terça-feira, 4 de outubro de 2005

Marcelinho

Se tivessem mini-câmeras presas à barriga, as imagens que os passarinhos que viviam saracoteando pelo meio das árvores do prédio de quatro andares na Urca fariam aparecer em uma tela de TV, seriam no mínimo interessantes. Esse era apenas um motivo, dos vários pensamentos, que faziam a irmã de Marcelinho achar que o único filho homem do mesmo pai e mesma mãe que ela, era meio maluco. Mas ele não tava nem aí pra isso. Se soubesse que ela pensava assim mesmo no alto de suas nove primaveras, acharia ser por causa daquele dia que prendeu um chiclete em seu cabelo minutos antes dos pais da melhor amiga chegarem pra levá-la na festa junina da escola.
Como gostava muito de se largar durante horas na poltrona de seis mil quatrocentos e cinqüenta e cinco reais da sala de som (que o pai havia comprado inicialmente escondendo o valor por causa da demora em cumprir a promessa de trocar o lava louças por um mais novo) e ficar assistindo filmes adultos antigos em preto e branco com um balde de pipoca doce no colo, Marcelinho de vez em quando aparecia no almoço com uma nova tirada excêntrica. Teve um domingo quando já era hora da sobremesa, que um amigo da família resolveu fazer aquela manjada perguntinha demonstrando a falsa curiosidade em relação à idade do interrogado, onde geralmente toda criança levanta instintivamente a mão e mostra os dedos feliz da vida. Mas ele não. O garoto não titubeou em responder aveludando a fina voz, com o beiço meio sujo de calda de chocolate, “Sete. Meu número da sorte...” da maneira mais en passant do mundo, quase como se fosse normal um moleque daquela idade se relacionar a fundo com as questões complexas do azar e da ventura no dia a dia.
Ele era assim.
Na verdade sorte pra ele era quando acordava num domingo em plenas férias com um baita sol no lado de fora e o pai disposto a levá-lo pra velejar. Colocava uma camisa branca de listras azuis igualzinha a do pai e ficava insistindo no caminho pra marina, até o motorista ceder e apertar o play para o velho Sinatra soltar a voz. Quando ficavam sabendo disso, algumas amigas da mãe de Marcelinho em fofoca cochichavam de forma pejorativa baixinho ao vê-la saindo da sala pra pegar mais um pedaço de bolo, que “esse menino é muito adulto pra idade dele”. Mas se algumas atitudes do moleque eram dignas de um anão e não de uma criança, outras faziam suas testemunhas ficarem de cabelos em pé com a infantilidade apresentada. Um dia quando tinha apenas quatro anos e sua avó o levara rapidinho no mercado da rua para acompanhá-la na busca de um tempero que faltara pra sua receita, cismou que queria um coelhinho vermelho de plástico cheio de bombons dentro. Era até bem barato, mas a velhinha não queria levar, pois era besta até o último fio de cabelo e só dava chocolate importado ou da Kopenhagen pro menino. Não é difícil imaginar que Marcelinho não tava nem aí pra isso. Vendo que não seria atendido, não pensou duas vezes: abraçou o coelhinho e correu dali o mais rápido que pôde até ser barrado quase na calçada por um segurança. Ao olhar pro simpático funcionário fardado, se o moleque tivesse uns anos a mais e barba na cara, não seria difícil imaginar ele lamentando inconsolável algo como “Ok, perdi. Mas eu só queria o coelhinho, caralho”. Não era esse o caso.

3 comentários:

Rodrigo Habib disse...

quando li "marcelinho" pensei que fosse contar as aventuras do Tsunami no carnaval...
hahahaha....

o blog tá "Habiscado"

depois dá uma olhada.

abraço.

http://habiscos.blogspot.com/

Rodrigo Habib disse...

TEM COISA NOVA NO HABISCOS

Anônimo disse...

A sua maneira Marcelinho era feliz. às vezes se faz necessário quebrar alguns paradigmas e o "roubo" do coelhinho foi uma forma de mostrar que no fundo o Marcelinho ainda é criança. Deveríamos fazer o mesmo, sermos adultos e às vezes mostrar a criança que habita em nós!