terça-feira, 14 de março de 2006

Rosas

Aquele sorriso bobo ficava ali. Fazer o quê? Prostrado na cara. Insistindo em acompanhar o dia inteiro aqueles lábios grossos. Neguinho não entendia nada. Rolava um olhar meio perdido no vazio também. Há quem diga que as duas bolotas castanhas pregadas em sua vista, brilhavam continuamente. Empacotando aquelas encomendas, liberando cartas, pesando objetos, carimbando. Era uma tonalidade amarela que denunciava seu emprego nos correios e uma leveza visível que preenchia seus incríveis desejos. Dava pra perceber que os passos daquele cara pareciam demorar mais que o normal pra pousar no chão da calçada. Andava ouvindo umas músicas bonitas com vocais graves e até arriscando-se a escrever uns versinhos bobos. No café da manhã, a broa com um forte preto na xícara eram como um manjar lírico descendo até seu estômago vazio. Dizem que era por causa de Rosa, uma menina de quadril torneado e bunda nem tão grande, mas empinadinha, que morava na rua da frente.
Mas um dia o comentário foi geral na cidade. Parece que a tal menina, que bagunçou as idéias do jovem dos correios, ia se mudar. Seu Pai a mandara estudar na capital. Uma escola melhor. Maldade. Agora aquele carteiro vivia no bar da praça atrás do Circo do Paraíba. Parece que trocara até os algodões doces que colhia e consumia na ida pra casa, por uns goles de cana de açúcar destilada. Os moleques pararam até de tocar a bola pra ele de manhã na rua do largo, quando saía pra labuta e passava em frente ao golzinho feito de chinelos surrados. Depois, não deu nem dois meses, caiu enfermo numa cama. Ficou tão magro que foi parar no hospital. A família não entendia o porquê da repentina maldição com aquele menino tão bom.
Conheceu Raquel quando ela insistiu em fazê-lo comer um pedaço de pão com sopa. Aquela morena ficava linda vestida de branco, em seu uniforme de estagiária na enfermagem do setor. Seu sorriso fez ele esquecer aquele gosto insosso da comida do hospital. Casaram há uns cinco meses, mas não no papel, só se juntaram.

Ela planta umas rosas na frente da casa, tá até ganhando um dinheirinho extra. Todo final de semana manda umas cestas da flor pras lojas do centro. Mas o carteiro não se sente mal por isso. Acha agora que o lugar das rosas deve ser na capital mesmo. A molecada voltou até a tocar a bola pra ele de manhã, quando sai pra trabalhar.

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