quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Leves fardos

É raiva que sinto. Muitas vezes identifico isso. Vejo uma moça linda reclamar da angústia e solto um palavrão dentro de meu peito. Que ecoa. É como se descobrisse que sempre vai rolar a tal culpa. Não adianta ficar cercando o vazio, fechando o buraco enorme que temos no peito. Ele só cresce. Outra vem dizendo que só quer me dar um oi. Eu sinto vontade de lhe mandar pastar. Mas quem pasta sou eu. Pasto em olhos verdes, em olhos castanhos, em olhos azuis. Pasto em cada poesia, livro ou música legal que me inspira vida. E sigo. Cagando e andando. Mas quase sempre cagando mais, pois eu tenho uma incrível capacidade de fazer merda. Vou dançando, sorrindo e conhecendo coisas novas. Vou aprendendo e ficando cada vez mais vazio. Antes eu gostava de ser burro. Achava poético. Hoje eu não acho mais nada. Não sei mais de nada. Vou a palestras de cursos que custam os olhos da cara e que só conseguem me embrulhar o estômago. Se vejo uma pessoa dizer algo interessante, parece que só de sacanagem ela vai sorrir em seguida e fazer aparecer uma alface entre os dentes, ou regurgitar alguma pérola revestida de merda em sua retórica enrustida de poeira fútil.
Algumas coisas ainda fazem-me sentir vivo, mas fico tendo que apertar a tecla repeat pra escutar várias vezes a mesma melodia, a mesma letra. Fico pensando se minha vida tem que ser feita de repetições ou se eu tenho um gosto muito vago e restrito, pra não dizer pobre. Encontro uma antiga pessoa e ela só me recrimina. Manda-me pentear o cabelo, manda-me cortar meus dreads, manda-me não ler Huxley, manda-me trocar de roupa, manda-me tomar banho, manda-me parar de beber, manda-me cortar os pulsos. E me encho de perguntas e tenho vontade de colocá-las numa prateleira, para sentar-me num divã em um belo sábado à tarde e ficar apenas rindo ou espanando a poeira de cada uma de todas as coisas sem resposta da minha vida.
Impressiono-me com a capacidade de rever histórias em cada novo quadro, em cada nova situação social que me enquadro. Sempre aquele blá-blá-blá igual. Os pessimistas de um lado, os realistas de outro, os que agem nunca estão, os que têm coragem a gastam em vão. Daí sento-me numa praça onde encontro um alguém imaginário que deve ter um saco gigantesco, pois escuta muito mais do que fala. Daí eu falo. Falo, falo e falo. Falo coisas e percebo que quando falo, muito do que quero dizer, quero dizer pra mim mesmo. E entendo que eu preciso me ouvir e preciso gritar para que outros escutem as coisas que digo, para ajudar a sentirem-se bem e não forçados a assimilar ou concordar. Nessa hora, tudo que necessito é de um elogio. Daí vejo como meu ego é grande, gordo e escroto pra caralho. Vejo como vaidade é um lance essencial e mesquinho ao mesmo tempo. Daí quero que tudo continue como está, só para começar a entender um pouquinho tudo que mexe comigo e move o mundo. E fico feliz. Não chego a ficar eufórico, até porquê isso soaria doentio. Mas fico feliz. E então fico vendo pedras portuguesas maltratadas com a mesma cara de bobo típica de alguém que observa uma lua cheia em um céu estrelado, numa dessas praias carregadas de histórias autobiográficas. Fico vendo impossibilidades com aquela esperança de quem vê uma flor desabrochando em plena primavera. E acho tudo até meio sacal. Mas peço algo pra beber, cumpro algumas metas, acredito em meus sonhos de novo, dou umas risadas e a vida torna-se simples. Volto a ter minhas vontades loucas, minhas paixões bobas e meus sentimentos profundos. Fico apertando o repeat, aumentando o som e seguindo sem resposta alguma pra dar. Daí me sinto normal.

Um comentário:

Ponto e Vírgula disse...

Repeat!!! Repeat a sensibilidade de perceber os detalhes, as pedras da calçada, as belas músicas, a lua e o sol, a prosa e a poesia de qualidade. Repeat, desculpe a redundância, a sensibilidade de sentir. E extravese tudo aqui ou onde mais possa fazer das letrinhas algo bom de se perceber e sentir.
Um beijo
Roberta
www.robertacavalcanti.blogspot.com