terça-feira, 20 de setembro de 2005

Um sol do caralho

Um sol do caralho era inevitável para aquele pedaço de latitude e longitude pertinho da linha do equador. Um sol do caralho. Sempre. Às vezes quando o tempo durante a noite insistia em manter-se quente, era como se o sol estivesse de sacanagem, escondendo-se de preto e baforando aquele ar flamejante no cangote de geral. Mas uma coisa era verdade, ninguém reclamava mais do que o suficiente porque era normal e todos estavam acostumados a sentir aquela temperatura desde que o mundo era mundo pra eles. A cana de açúcar se encarregava de prover o néctar símbolo da rapaziada. O rum. Legítimo, puro e famoso por bandas tão longínquas quanto a capacidade de imaginação de cada matuto bêbado após três ou quatro doses do aperitivo ainda de barriga vazia nos milhares de botecos espalhados pela nação. Misturado com limão, com hortelã, tomado puro, utilizado em receitas, utilizado em típicas garrafadas pra curar os mais variados tipos de doenças e maldições, essa bebida quente podia ser a síntese do clima tropical vigente ali. Uma dessas especialidades era até ostentada com certo orgulho, diziam ser o drink nacional de uma ilha vizinha que contava com um barbudo no poder há mais de quarenta anos e que uma vez chegou a cair, mas apenas quebrara o joelho. O cair fora pejorativo, apesar de tão real e bombado nas TVs mundiais. Riam sempre ao contar o fato transformado em manjada piada uns para os outros. Coisas de república das bananas. Mas não era com o típico produto alheio que eles se regozijavam não. Eles tinham seus heróis também. Um deles era o responsável direto por ter difundido mundialmente o som que saía do rádio velho e engordurado preso na parede do bar naquela tarde. Uma pulsação vibrante de agudos repetitivos e graves dançantes traçando um panorama sonoro complementado por batidas incertas e cativantes. Apesar de curtir a música que o aparelho soprava no ambiente como todo bom jamaicano que prezava a cultura raiz e não a invasão de ritmos histéricos que nos últimos anos se misturara à pureza do reggae, ele baixou o rádio. Um barulho já estava competindo com a sonoridade interna do balcão onde quatro homens de meia idade bebiam seus aperitivos e um deliciava-se com o Mojito, este, mais jovem na faixa dos trinta e exalando um duvidoso e forte cheiro de perfume que denunciava sérios riscos a um eventual mirabolante plano afetivo para depois dali. O também jovem filho do dono do local largou o copo que enxugava, pulou o balcão e alcançou a calçada. Deu pra avistar a chegada do sound-systen, um emaranhado de caixas de som gigantescas com rodinhas embaixo puxadas por um carro popular caindo aos pedaços. Lembrou-se então que era sexta-feira e quase sempre aquele carro de som típico da região fazia ponto próximo ao estabelecimento quando um problema mecânico ou técnico na aparelhagem não impedia a animada estadia. Voltou para o interior do bar. Resignado, mas com um sorriso tímido que denunciava a concordância, desligou o valente radinho. Há essa hora, a música já inundava o balcão e toda a rua. Os passantes começaram a se juntar próximo e já era possível ver jovens dançando e casais abraçados mexendo desavergonhadamente a cintura no ritmo quente do som. Seu pai era cubano, havia morrido há alguns anos, mas ele ainda gostava quando se referiam a ele, como filho do dono do local. Achava que isso era uma forma de respeito. Pra ele seu pai só tinha um defeito: era Fidelista. Ele sabia que se tivesse nascido em Cuba não teria os mesmos parcos confortos pobres que conseguia sustentar na Jamaica, como comprar discos de reggae inglês após economizar um pouco ou manter seu carro de apenas quinze anos de rodagem, com aspecto de novo. Mas respeitava o gosto do pai e não fazia muita questão de tirar da parede desgastada pelas infiltrações a foto empoeirada de Castro. O último cliente pagou sua última dose de Havana Club e retirou-se do bar. Naquela sexta resolveu fechar o bar mais cedo. Juntou-se a multidão que já ali se apresentava e largou-se no ritmo quente daquele reggae roots que explodia nas caixas de som. Estava quente como sempre. Um sol do caralho.

2 comentários:

Anônimo disse...

Vc sempre fala desse tal de Mojito, vou ter q provar dessa.

Anônimo disse...

ae rapha, então tome nota:


O Mojito Definitivo de Bartoli


• COPOS LONGOS
• HAVANA CLUB AÑEJO BLANCO
• CLUB SODA
• ANGUSTURA
• LIMÃO SICILIANO
• HORTELÃ
• AÇÚCAR
• GELO
• CANUDO
• UM CHARUTO
• CD DO CACHAITO


1- Num copo longo ponha um dedo e meio de suco de Limão Siciliano (Opto pelo Limão Siciliano pois é bem “perfumado” e é bem menos ácido, mas fique a vontade pra escolher outro tipo)

Dica do Bartoli: Corte tbm três fatias do limão: duas finíssimas e uma um pouco mais grossa. Separe-as.

2-Acrescente açúcar à gosto.

Dica do Bartoli: Não exagere, para o Mojito não perder a refrescância, coloque apenas uma colher generosa.

3-Acrescente algumas folhas de hortelã com talos.

Dica do Bartoli: Reserve umas 4 folhas grandes soltas à parte, pra acrescentar depois na hora de mexer e deixar mais bonita a bebida.

4-Macere, mas não muito, só pra soltar os sabores.

5-Encha até o meio do copo com Club Soda.

Dica do Bartoli: Até em Cuba eles algumas vezes trocam por água com gás, eu acho isso uma heresia, mas vc que decide.

6-Coloque 2 gotinhas de Angustura.

Dica do Bartoli: Esse é um dos grandes segredos. Angustura é uma espécie de óleo de laranja que vc acha em lojas especializadas em bebidas.

7-Mexa um pouco pra espumar a mistura e agregue uma dose de Havana Club Añejo Blanco (não exagere, deixe espaço pro gelo).

8-Complete o copo com bastante gelo cuidadosamente, acrescentando junto as fatias finíssimas de limão e as folhas de hortelã que estavam separadas.

9-Decore o copo com a fatia mais grossa de limão e insira o canudo. Mexa levemente.

10-Pode acender o charuto e apertar o play no CD do Cachaito.

E lembre-se!! Deguste-o com parcimônia.

[]s