quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Bloqueio criativo

Era um escritor angustiado. Nos últimos tempos evitava ao máximo sair de sua cobertura em Ipanema. Mais de uma vez por dia ficava acompanhando abismado seus e-mails e o volume de sua gorda conta corrente pela Internet. Parecia não conseguir digerir muito bem os acontecimentos recentes. Sua fiel escudeira Zazá, era uma governanta que de tão burra, mas tão burra, despertava nele uma admiração profunda. Ultimamente só confiava nela. Ele achava que as pessoas burras eram sacras, sofriam menos, mas não costumava ficar falando isso, pois era politicamente incorreto classificar alguém de burro. Sua angústia na verdade pairava sobre as últimas críticas e análise de seus livros. Apesar de tarimbado, já na casa dos cinqüenta e aclamado pelos leitores, preocupava-se com elas como um jovem poeta iniciante cheio de espinhas na cara. Andavam fazendo uma retrospectiva sobre suas cinco obras, fato que estava gerando-lhe uma enorme dor de cabeça. Seu trabalho estava em evidência na mídia, particularmente o último livro que estava na lista dos dez mais em primeiro lugar há três semanas, desde que fora lançado. Diziam que seu jeito de escrever denunciava aspectos de sua personalidade. Que um pouco do que ele abraçava em vida sob a ingerência de valores e crenças, era apresentado ali em seus personagens nas entrelinhas. Era quase como falar que suas obras eram diários com nome trocado. Na primeira vez que leu tal bobagem, lembrou de Ubaldo amaldiçoando a tal da perigosa “entrelinha” numa coluna recente de domingo e apenas riu. Mas riu um riso meio sem graça. Depois, aquilo começou a lhe incomodar. Em pouco tempo consumia-o. Apesar de ser um escritor de ficção com um texto de costumes tipicamente carioca, estava sendo editado em mais de quinze línguas. Quando lembrava disso, imaginava o mundo na figura de um psicanalista gigante olhando pra ele pequenininho, deitado num divã cheio de frio e com vergonha de levantar o dedo pedindo pra ir no banheiro. Nessas horas soltava um palavrão pra ele mesmo, como forma de iniciar um pensamento, e aí começava seu monólogo interior desesperado. Lembrar que seus últimos protagonistas de sucesso eram uma puta com mania de limpeza, um padre esquizofrênico e um ladrão que fazia tudo por sua mãe deixava-o ainda mais angustiado. Onde será que viam semelhança com ele? Será que se passasse pela Atlântica de madrugada na segunda marcha as prostitutas iam olhar de rabo de olho pra ele com admiração? Será que quando fosse comprar jornal um coroinha ia olhá-lo com reprovação e na saída da banca ainda pisaria no seu pé fingindo ser acidente? Será que os maconheiros do posto nove um belo dia apareceriam com seu último livro, abordando-o quando estivesse comprando um Sucolé do Claudinho de manga, pra pedir um autógrafo a pedidos do Dono do Morro do Vidigal? Nessa hora lembrou-se daqueles papos sob bloqueio criativo que vira e mexe eram assunto corrente nas mesas do café da livraria da esquina. Ele nunca havia sentido esse tal bloqueio, achava até coisa de escritor maricas. Mas agora, entre baforadas no charuto e a risada dos amigos, andava jurando pra qualquer um que dava tudo pra trocar o perrengue desses últimos dias pela tal merda do bloqueio criativo.

3 comentários:

Anônimo disse...

gostei. :D

...

hum.. será que tive um bloqueio critivo??? :/
ow, droga!

..
*

Anônimo disse...

Os ingnorantes é que são felizes. Feliz daquele que simplesmente desconhece. Sofre menos...

Anônimo disse...

Putz!
Que texto gostoso! Hilário!
Eu costumo me projetar em alguns personagens, mas não em todos...
Alguns herdam só uma ou uas características minhas.

Nossa! Já passei por um bloqueio criativo! É de desesperar!
Legal seu blog, parabéns!

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