quarta-feira, 26 de julho de 2006

Aqueles novos erros de sempre

Após a transa era sempre assim, levantava da cama ainda elétrico e ficava zanzando pela suíte com a respiração ofegante. Parecia terminar seu orgasmo ali em pé. Ela ficava quase morta, feliz, suada. Olhava pra ele com devoção cínica e aflorada. Ali sabia que o amava de verdade. Ali se sentia mulher de verdade. O sexo era algo sagrado pra eles. Um ritual travado entre dois amantes que se doavam sem trégua aos suores, reflexos, dores, prazeres e vicicitudes daquela sintonia fina de paixão em brasas.
Vai querer alguma coisa?
...
Observou-a já quase se entretendo em sonhos e desistiu de qualquer tentativa de perguntar algo mais. Acendendo um cigarro, teve dificuldade pra falar enquanto dava tragadas fortes, mas no outro lado da linha o funcionário do hotel conseguiu mesmo assim compreender sua vontade de uma garrafa de Krug Grand Cuvée Brut no quarto, por trás daquele Malrboro fumegante em seus lábios que dificultava a compreensão das palavras. Instintivamente olhou uma vez mais para ela, como quem espera uma atitude ou um último pedido. Nada. Desligou o telefone e pegou um livro que mais parecia uma revistinha em quadrinhos. Tinha comprado durante o dia numa banca de jornal que costumava vender uns calhamaços alternativos. Já tinha até pego algo de Fante ali, apesar de não achar Fante propriamente alternativo, mas um clássico dos bambas.
“esse livro é dedicado a Bob Dylan, o cara que apresentou a maconha para os Beatles
Começou bem essa porra, deve ter fôlego...
Pensou em ler um pouco, mas agitado, fico desconcentrado enquanto não percebeu a campainha lhe dizer que o champanhe tinha chegado. Afundando na hidro, serviu-se de uma taça enquanto roubava um morango da travessa larga, largada em cima da pia. O chão do lugar estava cheio de pétalas de rosa muito vermelhas. Era impressionante como conseguiam tirar sarro de si próprios com tamanha categoria. Esse senso de humor ácido e particular, fazia aquela cena brega ganhar contornos de sátira pop. Parecia até uma ocasião especial, o que não correspondia com a realidade daqueles dois impulsivos. No rádio, um mp3 rolava direto e uma música eletrônica não muito bate estaca, fazia as honras da casa. Pensou em quantos escritores ainda precisava ler e riu sentindo-se idiota pelo pensamento. Cismara em ler algo de Conrad agora. Tendo suas idéias abafadas pelo som de passos, percebeu-a nua. Agora acordada. Vinha da cama. Ao olhar viu seu sorriso debochado fazendo uma bela composição com suas mãos finas apertando a cintura, valorizando suas coxas e pernas grossas. Entrou na banheira com um morango na boca. Ficaram conversando até o amanhecer. Era papo sobre cinema, amor, poesia, Buenos Aires e vontades bobas. A água quente sabia que eles tinham todo o tempo do mundo pra errar mais. Seriam sempre novos erros.

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