terça-feira, 24 de abril de 2007

Porque a paz chega aos poucos

Era uma tarde de abril como outra qualquer, com vento e sol. Uma vida de trabalho duro com o boxe foi capaz de ensinar muitas coisas para aquele agora cansado senhor sentado em seu carro. Cento e nove lutas como boxeador, seguidas de quase quarenta anos como treinador profissional. Aprendera com a dança das pernas, com o raciocínio dentro de cada movimento premeditando um soco. Sua vida e o boxe estavam tão ligados, que seria impossível lembrar-se dele sem sentir aquele cheiro acre de um ginásio suado. Aprendera o sentido da derrota e o sacrifício para se conquistar um soco limpo, um ponto, uma luta ou um título. É verdade que nunca ganhara muito dinheiro com isso. Os velhos tempos não eram como hoje. Não se sabia muito bem o valor do marketing e sequer imaginavam fechar contratos tão milionários como os de agora. Mas o sangue que jorrava e jorra nas primeiras filas de um ringue sempre foram e sempre serão o mesmo. Aquele líquido pastoso, vermelho. De um vermelho brilhante quase como o laranja de seu Dodge novo. Um carro comprado à vista para sua tão aguardada viagem de aposentadoria. Estava tudo programado. Uma visita ao Jockey, quem sabe um páreo, uma passada no bar da academia, agora vendida, para após isso sim, partir para a estrada. Uma viagem sem volta. Um adeus a cada quilômetro rodado. Tudo de forma contida, como quem conversa com o sol ou com as estrelas. Um final digno para um rosto cansado e retalhado, sem bilhetes de despedida. Sem pressa, porque a paz, ele nunca cansara de repetir, chegava aos poucos.

Nenhum comentário: