segunda-feira, 22 de maio de 2006

Não contém glúten

Vou dormir jurando para mim mesmo não ser mais capaz de acreditar em sonhos muito bonitos. Se meus dias cinzas sempre foram feito de fuligem e carvão, entrar numa de colorir as fachadas descascadas destes muros altos parece-me sempre ser novamente perda de tempo. Melhor assim. No sofá minha coluna é esmagada por todo peso da tensão que surge quando penso parcelado em dúvidas que rondam minhas atitudes carregadas de impulso. Essa pressão deixa meu sono escasso claro que nem as luzes amarelas que os postes trazem da rua. E olha que sei bem como é horrível acordar com aquela ressaca moral que acaba manipulada pela beleza das promessas mantidas pelos raios de sol, fazendo tudo parecer conter um fio de esperança. Aquelas manhãs muito claras em certos momentos teimam em nos passar uma verdade que transparece tudo, mas o pior é justamente quando o contrário se faz regra. Na maioria das vezes o peito acorda menos machucado e a tendência é fazer o dia seguir sem procurar tentar ou querer curar o que nem sempre sabemos se é possível consertar. Espano então os problemas organizando uma pilha que parece chegar facilmente ao teto numa decrescente ordem de importância que me faz ter vontade de rir pela notória sensação de que vão continuar lá acumulando poeira. Uma voz ao telefone tenta me persuadir num contexto onde sempre acabo sentindo-me um cara sem coração ou muito frio. Fico parecendo uma espécie de vencedor tirano para algumas mulheres que insistem em não notar meu perfil fracassado e individual que carrego menos como um fardo e mais até como uma caricatura de mim mesmo. Num desenho que confunde-se com minha personalidade deixando cada ação que inicio parecer conturbar muito mais do que a necessidade pede. Sinto um pouco de receio por causa da minha infantilidade enraizada que nunca quer se apresentar muito responsável pela felicidade ou rumo que as vidas de outras pessoas possam ter ao caírem de pára-quedas na minha cama. Escuto uma música, penso num comentário de terceiros sobre o que represento para alguns e por mais que pareça ridículo acabo me orgulhando de toda a subversividade que propago sem nem sequer ao menos atrasar um dia o pagamento de minhas contas de consumo fútil. É foda entender que tem tanta gente preocupada em ganhar medalhas sabendo que vou passar a vida toda decepcionando as mesmas justamente por só querer participar dos comes e bebes da entrega dos troféus. Mas continuo arrancando seus botões, deixando-as sempre nuas para a poesia que encarna minha intenção de molhar seus ventres numa composição feita mais de dor e menos de glória. Consigo dormir e nesse sono não posso brigar contra a lógica que faz minha cabeça perambular pelos sonhos que de forma maquiavélica meu coração expurga sem o menor pudor por esse caminho compreendido entre o fechar dos olhos e meu despertar aflito. Quisera eu ser tão vulnerável quanto os personagens das mais belas histórias de amor que já li. Mas daqui de fora só dá pra escutar com certo nervosismo o barulho das insistentes tentativas de, uma a uma, conseguirem quebrar a insaciável rigidez petrificada que separa minha inocência de seus colos.

Um comentário:

Pobre Urbano disse...

Ficou bonito, poetinha distante...