terça-feira, 22 de maio de 2007

O letreiro da calçada da frente

Acordei com sua coxa em cima de mim. Retirei com pouco cuidado, dei a volta na cama de madeira, andei rápido e cambaleante até a privada. Tossi umas três ou quatro vezes antes de jogar pra fora uma deformidade azeda e viscosa. Um ligeiro bem estar invadiu meu corpo e oxigênio novo pareceu destampar meu septo, assim finalmente tive alguns segundos de paz, em semanas. Fui até a geladeira e abri uma long-neck. Voltei ao quarto e sentei-me na cadeira bamba da mesinha, depois de jogar alguns papéis amarelados e cheios de marcas de café no chão. Foi o tempo dela se levantar e praticamente pisar nas minhas pegadas do recente passeio de ida ao inferno. Dava pra escutar aquela boquinha linda botando pra fora um monte de podridão acumulado em seu estômago da última noite. Depois se sentou, passou as mãos ainda sujas no cabelo e cheia de pose, acendeu um cigarro. Eu bebia minha primeira cerveja do dia, ela fumava seu primeiro Hollywood da manhã. Ficamos assim um bocado de tempo, mas a cerveja e o cigarro não duraram tanto. Instantes depois estava fixado no letreiro do motel em frente, praticamente hipnotizado. Havia ficado o dia inteiro ali sentado de uma forma inútil e patética. Aquelas letras brilhavam de um jeito que acabava por irritar meus olhos. Eu lacrimejava e olhava aquele neon. Lacrimejava, me limpava e continuava olhando aquele neon. Foi a coisa mais importante do dia. Talvez do mês inteiro. Prometi escrever algo sobre aquele letreiro, num dos momentos em que curvei a cabeça e olhei minhas maltratadas unhas dos pés. Era um letreiro honesto, estava ali fazendo seu trabalho. Elétrico. Não tava de olho nos cheques de ninguém. Ficava ligado enquanto vagabundos e amantes entravam e saiam dali cheios de expectativa, frustrações e traumas. As pessoas insistiam nisso. Queriam se amar, queriam cheirar, queriam foder umas com as outras. Eram mulheres inseguras, junkies atrás de uma boa trepada, outros só precisando dormir. E eu ali, já suficientemente sóbrio pra entender que meu emprego tinha ido pro espaço, olhando aquele letreiro do outro lado do meu mundo.

5 comentários:

Grupo disse...

Adorei o letreiro. Só não mais que o texto.
Esses dias sonhei com você (não duvide tão prematuramente de minha masculinidade). Sonhei que pegava vários textos meus, e desses vários, você achou um e comentou:
- Talvez tenha futuro. Quem sabe... Já ví piores.
Você estava beba eu estava bebado. Foi um puta sonho. Me fez escrever duas vezes mais.

Voltando ao texto. Muito bom, obrigado.

André Aires disse...

Letreiro neon...

Seria a bela Tijuca ou a Praça Mauá? Tantos letreiros para se imaginar... tantos lugares para trepar. Só não concordo com tantos precisando dormir. Pois onde há néons não há escuridão, nem luz descente. Fantasias nem sempre são amareladas, iluminadas ou cheias de decência. Para muitas mulheres eu diria que são roxas, para bichas e travestis eu diria lilás. Para mim, está mais puxado pro rosinha mesmo, bem feminino e com muita luz em cima, se for possível. Esse é o efeito neon e suas variações loucas. He,he,he...

Boa, rapaz!!!

Abraços.

THORPO disse...

Gostei. Achei o mais fluente dos teus últimos textos que li. Vejo muito Bukowiski aqui, mas não como uma cópia dele e sim algo orgânico. Está escrevendo bem, cara.

Grupo disse...

Saudades dos teus escritos...
O que deles foram feito?

Abraço
Sou teu fã

MoiZa

Julia Maia Lambert disse...

ei... tá fazendo greve??? saudades de ler vc!!!

beijo imenso!