sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Um serviço para Gonzo

Junto com o gole desceu uma parte de todo rancor distribuído, somado ao líquido destilado. Sentado ali naquele bar no meio do deserto mexicano, seu único companheiro fiel era o sol. Mesmo assim era só até a noite, o que provava que o companheirismo estava completamente fora de moda. O sal e o limão faziam com certa passividade seu papel naquele lenga-lenga que antecedia e precedia mais uma dose de tequila.
Quase como um clichê estampado em néon em seus pensamentos escaldados e paranóicos, uma bela mexicana com um par de coxas que intimidavam qualquer um naquele recinto adornado em reboco sentou-se ao seu lado com um sorriso sincero brotando de sua falsa existência. Ela trazia um bilhete de Gonzo. Antes quisesse passar a noite ao seu lado, pensou. Passou a mão na barba por fazer a dias e, olhando para sua cintura fina que apontava para uma bunda arredondada e fascinante, observou-a retirando-se. Com suas mãos sujas que culminavam em unhas também sujas, abriu o papel de gramatura grossa e aspecto velho, fazendo surgir para seus olhos a informação que não queria encontrar. Ia ter que fazer o serviço, mesmo tendo a pretensão de largar tudo depois da ocasião com o mariachi da aldeia que passara um longo período até cinco meses atrás.
Pediu uma última tequila, mas bebeu sem a viadagem do ritual de mistura cítrica e salgada. Deixou notas sujas em cima de um balcão poeirento, mas limpo, e saiu do bar com a cabeça erguida. Não devia nada a ninguém, a não ser um último acerto para Gonzo. Pensou em ir para o aeroporto e se mandar dali, mas logo viu que até os homens mais dignos como ele, às vezes eram assombrados por pensamentos covardes. Cuspiu no chão um catarro grosso, amarelo-esverdeado e viscoso, como a raiva que aquele sopro de covardia o fez sentir.
Antes de entrar no velho Dodge Monaco azul, olhou uma vez mais para a porta do bar por puro instinto e, pra sua surpresa, ela estava lá com suas rendas, cintura, bunda e todo o pacote de atrativos que o enlouquecera momentos antes. Olhava pra ele sorrindo e insinuava-se.
Recolocou a chave no bolso e passou a mão pela barba por fazer novamente. O sol nitidamente começava a querer abandoná-lo. Andando em cima do próprio rastro de suas pegadas marcadas no chão de areia e terra batida, encaminhou-se até ela. A noite seria quente, como tudo ali. O serviço para Gonzo seria feito com esmero, mas apenas na manhã seguinte.

3 comentários:

Anônimo disse...

o mesmo comentário de sempre.

MUITO BOM!!!

abraço e te espero no xupa com pom-pom na mão e gritando meu nome.
rsrsrsrsrs....

Anônimo disse...

Que beleza!
Me lembrou alguns filmes esse seu post. A Balada do Pistoleiro, Um Drink no INferno, Mexicana...

Show de bola
Abraço

Dai D. disse...

Isso contiua, baby?!

Bem escrito... É isso que digo.

Um beijo.