quarta-feira, 30 de julho de 2008

325 passos dali

Seu pecado foi querer ela daquele jeito. Se estivesse esperado mais. Se tivesse segurado a onda. Estava indo tão bem. Sua mãe se orgulharia. Dona Lurdinha sempre ensinara tim-tim por tim-tim sobre como tratar uma mulher. Até na cama. Ajudava o fato de Dona Lurdinha ser uma mãe emprestada, mas isso não vem ao caso. Agora ele ficava ali com aquela cara de quem roubou no jogo e foi pego. Cara de tacho. Cara de menino. Cara de menino que ela inclusive não gosta. Ela gosta de homem. Daquele tipo bem sujo. Mas ele foi isso e até mais. E foi querer daquele jeito. Trocou os pés pelas mãos. Literalmente. Virou de cabeça pra baixo seu mundo. Pobre mulher. Pobre menina. Se estivesse esperado mais. Se tivesse segurado a onda. Mas ela também não é de ferro. Ela também aprendeu as coisas meio de orelhada. Ela também não teve nenhuma Suplicy explicando as coisas no jantar. Só de pensar no que fizera, sua calcinha denunciava em uma pouco inocente umidez o falso arrependimento. Agora ela fica ali. Com cara de menina naquele apartamento financiado, cheio de porra pelo chão. Cara de menina que ele até gosta, apesar de preferir a cara de vadia. Vagabunda. Uma vagabunda apaixonada em pensamentos desconexos, assustada com o que sentira. E ele encostado na parede. De pau duro a 325 passos dali, olhando aquele poster velho do Flamengo colado na porta da geladeira secular. Uma porrada de negões caguetando prum maraca lotado o que ele sentira. Por enquanto seria puro pecado e uma cerveja gelada servida sozinha, por ele, pra ele mesmo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Música pra ler enquanto absurdo

E pensam que não se pode nada. Que você não pode amar. Ser em mais um, que não dá pra ser assim. Se te contam que não existe espaço no peito pra mais sonhos, é porque não sonharam. Como um índio doce, te espelho no mar sob orientações toscas. São leves os ventos dessa teoria absurda. E pensam mais. Pensam que não se pode nada. Bobagem. Não estão amando. São meninos. Não dançam, nem observam minha bailarina. É tudo muito permitido e tem sido assim. Apenas tem sido assim. De dia a gente dorme e acorda com aquele sono perto do escuro da noite que já cai. Se isso pesa nos ombros, deixo o são para os que pensam que não se pode nada, e me deixo engolir pelo chão. Nessa música pra ler enquanto absurdo somos todos índios. Somos todos doces índios.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Acesulfame-k

Me surpreendo com a capacidade do ser humano em admitir sem dizer uma única palavra, que prefere as mentiras. É um clamor quase uterino, que já desisti faz bastante tempo de tentar entender ou classificar. Agora sigo como um voyeur, por momentos me divertindo com isso e por outros sofrendo calado (quando consigo). Confesso que a capacidade de desistência ou apavoramento no outro me seduz, quando as enxergo. Mas não quero holofotes, nem polêmicas baratas. Afinal também larguei há muito, a adolescente mania de querer jogar com isso. Mas ainda assim, por vezes surpreendo-me quase partindo pra cima do ermo com unhas, histórias pessoais escatológicas e dentes. É de uma pobreza frígida o sentimento mesquinho de querer se projetar em cima do diferente. Ok, até faço um mea culpa, porque admito torcer o nariz para o libertário frívolo, sem sentido. Não conseguiria encontrar sentido em tudo na vida, mas sem algum tipo de charme e consistência mínima, não dá pra diferenciar mesmo um mendigo imerso em alteradores do sistema nervoso e um Basquiat. O foda-se sonoro e iluminado que carrego no peito para os de alma pequena, vira um souvenir de estadia. Aprendi muito cedo que existem combates que já nasceram como um convite à desistência. Não sou professor, nem quero ser exemplo ou modelo para ninguém. Não cultivo culpas e as poesias que não gosto, rasgo e jogo no lixo antes mesmo de sentar pra escrever.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Notas de um mesmo assunto nº32

Talvez esta fosse a melhor hora pra ir dormir. A rua quase sem carros, sem ônibus. Só pedras meio molhadas de um frio úmido e chato. Apesar de minhas garrafas de vinho tinto seco, confesso que sempre prefiri o sol ardendo em todos os meus motivos. O calor deixando a mostra meus desenhos em pele, que o inverno esconde, só dando de presente a quem fez por merecer em verdade olhar meu corpo nu. Nesses pecados em série que minhas noites de lua quente se transformam, sigo colhendo notas e colecionando seios, pernas e pescoços absurdos. Não preciso de muitos colapsos pra enxergar loucura em moças de boa família, mas insisto em querer todo seu conteúdo à mostra: celebrar o ridículo vira condição sinequanon.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Flores nascem na primavera

Distante da casa vazia agora caminhava pela praia deserta. O frio afagava seus ossos como um velho grande amigo. Os pés afundavam pela areia fofa e acinzentada, cagando para maiores consequencias distantes. Eram acordes simples àquela altura, de uma praticidade punk que refletia uma densidade bossanovista plena e ilógica, abatida pela fossa instalada, genuína como uma cusparada debochada de pé de palco. A chuva disfarçava algumas lágrimas arredias e uma fumaça lúcida flutuava a cada respiração quente expelida por sua boca rachada. Como uma espécie de réu confesso optava por deixar de investir naquele devaneio e sentia-se bem por isso. A sensação confusa de liberdade nunca fora recebida com tão desagrado. Seria preciso aprender a viver com tanto espaço livre, com tantas decisões pra tomar sem consultar seu lado a procura de um sorriso, uma negativa ou aquele famoso olhar de "se vira". Cada desenho ganhara novos contornos em seu corpo. Novos sentidos. Novas letras eram recriadas em novas melodias. Falsetes e novas notas em cada canção antiga. Após algumas horas na chuva fina, sua flanela azul ficara mais pesada em um corpo tão mais leve. As escadas molhadas rangiam e recebiam pedaços de grama, areia e pedras. Havia calor ali e todos naquela praia sabiam disso. Acabaria o mundo a cada nova vergonha compartilhada e cada papel em branco seria sua chance de recomeçar. As mais belas vadias jamais foram tratadas como mercadoria por quem sabia bem o que o futuro lhes reserva. Esse mistério enchia de coragem seus passos. Enchia de areia e grama aquele pedaço de mundo escasso. Não faria sentido algum aquelas cores invadirem sua sala, já que flores só nascem na primavera.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Amor em Bic

Em cima de uma pilha de livros velhos descansa um cigarro apagado. Misturado ao cheiro de café frio, todos os nossos pecados são visíveis a olho nu. Aplacamos essa distância refugando tudo o que o resto do que não existe neste apartamento, pensa. Simplesmente é permitido que sejamos assim. Se temos tantos sonhos bobos, carregamos de veracidade nossas metas mais fúteis amadurecendo a cada queda. É de um impressionante declínio a importância daquilo que não se disponibiliza para o amor como nós. Somos tão fortes. Somos tão jovens. Somos tão bonitos. A sutileza que carrega essa total impossibilidade de destruição que o lado de fora nos reserva, nos liberta em sorrisos cada dia mais sinceros. Não tripudiamos em cima dos fracos. Nem precisaríamos disso. Se o que nos faz forte é o amor, em dobro multiplicamos a renda dessa generosidade gratuita. A gente fica mais engajado porque temos espaço no peito pra lutar pelos ideais honestos com o brilho que nossos olhos carregam. As bandeiras em nossos punhos cerrados são de significados vadios. Mudam em hyperlinks de uma coerência gritante. Ficar parado não serve, não é garantia de nada. E tudo isso porque estamos amando. E tudo isso porque somos jovens. E tudo isso por causa do tal infinito que nos metemos ao permitir nosso peito sangrar assim.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Time to pretend

Vamos rabiscar o contorno do que seria uma bela história pra nossas vidas. Nos afogar em desculpas falsas e acordar tarde justamente pra se libertar dos horários que nos afligem. Vamos encontrar felicidade no fundo de uma garrafa colorida e quebrá-la quando terminarmos de nos apoderar do que ela veio a terra nos dar. Estamos prontos pra fingir como a música diz. Somos animais com inteligencia suficiente pra não morrermos em pastos, pagando impostos sobre a incompentência latente em desenvolver nossos sonhos mais ariscos. Bebamos esse sangue misturado as cascas e pedaços de peles mortas, vivas pelos machucados que o pior tombo nos dá. Já é tempo desse transe e dessa falsa lucidez invadirem a sala de espera com o pé na porta. Quero cabelos feitos de cobras e corpos como pinturas em óleo. Não somos donos de nossa existência, seria fácil demais se fosse assim. Essa terra cansou de ser usurpada com mentiras. Nossos pais deram as mãos em sofrimento, abismados com suas histórias e mais histórias de derrotas sucessivas. Abruptas vertigens de senso comum e moralidade barata. Filhotes mamando com uma fome dantesca em tetas que de tanto fornecer leite já não se sentem funcionais em dizer algo relevante. Cores frias e padrões de cenografia mortos, pálidos e sem a força bruta que um bumbo em dia de carnaval acorda em meu peito. Falácia assalariada e proletária. Discurso entregue à mais valia de entrar ou ficar esperando lá fora. Só peço em oração que continuem sem me entender, pra que eu possa falar cada vez mais com quem preciso conversar aqui. Dentro dessa sua humildade em devaneio, é na dificuldade que me levanto contra você. Te mando a merda e chego meu desgosto pro lado, viro outra página desse martírio e alugo um novo filme antigo. Não cheguei nem no meio da prosa que se transformou a crônica dor de ser feliz por ser assim tão descrente na vida.