domingo, 17 de maio de 2009

Sinédoque

Seguia seus dias numa rotina que agora, já parecia até nem ser tão mais interessante assim. O mesmo emprego mediano sem graça, os mesmos gostos alternativos avivados por experiências da infância (ou apenas pela internet), os mesmos sonhos com um quê de sedução e loucura. Entre ser clichê e ter virado lugar comum, bastava entender que hoje, ao perceber um adolescente com uma camisa do Nirvana, cantando suas letras e tendo crises existenciais fajutas, lhe confortaria saber que algum coroa já sentira o mesmo no início dos anos 70 ao afirmar que “o rock acabou”.
Agora aquela câmera ligada 24 horas ao seu lado já não incomodava mais. Virara paisagem. Nem sequer despertava nele uma coceirinha de vontade em parecer melhor do que era. Mas numa quarta-feira de sol cínico, pela manhã, resolveu olhar pras lentes como há muito não fazia. E após determinar mais uma vez em seus pensamentos o quão tediosos poderiam estar sendo seus planos bobos de alcançar sua meia dúzia de sonhos: chorou. Olhou pra câmera sem querer representar, nem nada. Apenas olhou. Sabia que aquilo não era um Big Brother. Sabia que aquilo não era um despertar de uma esquizofrenia ou coisa do tipo. Aprendera a lidar com o objeto cinematográfico como um fato corriqueiro da vida. Só então decidiu assim como quem não dá muita importância pras conseqüências, chorar copiosamente olhando pras lentes. Dizem que as marcas de suas lágrimas ficaram por um bom tempo nas paredes da cozinha.
Logo após o acontecido, pediu licença a quem quer que fosse o responsável por dirigir aquela empreitada e conseguiu enfim, uma cópia digital pirata do conteúdo dos rolos. Assistiu tudo por uma semana praticamente sem parar, no sítio de uma amiga, entusiasta produtora de cinema aposentada. Ali percebeu que sempre se imaginara muito distante de sua realidade.
Não mais achou seu emprego medíocre. Seus gostos agora adquiriam um ar um tanto quanto cool e seus sonhos, com aquele tratamento e um filtro laranja de sol, pareciam vivos, pareciam desafiadores, soavam fascinantes. Ao perder este parâmetro com a realidade, virou um personagem. Erro crasso. Foi aí que matou cada um de seus sonhos, um a um, com coronhadas das mais estapafúrdias conjecturas possíveis: virou um chato. Seu primeiro passo rumo ao fundo do posso foi criar um blog. Logo em seguida já estava se levando a sério demais e o grandioso filme de sua vida, virou alguma coisa fajuta inspirada em Kaufman, que até hoje continua pegando poeira nas prateleiras da Cavídeo.

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