus sorrisos, amarelos e menos afetuosos.
O velho abriu a porta e eu segurei uma golfada. Tarimba de quem esta acostumado com ralos sempre tão pertos da fuça. Ele parecia um cadáver cheio de lamentações flutuando sob sua cabeça, ao som de alguma música fantasiosamente triste do whitest boy. Imaginei-o anos atrás, guardando seus sonhos num cofre e perdendo a chave em seguida. Imaginei uma moldura envidraçada mantendo todo seu lirismo guardado, junto de um martelo pendurado ao lado. Sua expressão não mudaria durante todo final de semana, permanecia a mesma, como seu embrulho de sofá.
Apesar da limpeza, pairava na casa uma nuvem densa, vinda de uma meia-dúzia de idéias covardes perdidas ou trazidas de algum lugar dos anos 80.
Ao sair, uma caveira, com ossos à mostra e tudo o mais, levou-me até a porta. Não dava pra saber se era meu pai ou minha mãe, afinal nunca fui especialista em esqueletos ou técnicas forenses.
Era segunda e fazia um sol danado. A música caribenha que escapava pelo quintal do lado, fugia junto de uma risada infantil. Guardei-a no bolso da camisa de forma discreta, pra soltar depois, junto com a fumaça de um baseado de skunk queimado na estrada. Voltaria pra cidade, pra minhas dívidas e todas nossas loucuras urbanas. Ainda com saudade de meus velhos, dirigia descalço, com um frasco de Metadona na mão direita e a cabeça bem além dos 140 por hora. Tudo assim, sem muito açúcar.
O velho abriu a porta e eu segurei uma golfada. Tarimba de quem esta acostumado com ralos sempre tão pertos da fuça. Ele parecia um cadáver cheio de lamentações flutuando sob sua cabeça, ao som de alguma música fantasiosamente triste do whitest boy. Imaginei-o anos atrás, guardando seus sonhos num cofre e perdendo a chave em seguida. Imaginei uma moldura envidraçada mantendo todo seu lirismo guardado, junto de um martelo pendurado ao lado. Sua expressão não mudaria durante todo final de semana, permanecia a mesma, como seu embrulho de sofá.
Apesar da limpeza, pairava na casa uma nuvem densa, vinda de uma meia-dúzia de idéias covardes perdidas ou trazidas de algum lugar dos anos 80.
Ao sair, uma caveira, com ossos à mostra e tudo o mais, levou-me até a porta. Não dava pra saber se era meu pai ou minha mãe, afinal nunca fui especialista em esqueletos ou técnicas forenses.
Era segunda e fazia um sol danado. A música caribenha que escapava pelo quintal do lado, fugia junto de uma risada infantil. Guardei-a no bolso da camisa de forma discreta, pra soltar depois, junto com a fumaça de um baseado de skunk queimado na estrada. Voltaria pra cidade, pra minhas dívidas e todas nossas loucuras urbanas. Ainda com saudade de meus velhos, dirigia descalço, com um frasco de Metadona na mão direita e a cabeça bem além dos 140 por hora. Tudo assim, sem muito açúcar.
terça-feira, 4 de setembro de 2007
Não daria pra comer aquela buceta com cheiro de talco roncando ao meu lado na freqüência dos cães no quintal
Olhei e a pia estava lá. Continuava cheia, mantendo um domínio sobre aquela situação que me colocava sob uma absurda humilhação completa. Queria dormir, queria apenas morrer um pouco pra acordar renascido, mas ela lá. No meio daquele lixo nojento: carne, podridão, miséria e falta de sentido. Meus dedos chegaram até o ralo já mortos, submersos na merda etílica. Mexia, mexia e nada. Precisaria dar outro jeito.
Da cozinha trouxe um pote de manteiga quase vazio, daqueles redondos, afinal um balde seria grande demais. Senti-me mais doente que o normal enchendo-o de vômito e despejando na privada. Um vai e vem contínuo. A pia era uma espécie de canoa cheia de esgoto. A privada, um mar cristalino pouco a pouco tomado por tudo que um corpo torto se credencia no direito de extirpar. Logo a depressão no centro daquela bancada de granito estava vazia e o chorume grosso escorria pelos esgotos da cidade. Meu vômito agora era problema das tubulações alheias. O Estado que desse seu jeito.
Lavei a mão e finalmente fui morrer em paz em uma silenciosa cama barulhenta. Não daria pra comer aquela buceta com cheiro de talco roncando ao meu lado na freqüência dos cães no quintal. No dia seguinte seria promovido. Vai entender?
Da cozinha trouxe um pote de manteiga quase vazio, daqueles redondos, afinal um balde seria grande demais. Senti-me mais doente que o normal enchendo-o de vômito e despejando na privada. Um vai e vem contínuo. A pia era uma espécie de canoa cheia de esgoto. A privada, um mar cristalino pouco a pouco tomado por tudo que um corpo torto se credencia no direito de extirpar. Logo a depressão no centro daquela bancada de granito estava vazia e o chorume grosso escorria pelos esgotos da cidade. Meu vômito agora era problema das tubulações alheias. O Estado que desse seu jeito.
Lavei a mão e finalmente fui morrer em paz em uma silenciosa cama barulhenta. Não daria pra comer aquela buceta com cheiro de talco roncando ao meu lado na freqüência dos cães no quintal. No dia seguinte seria promovido. Vai entender?
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
Só pra não ficar remoendo essa conversa de final de agosto
Sabia que era preciso ter algo a dizer, mas o oposto era justamente o que fascinava e alimentava suas vontades de tinta e papel. Transformar-se num velho murcho, cheio de adiantamentos a receber, praticamente exilado em uma vida de confortos simples numa casinha de alguma vila italiana, era o clichê que menos interessava pro futuro. Se fosse pra viver na Itália, seria sofrendo do fígado e calejando as partes baixas de forma digna.
Irritava o fato de cada indivíduo empurrado de uma vagina neste planeta se dizer capaz de escrever um livro. Todo mundo agora tinha um blog ou coluna em algum jornaleco pra latir ou coisa parecida. Parecia que de um dia pro outro, simplesmente qualquer ser vivo tinha algo a dizer ou, pelo amor de deus, as gráficas estavam cobrando barato pela tinta. Tipo foda-se a natureza.
Apesar do carimbo de classificação repugnante e ranzinza pairar sobre esse tipo de comentário, começava a enxergar brilho na época em que era preciso um segundo emprego pra ser um bom escritor ou uma herança na conta pra virar um péssimo. Tempos em que as coisas eram mais claras, definidas. Você sabia direitinho quem merecia um olho roxo. Não existia o ecstasy nem a música eletrônica pra espantar os demônios com o sol nascendo, mas costumava-se dar mais valor aonde se metia a pica. Quer dizer, se você não fosse um hippie deslumbrado. Questão de atitude, essas coisas.
Irritava o fato de cada indivíduo empurrado de uma vagina neste planeta se dizer capaz de escrever um livro. Todo mundo agora tinha um blog ou coluna em algum jornaleco pra latir ou coisa parecida. Parecia que de um dia pro outro, simplesmente qualquer ser vivo tinha algo a dizer ou, pelo amor de deus, as gráficas estavam cobrando barato pela tinta. Tipo foda-se a natureza.
Apesar do carimbo de classificação repugnante e ranzinza pairar sobre esse tipo de comentário, começava a enxergar brilho na época em que era preciso um segundo emprego pra ser um bom escritor ou uma herança na conta pra virar um péssimo. Tempos em que as coisas eram mais claras, definidas. Você sabia direitinho quem merecia um olho roxo. Não existia o ecstasy nem a música eletrônica pra espantar os demônios com o sol nascendo, mas costumava-se dar mais valor aonde se metia a pica. Quer dizer, se você não fosse um hippie deslumbrado. Questão de atitude, essas coisas.
terça-feira, 28 de agosto de 2007
Tolos diálogos curtos nº03
-E beijo, precisa de motivo pra mandar beijo?
-Não, claro que não. Mas também não pode ser um beijo jogado, tipo um emoticom largado.
-É. Faz sentido.
-Não, aí não. Sentido por exemplo, é o que menos precisa ter.
-Como assim? Um beijo sem sentido, representando nada, vira um simples código vazio.
-Nada disso. Um beijo é um beijo. Ele representa justamente o que a pessoa que recebeu, vai sentir.
-E como saber o que ela vai sentir?
-Cê tá querendo demais.
-Claro que não...não dá pra mandar um beijo e não pensar em saber o que a pessoa que recebeu está sentindo sobre o dito cujo.
-Cara, deixa de ser cri-cri...pára de querer respostas, coisas em troca.
-Não são simples coisas em troca. Pô...o olhar, o sorriso, o jeito que ela ficou depois de você dar o tal beijo.
-DAR o tal beijo? Pelo msn?
-Caralho. Desisto.
-Não, claro que não. Mas também não pode ser um beijo jogado, tipo um emoticom largado.
-É. Faz sentido.
-Não, aí não. Sentido por exemplo, é o que menos precisa ter.
-Como assim? Um beijo sem sentido, representando nada, vira um simples código vazio.
-Nada disso. Um beijo é um beijo. Ele representa justamente o que a pessoa que recebeu, vai sentir.
-E como saber o que ela vai sentir?
-Cê tá querendo demais.
-Claro que não...não dá pra mandar um beijo e não pensar em saber o que a pessoa que recebeu está sentindo sobre o dito cujo.
-Cara, deixa de ser cri-cri...pára de querer respostas, coisas em troca.
-Não são simples coisas em troca. Pô...o olhar, o sorriso, o jeito que ela ficou depois de você dar o tal beijo.
-DAR o tal beijo? Pelo msn?
-Caralho. Desisto.
terça-feira, 22 de maio de 2007
O letreiro da calçada da frente
Acordei com sua coxa em cima de mim. Retirei com pouco cuidado, dei a volta na cama de madeira, andei rápido e cambaleante até a privada. Tossi umas três ou quatro vezes antes de jogar pra fora uma deformidade azeda e viscosa. Um ligeiro bem estar invadiu meu corpo e oxigênio novo pareceu destampar meu septo, assim finalmente tive alguns segundos de paz, em semanas. Fui até a geladeira e abri uma long-neck. Voltei ao quarto e sentei-me na cadeira bamba da mesinha, depois de jogar alguns papéis amarelados e cheios de marcas de café no chão. Foi o tempo dela se levantar e praticamente pisar nas minhas pegadas do recente passeio de ida ao inferno. Dava pra escutar aquela boquinha linda botando pra fora um monte de podridão acumulado em seu estômago da última noite. Depois se sentou, passou as mãos ainda sujas no cabelo e cheia de pose, acendeu um cigarro. Eu bebia minha primeira cerveja do dia, ela fumava seu primeiro Hollywood da manhã. Ficamos assim um bocado de tempo, mas a cerveja e o cigarro não duraram tanto. Instantes depois estava fixado no letreiro do motel em frente, praticamente hipnotizado. Havia ficado o dia inteiro ali sentado de uma forma inútil e patética. Aquelas letras brilhavam de um jeito que acabava por irritar meus olhos. Eu lacrimejava e olhava aquele neon. Lacrimejava, me limpava e continuava olhando aquele neon. Foi a coisa mais importante do dia. Talvez do mês inteiro. Prometi escrever algo sobre aquele letreiro, num dos momentos em que curvei a cabeça e olhei minhas maltratadas unhas dos pés. Era um letreiro honesto, estava ali fazendo seu trabalho. Elétrico. Não tava de olho nos cheques de ninguém. Ficava ligado enquanto vagabundos e amantes entravam e saiam dali cheios de expectativa, frustrações e traumas. As pessoas insistiam nisso. Queriam se amar, queriam cheirar, queriam foder umas com as outras. Eram mulheres inseguras, junkies atrás de uma boa trepada, outros só precisando dormir. E eu ali, já suficientemente sóbrio pra entender que meu emprego tinha ido pro espaço, olhando aquele letreiro do outro lado do meu mundo.
terça-feira, 8 de maio de 2007
Sobre o pouco sentido que as coisas têm
Ela realmente seguia ouvindo minhas histórias e parecia querer mais. Sugava toda energia do bar, mas por incrível que pareça não fazia meu corpo sentir-se cansado ou deprimido com aquilo. Já havia motivos suficientes ao meu redor e durante meu dia a dia pra isso, afinal.
Seus seios eram lindos e tinham uma capacidade incrível de manter-me entusiasmado com nossa conversa. Mesmo sendo seu papo repleto de uma selvageria tensa e ao mesmo tempo macia, típico das mulheres mais centradas, era quase uma dádiva que dispensava qualquer espasmo de neurose ou purismo afetado em favor da diversão pura e simples.
Quando sentei ao seu lado já estava suficientemente bêbado para acreditar no amor, mas despejava com maestria todo meu estoque podre de histórias chocantes e escatológicas, como quem afugenta aquilo que mais se quer perto. Parecia querer testá-la com minha falta de apreço pela conjuntura social mínima que qualquer ocasião pede.
-A primeira vez que me jogaram lá foi numa instituição do governo. Eles tinham uma piscina que vivia cheia de merda dos malucos internados. Mas depois de tomar todos aqueles remédios servidos de tempo em tempo nos copinhos de café, quando você menos percebe tá procurando a liberdade justamente num mergulho naquele poço de esgoto.
-Te deram choques por lá?
-Não garota, os choques acabaram faz tempo.
Depois iniciamos uma conversa de horas sobre Tarantino’s Mind. Ela conseguia a proeza de apresentar mais teorias absurdas que Selton Mello e eu a proeza de ter a boca mais suja que ele. Numa dessas transições de assunto, não consegui terminar de falar. Me atacou com sua boca e língua macia. Era bom.
Tempos depois confessou que me achou meio babaca quando puxei aquele papo sobre Marcuse, mas tirando o asco misturado com curiosidade despertado pelo episódio da piscina em um sanatório público, viu que queria ser minha pela capacidade que eu tinha de não dar bola para os choques e incoerências do mundo. Eu não entendia muito bem aquilo e sabia que estaríamos eternamente flertando com o fracasso, mas com ela seguia suportando toda frustração de finalmente entender que a vontade de socar o planeta às vezes pode se tornar mansa, até com certa dignidade.
Fazíamos amor, bebíamos gim e vez por outra assistíamos a missa de mãos dadas. Tínhamos planos e carreiras não muito convencionais, mas promissoras. Depois de um tempo morando juntos, começamos a ganhar algum dinheiro. Tudo parecia estranhamente perfeito como aquele começo no bar. Eu sabia que nada precisava fazer lá muito sentido. Até porque nunca havia conseguido achar sentido em quase nada na vida.
Seus seios eram lindos e tinham uma capacidade incrível de manter-me entusiasmado com nossa conversa. Mesmo sendo seu papo repleto de uma selvageria tensa e ao mesmo tempo macia, típico das mulheres mais centradas, era quase uma dádiva que dispensava qualquer espasmo de neurose ou purismo afetado em favor da diversão pura e simples.
Quando sentei ao seu lado já estava suficientemente bêbado para acreditar no amor, mas despejava com maestria todo meu estoque podre de histórias chocantes e escatológicas, como quem afugenta aquilo que mais se quer perto. Parecia querer testá-la com minha falta de apreço pela conjuntura social mínima que qualquer ocasião pede.
-A primeira vez que me jogaram lá foi numa instituição do governo. Eles tinham uma piscina que vivia cheia de merda dos malucos internados. Mas depois de tomar todos aqueles remédios servidos de tempo em tempo nos copinhos de café, quando você menos percebe tá procurando a liberdade justamente num mergulho naquele poço de esgoto.
-Te deram choques por lá?
-Não garota, os choques acabaram faz tempo.
Depois iniciamos uma conversa de horas sobre Tarantino’s Mind. Ela conseguia a proeza de apresentar mais teorias absurdas que Selton Mello e eu a proeza de ter a boca mais suja que ele. Numa dessas transições de assunto, não consegui terminar de falar. Me atacou com sua boca e língua macia. Era bom.
Tempos depois confessou que me achou meio babaca quando puxei aquele papo sobre Marcuse, mas tirando o asco misturado com curiosidade despertado pelo episódio da piscina em um sanatório público, viu que queria ser minha pela capacidade que eu tinha de não dar bola para os choques e incoerências do mundo. Eu não entendia muito bem aquilo e sabia que estaríamos eternamente flertando com o fracasso, mas com ela seguia suportando toda frustração de finalmente entender que a vontade de socar o planeta às vezes pode se tornar mansa, até com certa dignidade.
Fazíamos amor, bebíamos gim e vez por outra assistíamos a missa de mãos dadas. Tínhamos planos e carreiras não muito convencionais, mas promissoras. Depois de um tempo morando juntos, começamos a ganhar algum dinheiro. Tudo parecia estranhamente perfeito como aquele começo no bar. Eu sabia que nada precisava fazer lá muito sentido. Até porque nunca havia conseguido achar sentido em quase nada na vida.
quinta-feira, 26 de abril de 2007
Notas de um mesmo assunto nº89
Chego em casa suado do trabalho pensando em quantas gafes tenho a habilidade de cometer por hora. Será que um dia alguém já foi promovido por isso? Se foi, pelo menos já tenho meu lugar garantido no paraíso corporativo, mesmo odiando esses jogos de escritório. Brincadeira que sempre deixo para trás como um tabuleiro aberto, em cima de todas as mesas que passo, nos prédios comerciais que apodreço. Penso em ligar pra ela e escrevo pela terceira vez uma nova mensagem diferente no celular. Uma daquelas bem típicas: que nunca mando. Meus celulares vivem estragando de tanto que eu gasto seus botões escrevendo coisas que nunca mando. Fico imaginando o que ela deve estar fazendo de tão interessante já que tudo o que penso sobre ela quando penso nela parece ser interessante. Acho engraçado imaginar que pode estar cagando agora, mas me desconcentro em desconforto quando lembro que ela pode sim estar literalmente cagando. Pra mim. Mas essa minha forma tão arredia de lidar com jogos difíceis de ganhar tem nome: minha veia masculina. É o preço que pago por ser assim. É o preço que pago por acabar achando que é tudo sempre um jogo. Será que todo cara quer ganhar tanto do jeito que eu sempre quero ganhar? Resolvo arrumar meu apê. Pelo menos assim consigo suar fazendo alguma coisa que preste, já que odeio malhar. Apesar de estar tão bem ambientado com o estilo largado que vem estampado na etiqueta e no meu manual de instruções há tempos, acho engraçado como ainda gosto de livrar minha cabeça da deprê simplesmente limpando meu canto. Tem coisa que nunca muda mesmo. Enquanto olho mais uma vez seu nome no celular que briga com meu dedo para não te ligar mais uma vez sem o menor assunto, vem outro nome e aparece brilhando em seu lugar. Parece que as pessoas que você não dá à mínima desenvolvem uma capacidade assustadora de aparecer sempre exatamente quando você quer ficar sozinho.
quarta-feira, 25 de abril de 2007
Duas crianças e um banheiro
Eu tinha duas crianças e um banheiro. Cê precisava ver o tamanho dos meus peitos, ameaçavam tocar o chão. Uma boa dose por dia e um cheque no final de todo mês sustentavam aquele circo. Meus filhos eram dois bravos soldadinhos. Com certeza aprontariam muito quando os pêlos invadissem seus corpos. Por ora tomavam sua sopa de tomate magra, uma mistura de catchup e água quente, sem reclamar. Era o que dava pra pagar, pelo menos o que sobrava depois de uns bons tragos. Após o banho, quando eu começava a raspar minhas pernas na banheira, às vezes eles ficavam me observando pela porta encostada, com olhinhos arregalados. Será que sentiam nojo de mim? Acho que não. Minha cabeça era uma bagunça, aquela casa era uma bagunça, minhas varises eram uma bagunça. Era um sobrado pequeno, mas aconchegante. Pela manhã nunca deixei faltar cereal e um belo blues rolando no rádio. Alto. Eu tinha duas crianças e um banheiro.
terça-feira, 24 de abril de 2007
Porque a paz chega aos poucos
Era uma tarde de abril como outra qualquer, com vento e sol. Uma vida de trabalho duro com o boxe foi capaz de ensinar muitas coisas para aquele agora cansado senhor sentado em seu carro. Cento e nove lutas como boxeador, seguidas de quase quarenta anos como treinador profissional. Aprendera com a dança das pernas, com o raciocínio dentro de cada movimento premeditando um soco. Sua vida e o boxe estavam tão ligados, que seria impossível lembrar-se dele sem sentir aquele cheiro acre de um ginásio suado. Aprendera o sentido da derrota e o sacrifício para se conquistar um soco limpo, um ponto, uma luta ou um título. É verdade que nunca ganhara muito dinheiro com isso. Os velhos tempos não eram como hoje. Não se sabia muito bem o valor do marketing e sequer imaginavam fechar contratos tão milionários como os de agora. Mas o sangue que jorrava e jorra nas primeiras filas de um ringue sempre foram e sempre serão o mesmo. Aquele líquido pastoso, vermelho. De um vermelho brilhante quase como o laranja de seu Dodge novo. Um carro comprado à vista para sua tão aguardada viagem de aposentadoria. Estava tudo programado. Uma visita ao Jockey, quem sabe um páreo, uma passada no bar da academia, agora vendida, para após isso sim, partir para a estrada. Uma viagem sem volta. Um adeus a cada quilômetro rodado. Tudo de forma contida, como quem conversa com o sol ou com as estrelas. Um final digno para um rosto cansado e retalhado, sem bilhetes de despedida. Sem pressa, porque a paz, ele nunca cansara de repetir, chegava aos poucos.
sexta-feira, 13 de abril de 2007
Seu colo me olhou de relance e mal deu tempo de esquecer como era precioso descansar a cabeça ali
O cheiro das garrafas já se misturava ao bafafá das vozes e suas conversas loucas quando cheguei. Todos tão suados e tão felizes. Pareciam malditos bonecos em uma fila de precipício, doidos pra pular. Seu colo me olhou de relance e mal deu tempo de esquecer como era precioso descansar a cabeça ali. Aquelas pedras no chão formavam uma calçada fina, que garantia todas as respostas sobre a separação entre o céu do inferno. O calor amenizado por vidros caramelados cheios de cerveja gelada em abrigo, era signo. Logo o sol foi dormir e a tarde foi pra noite, que veio pro dia, que virou ao avesso falsas poesias. Autores trocados, intrigados em mesas de uma homenagem a tudo que é insano e barato. E eu ali, falando baixinho em seu ouvido tudo aquilo que combinei não dizer.
terça-feira, 3 de abril de 2007
Eu odeio filosofia
Benny voltou da cozinha com uma garrafa de vodka nas mãos. Desde que chegou, Vick estava daquele jeito, e tirando as vezes em que ela se levantou para pegar um pouco mais de suco na geladeira, não parecia ter se movido. O problema é que a ficha de que estava pelada em cima de uma dessas esteiras de yoga falando aquele monte de bobagens, só havia caído agora que ele voltara da maldita cozinha. Com a garrafa numa das mãos, um balde de gelo em outra e um cigarro trôpego quase queimando seus lábios, ficou alguns minutos parado no hall da sala.
-Que houve Benny? Cê voltou a cheirar? – disse Vick, nua em pêlos.
-Cê tá pelada Vick? – respondeu.
-Desde que você chegou.
-Cê tá falando toda essa merda sobre mais-valia, proletariado, Grécia, vibradores, histeria feminina e o escambau, pelada?
-Qual o problema? Você acha que meu corpo esvazia meu discurso?
(pausa)
-Não.
Benny parecia não ter se acostumado com a atmosfera universitária. Todos aqueles livros de autores franceses espalhados, aquele monte de bebidas baratas e drogas malhadas, aquela falta de banho. Nada daquilo entrava muito bem em sua cabeça. E agora que tinha finalmente reparado, percebeu que não só Vick, mas várias pessoas estavam peladas. Como um bom carcamano moralista, saiu pra tomar ar no quintal. Beth estava lá fora sozinha fumando. Aproveitou pra filar um.
-Me arruma?
-mmm.- ela estendeu a mão levando o maço mais perto.
-Se importa de eu fumar aqui contigo?
-mmm. – Beth sacudiu a cabeça liberando sua presença. Ela também estava sem roupas.
-Porque eu tenho a sensação de que tá todo mundo nu?
-Sei lá Benny, cê devia relaxar mais cara. As provas estão te deixando tenso.
-É. Deve ser isso. Malditas provas. – disse sem muita convicção.
A lua estava imensa como há muito tempo não se via. Benny resolveu ir pra casa. Aquele ambiente parecia tê-lo deixado cansado. Precisava de um pouco de normalidade, de um noticiário sensacionalista, de um achocolatado, de uma ex enchendo o seu saco ou só de um pouco de raiva. Qualquer coisa que o trouxesse mais pra perto da realidade. Vick continuou pelada na sala até quase de manhã, mas não transou com ninguém. Repetia para qualquer ereção mais espertinha que aparecesse em sua frente, que seu namorado estava de férias no Marrocos. Provavelmente trepando até com camelos. Já Benny, em casa, só reparou a folha colada atrás de sua camisa no dia seguinte. Trazia "eu odeio filosofia" escrito em letras garrafais.
-Que houve Benny? Cê voltou a cheirar? – disse Vick, nua em pêlos.
-Cê tá pelada Vick? – respondeu.
-Desde que você chegou.
-Cê tá falando toda essa merda sobre mais-valia, proletariado, Grécia, vibradores, histeria feminina e o escambau, pelada?
-Qual o problema? Você acha que meu corpo esvazia meu discurso?
(pausa)
-Não.
Benny parecia não ter se acostumado com a atmosfera universitária. Todos aqueles livros de autores franceses espalhados, aquele monte de bebidas baratas e drogas malhadas, aquela falta de banho. Nada daquilo entrava muito bem em sua cabeça. E agora que tinha finalmente reparado, percebeu que não só Vick, mas várias pessoas estavam peladas. Como um bom carcamano moralista, saiu pra tomar ar no quintal. Beth estava lá fora sozinha fumando. Aproveitou pra filar um.
-Me arruma?
-mmm.- ela estendeu a mão levando o maço mais perto.
-Se importa de eu fumar aqui contigo?
-mmm. – Beth sacudiu a cabeça liberando sua presença. Ela também estava sem roupas.
-Porque eu tenho a sensação de que tá todo mundo nu?
-Sei lá Benny, cê devia relaxar mais cara. As provas estão te deixando tenso.
-É. Deve ser isso. Malditas provas. – disse sem muita convicção.
A lua estava imensa como há muito tempo não se via. Benny resolveu ir pra casa. Aquele ambiente parecia tê-lo deixado cansado. Precisava de um pouco de normalidade, de um noticiário sensacionalista, de um achocolatado, de uma ex enchendo o seu saco ou só de um pouco de raiva. Qualquer coisa que o trouxesse mais pra perto da realidade. Vick continuou pelada na sala até quase de manhã, mas não transou com ninguém. Repetia para qualquer ereção mais espertinha que aparecesse em sua frente, que seu namorado estava de férias no Marrocos. Provavelmente trepando até com camelos. Já Benny, em casa, só reparou a folha colada atrás de sua camisa no dia seguinte. Trazia "eu odeio filosofia" escrito em letras garrafais.
segunda-feira, 2 de abril de 2007
play
Como cada música que me faz lembrar você.
Cada som que me permite sair um pouco
e ver luz onde só há uma noite de lua,
maravilhosamente cheia.
Novos downloads que avançam
em novos downloads
que avançam em novos downloads.
Só importa o volume onde tudo acontece.
Preciso de uma caixa de som
e um botão girando.
Um botão girado.
e ver luz onde só há uma noite de lua,
maravilhosamente cheia.
Novos downloads que avançam
em novos downloads
que avançam em novos downloads.
Só importa o volume onde tudo acontece.
Preciso de uma caixa de som
e um botão girando.
Um botão girado.
terça-feira, 27 de março de 2007
Rum nº2
A gente se conheceu meio por acaso. Numa feira que armam aos sábados perto do meu prédio. Dá pra ver da janela. Geralmente quando acordo com aquelas vontades de me tornar um cara mais saudável de novo, acabo passando por lá a procura de frutas. Pareço um ecologista tarado. Compro quilos de coisas coloridas que depois ficam pretas na fruteira. Uma vez até me deprimiu ver um cacho de bananas podre, cheio de moscas voando por cima, ao chegar em casa com o dia já claro de uma noitada. Enfim, perguntei o nome dela enquanto provava um pedaço de abacaxi numa das muitas tendas enfileiradas pela rua. Estava de óculos e tinha uma bunda que chamou minha atenção de cara. Esses tecidos finos que algumas mulheres usam conseguem me tirar do sério. Vestia uma camisa branca com a logomarca de uma academia ou tipo de luta israelense, sei lá. Esse lance até me intimidou um pouco, mas depois só lembrava disso com certa graça. Principalmente quando estava colocando nela de quatro. Apesar dos óculos darem uma aparência mais séria, algo intelectual ou coisa parecida, ela só lia coisas sobre mulheres. Para colar o velcro faltava pouco. Eram desde heroínas da revolução sexual até a história das mulheres no evangelho. Não me pergunte por que, nem como, mas depois da tal feira e de algumas tentativas completamente fracassadas de conseguir tirar um sorriso dela, estávamos tomando um suco numa lanchonete dessas que só de ficar no balcão você já se sente mais saudável, perto dali. Ela com sua sacola hippie cheia de coisas verdes saltando pra fora e eu com meus quilos coloridos de frutas. Deve ter sido a única vez que dividimos um copo de suco na vida. Não que ela não tivesse esse hábito, mas eu geralmente misturava rum a qualquer coisa. Fica muito melhor.
quinta-feira, 22 de março de 2007
Cenouras
-Vou ter que viajar. Cê sabe, trabalho...
-Mas você trabalha aqui.
-Uma proposta. Uma proposta irrecusável.
-Então você não vai viajar, vai se mudar.
-Mais ou menos.
-Como mais ou menos, isso tá me parecendo um fato!
-Tem cerveja na geladeira?
-Não, estavam ocupando o espaço inteiro. Joguei fora pra colocar minhas cenouras.
-Elas estavam em promoção de novo?
-Sim.
-Depois que você comprou esse processador, tá um saco sabia?
-(pausa longa)...São Paulo?
-Não, nordeste.
-Lá tem cenoura?
-Acho que sim, no mundo todo devem existir cenouras.
-Mas será que lá são daquele tipo “importado”, que chegam congeladas?
-Tô cagando pra isso.
-Te amo.
-Tô com sede.
-Quer suco?
-Mas você trabalha aqui.
-Uma proposta. Uma proposta irrecusável.
-Então você não vai viajar, vai se mudar.
-Mais ou menos.
-Como mais ou menos, isso tá me parecendo um fato!
-Tem cerveja na geladeira?
-Não, estavam ocupando o espaço inteiro. Joguei fora pra colocar minhas cenouras.
-Elas estavam em promoção de novo?
-Sim.
-Depois que você comprou esse processador, tá um saco sabia?
-(pausa longa)...São Paulo?
-Não, nordeste.
-Lá tem cenoura?
-Acho que sim, no mundo todo devem existir cenouras.
-Mas será que lá são daquele tipo “importado”, que chegam congeladas?
-Tô cagando pra isso.
-Te amo.
-Tô com sede.
-Quer suco?
segunda-feira, 5 de março de 2007
Assim
Quero-te simples como esta janela.
Dela dá pra ver a praça, as folhas no chão.
O sol do céu parece sem graça.
Pra ele qualquer um pode estender a mão.
Celebro toda a paz das vontades fúteis. Toda a liberdade fajuta desses belos fins de tarde.Todos meus gostos e vícios massificados. Tudo o que não é glamourizado. Minhas vitórias fáceis e absurdas. Meus mais brilhantes fracassos. Aquelas vontades de beira de estrada. Uma música de rádio amarelada. Tudo o que corre o risco de ser burro e unânime. Hoje quero esse tipo de sensação. Talvez por estar realmente cansado de dar qualquer tipo de satisfação. Urro de felicidade a cada simples conversa em que podemos chegar além. A cada frase em forma de sussurro, aberta em um espaço coletivo que joga fora a dor. Ou troca ela por algo maior. Essa cumplicidade que o acaso incita. Quilos de incertezas do fundo de nossas entranhas, para as companhias que a lua escolhe como os melhores ouvintes. A legitimidade que a coragem dá. Celebro seu sexo lindo. Celebro nossos erros em forma de poesia suja e nosso amor em forma da mais linda busca. Dou-te o brilho de cada lágrima que permito deixar cair. São suas. São minhas. Minhas dores. Nossas dores. Dores do mundo. Buscas que de tão justas merecem o reconhecimento de continuar. Sabem que esse caminhar aviva. Que quanto mais troféus essas prateleiras suportam, mais acabo me distanciando dos lugares seguros. Mas não caia na tentação de ter medo. Minha excentricidade será uma simples rebeldia inexata, porque ela nem sempre existe. Ela pára. Ela se balança na rede ociosa dos sonhos pueris. De cada avião que vejo no céu e penso "pra onde será que vai esse desgraçado?". Achar que mereço ter você é um achado raro, que mistura a certeza de todo nosso amor e de todo o nosso fracasso. De todo o nosso passado e futuro raso. De todo ensaio que amasso e jogo fora. De toda saída com jeito de quem realmente vai embora. De todo aquele teu lindo sorriso de sofá. De toda essa baía de dúvidas. Mereço esse anzol preso em minha boca e este alvo pintado em minha cabeça. Sei que meu peito acha bonito ficar desprotegido, mas não me sinto aflito. Sinto-me forte. Tatuado. Rumo a tudo que desconheço. Rumo à minha sorte. Rumo ao barulho de cachorros latindo no quintal. Latidos de "oi". Porque latidos de medo eu deixo pra você. Porque folhas secas de outono eu deixo pra você. Porque as velhas intrigas inúteis eu deixo pra você. Fico com a chance de não te prometer nada, nem amor desatinado, nem abrigo. Nem o mais puro riso. Se te quero é assim.
Dela dá pra ver a praça, as folhas no chão.
O sol do céu parece sem graça.
Pra ele qualquer um pode estender a mão.
Celebro toda a paz das vontades fúteis. Toda a liberdade fajuta desses belos fins de tarde.Todos meus gostos e vícios massificados. Tudo o que não é glamourizado. Minhas vitórias fáceis e absurdas. Meus mais brilhantes fracassos. Aquelas vontades de beira de estrada. Uma música de rádio amarelada. Tudo o que corre o risco de ser burro e unânime. Hoje quero esse tipo de sensação. Talvez por estar realmente cansado de dar qualquer tipo de satisfação. Urro de felicidade a cada simples conversa em que podemos chegar além. A cada frase em forma de sussurro, aberta em um espaço coletivo que joga fora a dor. Ou troca ela por algo maior. Essa cumplicidade que o acaso incita. Quilos de incertezas do fundo de nossas entranhas, para as companhias que a lua escolhe como os melhores ouvintes. A legitimidade que a coragem dá. Celebro seu sexo lindo. Celebro nossos erros em forma de poesia suja e nosso amor em forma da mais linda busca. Dou-te o brilho de cada lágrima que permito deixar cair. São suas. São minhas. Minhas dores. Nossas dores. Dores do mundo. Buscas que de tão justas merecem o reconhecimento de continuar. Sabem que esse caminhar aviva. Que quanto mais troféus essas prateleiras suportam, mais acabo me distanciando dos lugares seguros. Mas não caia na tentação de ter medo. Minha excentricidade será uma simples rebeldia inexata, porque ela nem sempre existe. Ela pára. Ela se balança na rede ociosa dos sonhos pueris. De cada avião que vejo no céu e penso "pra onde será que vai esse desgraçado?". Achar que mereço ter você é um achado raro, que mistura a certeza de todo nosso amor e de todo o nosso fracasso. De todo o nosso passado e futuro raso. De todo ensaio que amasso e jogo fora. De toda saída com jeito de quem realmente vai embora. De todo aquele teu lindo sorriso de sofá. De toda essa baía de dúvidas. Mereço esse anzol preso em minha boca e este alvo pintado em minha cabeça. Sei que meu peito acha bonito ficar desprotegido, mas não me sinto aflito. Sinto-me forte. Tatuado. Rumo a tudo que desconheço. Rumo à minha sorte. Rumo ao barulho de cachorros latindo no quintal. Latidos de "oi". Porque latidos de medo eu deixo pra você. Porque folhas secas de outono eu deixo pra você. Porque as velhas intrigas inúteis eu deixo pra você. Fico com a chance de não te prometer nada, nem amor desatinado, nem abrigo. Nem o mais puro riso. Se te quero é assim.
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007
Toda essa nossa falta de assunto
Pegou o telefone encardido e ligou.
-Camile?
-Oi. É você Buck?
-Quantos homens te procuram?
-Muitos.
-(silêncio) Queria te convidar para um almoço.
-Como assim? Cê tá bêbado?
-Queria almoçar com você.
-Hoje?
-Sim, mais tarde. Quero comemorar.
-O que? Terminou o livro?
-Não. Queria celebrar toda essa nossa falta de assunto.
Camile riu.
Ainda ensaiou um bolo, mas resolveu aparecer. Estava com um vestido lindo, mas era repetido. Apesar de suas incertezas em relação a Buck, não queria que ele a visse assim. Repetida. Menos pelo que sentia por ele, mais por sua vaidade rasgada.
Depois de receber um belo adiantamento pelo seu quinto romance, Buck estava passando por uma fase que ele conhecia bem e não era nada boa. Estava com mais da metade do livro pronto, sabia exatamente o que queria de cada personagem, mas, justamente por isso não acabava nunca de escrever o dito cujo.
No restaurante, mal puxou a cadeira e os belos olhos de Camile cerraram.
-Agora que você recebeu essa grana está um porre sabia?
-Por que?
-Bebe os melhores vinhos, vai as melhores festas, toma as melhores drogas, usa todo o seu tempo para fazer coisas interessantes e depois fica arrotando esse amorzinho enlatado pra cima de mim.
-Odeio enlatados.
-Eu odeio você.
Camile levantou-se e foi embora. Mais uma vez não esperou a comida chegar. Dessa vez sequer pediram. Como de costume, um chope logo socorreu Buck na mesa. Também não havia pedido. Logo chegaram outros que o ajudaram a aguardar pacientemente a tarde cair. Ele amava aquela mulher.
-Camile?
-Oi. É você Buck?
-Quantos homens te procuram?
-Muitos.
-(silêncio) Queria te convidar para um almoço.
-Como assim? Cê tá bêbado?
-Queria almoçar com você.
-Hoje?
-Sim, mais tarde. Quero comemorar.
-O que? Terminou o livro?
-Não. Queria celebrar toda essa nossa falta de assunto.
Camile riu.
Ainda ensaiou um bolo, mas resolveu aparecer. Estava com um vestido lindo, mas era repetido. Apesar de suas incertezas em relação a Buck, não queria que ele a visse assim. Repetida. Menos pelo que sentia por ele, mais por sua vaidade rasgada.
Depois de receber um belo adiantamento pelo seu quinto romance, Buck estava passando por uma fase que ele conhecia bem e não era nada boa. Estava com mais da metade do livro pronto, sabia exatamente o que queria de cada personagem, mas, justamente por isso não acabava nunca de escrever o dito cujo.
No restaurante, mal puxou a cadeira e os belos olhos de Camile cerraram.
-Agora que você recebeu essa grana está um porre sabia?
-Por que?
-Bebe os melhores vinhos, vai as melhores festas, toma as melhores drogas, usa todo o seu tempo para fazer coisas interessantes e depois fica arrotando esse amorzinho enlatado pra cima de mim.
-Odeio enlatados.
-Eu odeio você.
Camile levantou-se e foi embora. Mais uma vez não esperou a comida chegar. Dessa vez sequer pediram. Como de costume, um chope logo socorreu Buck na mesa. Também não havia pedido. Logo chegaram outros que o ajudaram a aguardar pacientemente a tarde cair. Ele amava aquela mulher.
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
Reza de porto
Barco vai, barco à toa.
Leva nesse azul de sal nossa dor.
Mar já vem, ave que voa.
Renega todo o perfume que tem.
Santa me ilumina de perto.
Lembre da fé que tenho no peito.
Sou feito de chão, feito de vento.
Respeito esse velho ancião.
Irmão até algum dia incerto.
Vê se teu sangue liga o motor.
Sai de perto das flores do medo.
Busque teu peixe sem mãe nem rancor.
Sou do pé de euforia.
Parto pro porto sem mandinga.
Cheiro de coco me contagia.
Rezo pra João e rezo pra Maria.
Barco vai, barco à toa.
Deixa esse nosso sol se pôr.
Mar já vem, vou na boa.
Levo presentes pro meu amor.
Leva nesse azul de sal nossa dor.
Mar já vem, ave que voa.
Renega todo o perfume que tem.
Santa me ilumina de perto.
Lembre da fé que tenho no peito.
Sou feito de chão, feito de vento.
Respeito esse velho ancião.
Irmão até algum dia incerto.
Vê se teu sangue liga o motor.
Sai de perto das flores do medo.
Busque teu peixe sem mãe nem rancor.
Sou do pé de euforia.
Parto pro porto sem mandinga.
Cheiro de coco me contagia.
Rezo pra João e rezo pra Maria.
Barco vai, barco à toa.
Deixa esse nosso sol se pôr.
Mar já vem, vou na boa.
Levo presentes pro meu amor.
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007
Um dia perfeito
Era um dia perfeito. Dirigi meu velho carro azul até atrás da casa verde como de costume. Peguei drogas baratas. Combinariam perfeitamente com minhas férias baratas. Dava pra sentir a mistura de sol, cocaína e gim passeando pelo meu sangue e saindo por cada um de meus poros. Dava pra sentir o cheiro de todos os livros que queimei no dia anterior. Letras impressas em papéis povoados por gerações de ácaros preguiçosos. Letras cheias de rancor, interesse, oportunismo e vontade de conquistar um coração. Sempre isso. Mas seguia com meus planos de neon em beira de estrada. Nada me afetaria. Respirava gasolina. Meus pensamentos iam ficando mais sujos a cada quilometro que deixava para trás. Dava pra sentir a boca de Alice engolindo a cabeça do meu pau duro como quem morde um pêssego. Acariciar o lado de seu corpo trazia sempre uma felicidade dupla. Dava pra sentir sua pele incrivelmente macia para uma viciadinha, além do alívio de perceber que continuava viva. Mas isso era relativo. Eu estava morto, o cara da recepção do hotel estava morto, todas as mulheres do mundo estavam mortas e até o Jesus Cristo tatuado em meu peito berrava de tão morto. Tudo que o rastro laranja de sol daquele fim de tarde insistia em deixar mais bonito com seu filtro de vida colorida, estava morto. Um quarto gorduroso e poeirento com uma bela buceta, drogas baratas e um puta sol rosa-alaranjado invadindo o carpete e acordando as persianas imundas, conseguia seguir celebrando toda aquela falta de sentido. Era um dia perfeito. Somente um dia perfeito.
quarta-feira, 31 de janeiro de 2007
Todo esse nosso maldito erro que atrai
Me visto em situações nas quais insisto em absorver a paz que nunca vou poder ter. O barulho tão confortável da pressão de uma tampa saindo, é aberto envolvendo sensações que me deixam só com mais sede. Cada gole que tomo de seu olhar irrita minha garganta. Me sufoca. Me ofusca. Mas se é doente a ironia que preza uma paz insubstituível ao sinal do fim de um mal que atrai, as fragrâncias de seus vetos colocam meu reto de cara pra um medo sem freio. Fizeram a gente acreditar em tanta coisa que me sinto marginal a cada novo passo que dou, a cada novo dia que sou.Já que poder ver um novo pôr-do-sol contigo é tão difícil, enveredo em cada bendita pedra portuguesa que abriga essa minha correria. Marchas feitas de suor e vento, sempre digerindo novas certezas fáceis de engolir. Se são elas amaciadas pela dor ou requentadas pelo calor de um final de noite regado a vinho, não importa. Assim tudo sempre acabou bem.Saio de meu próprio centro quando você está onde estou. É. Nem sei como seria nós dois. Verdade. Periga uma coisa dessas nunca poder acontecer, pois arruinaria eternamente o raro filão das histórias tristes. Há tempos elas vem se garantindo em dois personagens como a gente. Já investiram muito talento pra isso não dar certo. Em todo esse capricho de tempo e lugar no espaço. Em todo esse nosso maldito erro que atrai.
Assinar:
Postagens (Atom)