sexta-feira, 8 de maio de 2009

Johnny Rotten crisis

Agora era meu escarro, me olhando, estatelado ao chão. De tão cansadas, minhas costas mereciam aquelas faixas indicando uma interdição pela defesa civil ou algo do tipo. Enquanto presenciava minha coluna ruir, sentia inveja daquele subproduto do meu pulmão. Aquela coisa verde e quente deitada na sarjeta, protegida por minha sombra projetada pela luz brega de uma dispensadora de cigarros pra lá de flúor. Inveja do meu cuspe. Quando um homem se acha pior que um catarro, nada pode elevar sua baixa auto-estima. Um desfigurado cambaleante interrompe então minha divagação sorumbática e o pisa. Esfrega sua sola velha de lona de caminhão num movimento rápido, passando por cima de meu mais recente amigo e espalha metade daquela merda pelo chão do bar. Percebo como nunca tive sorte em minhas amizades, mais uma vez.
Puxo algumas notas do bolso. Minhas calças são velhas, meu dinheiro é velho, minha atitude ali não é nem um pouco nova. Agora só quero a paz que eu nunca encontrei, mas ainda insisto em tentar buscar sempre que resolvo que aquela é a hora de ir pra casa. Me livro do balcão e da cara impiedosa do sujeito que me serve. Desconfio que ele tenha tuberculose e sinto-me mais vulnerável do que já sou. Foda-se. Ali já não sou um devedor, já não sou um bêbado entre tantos. Minha garganta é menos uma lixeira na noite carioca.
Mal dobro a esquina e a maldita síndrome alerta minhas mãos, que tateiam meu corpo e bolsos, procurando algo que minha mente insiste em copiosamente blefar dizendo-me que esqueci só pra me fuder a cabeça. Segundos depois, avanço três passos, mas resolvo olhar pra trás. Minha visão enxerga então algo inaceitável. Também não quero acreditar nisso, mas vejo um escarro pútrido do tamanho de um homem, saindo pela porta dos fundos bar. Viro o rosto, recomponho os passos e sigo em frente, pra bem longe dali. Forço meu joelho frágil a aumentar sua capacidade articulatória: resolvo correr. Meu desespero agora se fantasia em música e uma sinfonia clássica flerta com minhas orelhas ligeiramente peludas enquanto tento fugir do meu próprio cuspe.
Consigo chegar em casa a tempo da medicina não me considerar um cadeirante. Desatarracho meu joelho esquerdo e sento no colchão de quinta, bem ao lado de meu criado mudo. Aquela visão no espelho da parede do armário parece mais normal quando estou sozinho. Antes de pegar no sono, o barulho alto de um escarro gigante caindo na calçada num ritmo matemático de gotejamento me assombra. Na manhã seguinte avistaria um bilhete de minha vizinha da frente empurrado por debaixo da porta. No papel amarelo, um alerta, onde ela seguia dizendo ter visto um catarro durante toda a madrugada, saltando incansavelmente tentando alcançar minha janela.

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