Fico assistindo da janela. Meu apartamento não é dos melhores, apesar de tê-lo alugado por um valor justo e seu piso ser excelente. Um daqueles pisos novos, claros. Aqueles que cachorros com unhas grandes acabam por orquestrar um irritante barulho oco ao caminharem de lá pra cá. Bom, mas de qualquer forma eu não tenho cachorro. Em fins de tarde como o de hoje quando o céu está limpo e a temperatura agradabilíssima, gosto de me debruçar no parapeito do buraco quadrado que emoldura o oitavo andar desta espelunca aqui. Bebo alguma coisa com gelo, geralmente uma boa vodka, ponho o doors pra tocar, quase sempre pulando logo as faixas pra riders on the storm e me deixo levar pela brisa fresca na testa. Venta bastante.
Na esquina dá pra ver uns moleques andando de skate. Antigamente ali era onde ficavam os aposentados desses lados de cá, mas foi até o momento em que um desses babaquinhas descobriu que seus bancos retos davam ótimos resultados para as performances com quatro rodinhas. Nada contra a expulsão dos velhos ou contra os skatistas, apesar de ultimamente ter certa condescendência com a terceira idade, mas qualquer dia o pouco espaço entre as ousadas manobras e a pista com carros em alta velocidade vai proporcionar belos momentos. Vou assistir de camarote. Outro dia, ao voltar do mercado, esperava o sinal fechar para atravessar quando um moleque de rastafari nos cabelos se espatifou na calçada de cimento dura. Não se machucou gravemente, esses filhos da puta parecem feitos de borracha, mas sua cabeça deve ter ficado a dois palmos do meio fio. Fiquei observando a porra do skate invadir a avenida com quatro pistas. A desgraçada ripa de madeira veio mansamente por entre os velozes carros intacta, até ser atropelada por um 1.0. Não sei nem mais do que são feitas essas porras, mas sei que o bicho com toda aquela flexibilidade não se partiu. Foi legal ver aquilo.
Entediado, resolvo bater uma punheta, mas me recordo que ultimamente não sinto tesão por nada. Carla, aquela putinha que eu tô comendo faz um tempo, poderia vir aqui fazer isso por mim. Será que ela ficaria chateada de apenas tocar uma e depois ir embora? Bem que isso podia me dar uma animada a quem sabe fazer o serviço completo. Ok, devo confessar, ela é até bem bonita. Maravilhosa na verdade. Seus olhos azuis me causam vertigem irradiando tamanha beleza. Não sei o que uma menina rica como ela vê num canalha derrotado como eu. Se tem uma coisa que me emputece é quando ela vem com uns papinhos tipo “acho que você deveria ir para alguma cidade ao norte da Itália ou Paris mesmo, lá te dariam o valor real que merece” ou quando cheia de orgulho diz que o pai não aprova seu namoro com um artista plástico da minha estirpe, mas não liga a mínima, pois me ama. Toparia no ato se mandar pro Velho mundo comigo. Amor, amor...eu te amo. Aliás como as pessoas dizem isso a esmo hoje em dia, não? Sei lá o que isso significa e nem sei se um dia saberei.
Escuto uma forte freada e um leve burburinho vindo lá de baixo. Ao chegar na janela uma pequena multidão já se aglomera em forma de roda ao redor de um carro importado, uma poça de sangue, um moleque imóvel e seu skate, cúmplice. Ao invés daquilo me excitar, sinto uma leve depressão, até certa pena. Penso em ligar pra Carlinha. Pela primeira vez começo a achar que a amo. Ver a morte me lembra a vida que ela me traz. Resolvo pedir um japa e fumar o resto de haxixe que sobrou de ontem. Ela adora japonês.
Um comentário:
acho que tem alguém lendo muito Bukowski... rsss
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