terça-feira, 18 de outubro de 2005

Nada especial


Deitado num gramado verde observava o horizonte. Passava o tempo divertindo-se entre as quase infinitas possibilidades de situações, objetos, plantas, montanhas e detalhes de tudo o que compunha a vastidão que seu olhar podia enquadrar dali. Usava uma camisa pólo branca com listras vermelhas, de algodão grosso. As lavagens acentuavam seu desgaste e tiravam um pouco da vida de sua vermelhidão outrora forte. No ombro e em parte da gola, alguns grãos de um final de caspa ainda insistiam em não se despedir por completo de seu cabelo, adormecendo quietos e agarrados ao tecido. Seus cabelos eram loiros acinzentados e meio anelados. Tinha a barba por fazer e algumas pequenas cicatrizes na face. Dividia com a observação daquele cenário, um recém inventado passatempo, no qual seu polegar abria e fechava uma caixa de fósforos. Não tinha tatuagem em sua pele branca e pálida, queria ter uma. Imaginava que tipo de desenho poderia fazer num espaço tão amplo, justamente por não ter feito nada ainda. Ria. De vez em quando olhava pra trás e via pequeno ao longe seu carro estacionado, um Chevy Malibu 66 de um vermelho vivo parecido com o de sua blusa quando nova.
Tinha que ter ido a faculdade aquela manhã. Tinha que ter feito tantas coisas. Fez pouco caso delas e emendou com uma careta. Ao fechar ligeiramente os olhos, dependendo da posição em relação ao sol, era possível um prisma de cores surgir como um caleidoscópio em sua visão. Algumas vezes ficava olhando diretamente para a luz branca e forte do astro rei. Após isso, cerrava a vista e observava uma série de cores surgindo no infinito preto que só um olho fechado após a exposição em luz forte pode ver. Levantava, andava. Andava sem rumo. Colhia flores pelo chão que nem desconfiava o nome pra logo em seguida jogá-las de volta à grama
. Colhia mato. Chutava pedras. Corria. Sentava novamente. Em certo momento encaminhou-se para o leito de um rio próximo dali.
Olhou novamente pra trás a procura do carro adormecido. Estava só e não parecia haver possibilidade de outra pessoa aparecer naquele lugar. Ao pensar isso, sentiu-se bem. Forçando a visão, podia enxergar gado ao longe. Tirando o tênis, molhou os pés na água fria. Buscou com a mão uma pedra quase perfeita de tão circular. Jogou-a no rio num puro reflexo instintivo. Ela quicou apenas duas vezes na superfície da água. Puxou do bolso de sua calça jeans um plástico contendo alguns papéis e documentos. Ficou olhando um a um com certo interesse aparente, mesmo sabendo exatamente o que havia ali naquele emaranhado de papéis. Olhou sua identidade e seus outros documentos com foto. Comparou suas imagens diferentes. Passou a mão num dos retratos sentindo a textura do papel fotográfico. Devolveu o plástico ao seu bolso com a ordem dos documentos e papéis invertida.
Olhou uma nuvem que impressionou pelo tamanho e pela definição aguçada de seus limites. Gastou um longo tempo observando uma árvore, mais precisamente a copa, do outro lado do rio. Sentiu uma formiga. Ficou passando ela de um braço para o outro várias vezes, sempre que a veloz caminhada do inseto buscava um limite inexistente. Ao cansar do inútil divertimento espanou fortemente o membro. Não foi possível então, saber qual rumo o pequenino ser tomou na vastidão de ar que a pressão transportou-o nesse momento. Calçou seu tênis. Ao respirar fundo, olhou uma vez mais para o local em que estacionara o carro. Andava devagar. Aos poucos o rio ia ficando menor e o seu carro maior, processo que denunciava sua partida. Entrando no Chevy, arrumou o retrovisor lentamente. O silêncio ouviu o barulho das pedrinhas remexidas pelo pneu tomarem grande proporção. O motor do veículo, apresentou graves ruídos com orgulho na imensidão que não o julgava. Abriu o porta-luva, alcançou e colocou a fita do Sigur Rós pra tocar. Aumentou de forma significativa o volume do rádio e seguiu pela estrada que levava de volta ao centro. Se perguntassem o que fora fazer ali ou o que pensara naquele tempo todo passado no leito de um rio às margens da cidade, não saberia responder. Não estava pensando nada em especial aquela manhã.


Imagem: Capa de Ágætis Byrjun, álbum da banda Sigur Rós. Divulgação.

3 comentários:

Anônimo disse...

simplesmente foda!!!

seria vc em "petrópolis" ou "teresópolis" (até agora não sei o certo seu paradeiro no sábado - rsrsrsrsrs...).

já tá inteiro???

abraço.

Anônimo disse...

É muito bom não ter " nada especial" para pensar. Simplesmente observar em seus mínimos detalhes a vida que nos rodeia.

Anônimo disse...

da onde vc tirou Chevy Malibu 66???
Coni