terça-feira, 18 de setembro de 2007

Pangéia

Sinto o calor pela casa. É só entrar que já percebo sua presença em todo canto deliciosamente desarrumado, com aquele teu cheiro de canela pairando em cada poeira. Não precisa música nenhuma avisar, nem mesmo uma louça suja na pia. Sei que você é minha desgraça e dou gargalhadas com isso. Dou gargalhadas com cada olheira profunda, cada gosto ruim de cigarro na boca, com cada preto desbotado dos seus vestidos. Me desenho em suas tatuagens e mergulho com um copo na mão em nossas esquinas de desavenças, em todos os nossos pontos de fuga e perspectivas do nada. Seu cabelo ruivo serve pra ser arrancado com fúria, antes de um belo orgasmo ou depois de uma bela briga. Acabo com sua noção de família porque somos pai e filha, somos irmão e irmã, somos incesto, somos inferno e pura adrenalina. Somos uma espécie de Irlanda num mundo que Freud criou e depois pulou fora. Talvez o covarde quisesse admirar. Até porque a gente se admira, a gente se sacaneia. Moramos numa Pangéia que sempre acaba propondo uma trégua por gostarmos tanto um do outro. Essa sujeira que sua maquiagem produz parece menos melodramática quando existe um motivo decente empurrando você pro choro. Dentro dos meus conceitos cada vez menos coletivos, existo como um singular. Um nós de ases que vira um único rei. Um nó que um píer jamais criou, porque seria o jogo sem fim que ele de fato é. Sem dados, sem regras, nem prêmios. Já te disse que não quero troféus. Quero um café e um livro com você no frio. Quero dignidade em cada vergonha que leva meu nome estampado no peito. Aceito até a retórica mais ranzinza, porque não dá pra sorrir o tempo todo. E flores não, você tá cansada de saber que acho isso um saco.

2 comentários:

André Aires disse...

Não tenho o que dizer. Um das melhores coisas que já li de você. Camarada, é de arrepiar o fiofó. Já li duas vezes e devo ler mais uma amanhã.

Abraçõs!!! Saudade, meu irmão.

Sabrina Villar disse...

sempre admiro. estranho é a inveja. amei, bart. bj.