terça-feira, 21 de março de 2006

Roda viva

Ao acordar jurava pra si próprio que faria daquele dia um dia diferente. Sempre deixava de lado o fato de que sempre, independente de suas escolhas, os dias tendiam a ser diferentes mesmo. Era apenas a lógica sendo empurrada pela sua garganta cheia de nós. Passava perfume nos antebraços e no pescoço, antes de ajeitar o cabelo sem pentear e sair como um pássaro voando pela cidade ensolarada. Seu problema era tentar enxergar poesia em tudo. Esse romantismo acabava por fornecer material suficiente pra colocá-lo pra baixo por diversas vezes, mas ele não estava nem aí, devia ser um dos últimos filhos da puta a achar a fossa, chique como a bossa.
Apesar de sentir-se iluminado pelo sol com o dia e todas as suas claras armadilhas, era na noite que vivenciava a maioria das ficções reais de seu universo particular. Cerveja, lingüiça e a capa de mais um de seus calhamaços de papel com marcas de dedo em forma de gordura, eram clichê. Saias rodadas prendiam sua atenção como pernas sem dono vagando em marcha pelos cantos mais coloridos de suas idéias. Capaz de fazer amigos em encontros não marcados e encontrar paixões sinceras em prostíbulos imaculados, era personagem principal de livros sem final definido. Dizia até que quando morresse, queria que fizessem como Hunter Thompsom, uma puta festa com suas cinzas misturadas ao pó dos fogos de artifício atirados aos céus. Não que fosse chegado a uma fanfarronice social como fora o funeral do gonzo, mas lhe agradava a idéia de explodir após o derradeiro encontro com a senhora de foice e capuz negro.

Ouvia rock, eletrônico e gostava de samba. Metia-se em esquinas molhadas e esfumaçadas. Dançava com gringas, mulatas e garrinchas. Soltava o corpo de forma viril, quase duro no limite do gingado permitido em suas bobas censuras próprias. Às vezes tomava uns comprimidos. Muitas vezes abandonava o que fosse pra ir andar perto do mar, só pra conversar consigo mesmo. Não foram raros os momentos de chegar a conclusões sinceras a respeito de definições falsas que permeavam seu destino, passo após passo na areia fofa. Mas se tinha uma coisa que os botões velhos de sua camisa surrada podiam testemunhar, era o desapego às grandes verdades. Nada de querer afirmar de forma catedrática assuntos do coração em sua presença, por exemplo. Sabia bem que não existia regra quando se fala em nome de um peito ferido. Ele próprio podia jurar estar curado de afobações antigas, sendo capaz de fazer coro com Chico só pra depois continuar a melodia e cantar a verdade da mentira. E eram nos bigodes feitos pela cerveja que línguas entendiam que sempre era possível querer mais. Brincadeiras com palitos em mesas de eterno descompasso marcado pela hora de voltar pra casa. Daí era dormir de novo pra noutro dia discutir todas as possibilidades mundanas em círculos de pessoas que rodavam num baile sem fim. Buscas. Somente buscas pois ali ninguém tava muito preocupado com medalhas. Nem havia espaço no peito pra elas. Ali apenas um puta coração inchado pagava aluguel.

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