segunda-feira, 5 de junho de 2006

Ode ao ébrio

Dobro a esquina e entro em mais um dos bares de minha vida. Sento num balcão frio que pede a temperatura alta da dose que o barman traz até minhas pálidas mãos. Esse lance de ficar me perguntando os porquês soa como um clichê insuportável que gruda em meus ouvidos virando uma sentença, como a música pop que uma universitária animada escolhe na jukebox à minha frente. São melodias que tocam minhas espinhas fazendo-me perder o ar a cada vil tentativa de entender o imponderável.
Amável, desce pegando fogo a bebida que enche meu corpo de sabor. Mas procuro cor. Persigo seu cheiro em cada pescoço que desenho em
minhas investidas fúteis ladeira abaixo nestas noites frias de estrelas lindas. Astros que me deixam pregados no rastro do lastro de tudo que perdi esperando essas luzinhas que vejo lá nos céus, mas antes encontrava em cada piscada desse seu olhar sem compromisso. Olho pra rua e vejo uma janela que soa como um relicário iluminado onde tudo que sua moldura abençoa e abriga, são pecadores que se doam ao prazer de afundar cada vez mais em toda armadilha apresentada pelas circunstancias naturais dos acontecimentos.
Percebo não querer o que é me dado de forma gratuita e bela. Sinto-me maldito por isso. Sinto-me maldito por usurpar toda docilidade que me presenteiam. Quero a salivação da adrenalina. Quero o sofrimento da conquista. Mas quero só para mim. De súbito sinto raiva da corja de poetas e escritores que ousam passar pro papel a mediocridade de suas fantasiosas histórias meramente autobiográficas de amor. Sinto nojo da atemporal sensibilidade aflorada que brota na sublime felicidade azul do beijo da bela namorada. Prefiro minhas putas. Quero elas. As desejo e vejo vida em suas trapaças e malícias. Pago uma cerveja para a moça ao meu lado e tento colocar novamente em ordem meus pensamentos tão em frangalhos, tão confusos. Tão largados a própria sorte. Na verdade não quero conversa, só quero ouvir minha voz ecoar na sala escura iluminada pela minha consciência impura. Quero suas pernas me envolvendo numa ação que ultrapassa o mero toque físico. Quero uma sensação que nem sei se estou pronto para experimentar. Quero sua mão, juro que quero. Mas sou das putas. Sempre fui. Sou do pior tipo, afinal carrego a natureza assassina dos órfãos, mas possuo o carisma letrado dos canalhas que conseguem com algum sucesso manipular e expressar emoções. Mereço a cadeia, mas antes preciso de amor. As grades da solidão teimam em não me segurar. Cada vez que me vejo só estou rodeado de sorrisos, do barulho oco dos passos de dança, da fumaça dos cigarros, do choro dos aflitos, da supertição dos tolos e da excentricidade dos príncipes. Quero fugir de tudo isso, mas a covardia não se mistura comigo e por isso corro com todo vigor de encontro a ela. Corro quase como um abrigo. Quase como aquela sensação da sua cabeça ancorada em meu ombro, em meu peito falho.

Com gargalhadas, limpo todo resquício de racionalidade e preparo-me para o chão. Sou do chão. Sou dos bares. Sou das putas. Sou um coveiro a caça de novas almas cansadas. Quero sempre mais e luto pela simplicidade que tudo isso precisa carregar pra soar genuíno. Suas respostas vazias eu coleciono. Suas táticas infantis eu abandono. Quero a morte, pois para alcança-la é preciso viver de modo tão alucinado, é preciso afogar-se em tamanho descaso com o raso bocado, que seria impossível descrever para você.

Um comentário:

Eloqüência disse...

Absurdamente magnífico esse texto!
Quero escrever como você!