sábado, 6 de junho de 2009

A cozinha

Cozinha. Pensava. Sem dúvida responderia cozinha, se alguma daquelas crianças vestidas de terra, desafiando mães, pais e leis da física naquelas ladeiras, me indagasse sobre o lugar preferido na casa branca.
O cheiro colorido da hortelã na sacola de palha misturava-se ao do manjericão roxo e fresco, ambos inquietos num inquestionável segundo plano. De uma suavidade tropical, impávido, era o doce, fresco e provocativo sabor das mangas que enrubescia meus sentidos sem nem ao menos precisar de mordidas, acordando o paladar pra tomar conta de minhas narinas. A madeira molhada da porta chiava avisando uma chegada. Deflagrava camadas e mais camadas aromáticas, que davam ao mesmo tempo boas vindas e um enfático anúncio de meu retorno ao lar.
Envolta em lençóis ela caminhava com leveza, exalando uma mistura de pele, pólen, suor, calor e graça. Sua boca agora era dona de meu pescoço, seus seios eram de meu peito e seu corpo tinha o peso de uma pluma, passeando em voltas pelo ar, suplicando baixinho em meus ouvidos sem que som algum pudesse ser ouvido “coloca-me ao chão”. Sua língua com gosto de ontem espalhava-se em minha língua, reconhecendo cada novidade, ávida por todo meu sabor.

Depois eram toalha, cesta, temperos e frutas pelo chão. Depois é nosso corpo sem plural, uma coisa só. É respiração quente em tonalidades diferentes de calor, aromas, cores. É tudo ficando pra depois. Qualquer tentativa de almoço virando jantar. Qualquer horário marcado virando espera. Qualquer ligação já nascendo perdida. E no momento onde só uma coreografia completamente não ensaiada faz sentido. Onde uma improvisação de jazz é recebida com uma sensatez absoluta. É aí que te encho de lava. Encho-te de mim.
Não podes mais fugir porque sou duro, quente e estamos presos a esse chão até a morte.
Agora pertencemos a todos os aromas desse lugar. Folhas grudam, verdes, em sua pele vermelha. E sabes que está completa, com suas coxas sujas de leite, enquanto olho-te resignado. Espera-se de mim nossa ceia. Mas ela já vem. Ela já vem.

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