quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Noites tropicais

Ficava sentada em cima da mesa da cozinha, pernas cruzadas, cigarro na boca e queixo quase apontando pro teto. Aquele seu mesmo jeito estranho e sexy de me desafiar. Queria porque queria tatuar logo a perna direita, adorava aqueles desenhos old school. Mas mal tinha terminado de cicatrizar o último, já reclamava sem parar daquele peso assimétrico atrás de si. Sua boca dançava entre palavras vulgares, entre fortes e densas baforadas pra baixo. Concentrava-me no barulho alto da geladeira ligada. Funcionava como um mantra. Com a temperatura quente e úmida, tornava-me burro, lento e defensivo. Era como vertigem sua voz misturada ao zunido do motor, fumaça, luzes fortes refletidas desenhando um rastro pelo azulejo e cerâmica. Apesar de rara, acidentalmente surgia uma brisa, circulando por entre nossos corpos como um espírito amigo refrescando alguns instantes de pensamentos vazios. Ficava ali deitado no chão com pena do mundo, no mesmo lugar de sempre, estupidamente distraído. Solenemente despreocupado com sua voz aguda após a quinta ou sexta palavra mais alta. Deixava a doida ferver como uma panela prestes a explodir, para levantar de repente e, sem avisar, levá-la pelo colo até nossa banheira. Depositava seu corpo escultural e nu em água quase fria, que se comportava como peixe voltando ao rio. Ensaiava protestos em sussurros, em palavrões, antes de refugar, trôpega e sem relutar, seguir minhas ordens como uma cadelinha. Meus passos molhados riscavam um mapa de volta à cozinha. Agora sozinho preparava como um rei sob um chão de tabuleiro outra dose generosa de uísque com bastante gelo. Não precisaria nem tornar a pisar no tapete surrado do banheiro para prever o futuro. O castanho dos meus olhos veria suas mãos em sexo, seu rosto perdido e suas pernas balançando em gotas, como um convite de dedo indicador. Hora de jogar minhas roupas longe e reescrever outra noite como se fosse a última vez que faríamos amor.

Nenhum comentário: