domingo, 19 de dezembro de 2010

O casamento

Casamento marcado, festa paga, convites entregues, tensão e nervosismo. Na véspera Rogério falava pelos cantos para quem quisesse ouvir, em tom de confidência pública, que a cerimônia reservaria uma grande surpresa. Falava e sorria com seu olhar claudicante. O emaranhado de tias suadas vacilava entre fofocas e otimismo desenfreado. Casar é como um batismo onde uma nova vida apaga seus pecados e transforma um menino, num homem e uma menina, numa respeitada senhora. Casar é um corredor da morte disfarçado de inebriante caminho dos sonhos. Casar é o maior ato revolucionário que alguém pode se autocometer.
Sob as veias inchadas de um retumbante sol nordestino em plena primavera, os convidados seguiam seus destinos de testemunha. Amaciavam suas bundas chatas em madeira nobre, numa simpática igreja católica degustada pelas intempéries desse senhor canalha chamado tempo. Senhoras gordas com seus braços de merendeira seguravam terços e lenços, apoiando-se sobre os bancos da frente. Uma quantidade avassaladora de pele e gordura pendia por baixo de seus ossos e balançava num ritmo próprio e frenético. Senhores com antitranspirantes vencidos e olhares de lobo, observavam pedófilicamente curvas de sobrinhas de pouca idade que corriam como gazelas, além de ancas de balzaquianas que, ano após ano, confirmavam seus desígnios de titias.
Foi apenas o padre terminar seu protocolo para o noivo retirar o trabuco de dentro de seu paletó. O calor estapafúrdio, o ineditismo daquela cena, o olhar incrédulo do chefe e padrinho do casamento de Rogério, a doce e calma certeza de que tudo terminaria ali da noiva. Tudo foi cenário. Tudo foi lampejo. Tudo foi pouco, muito pouco pra conter a fúria daquele homem em desonra que, sem vacilar, lascou chumbo no próprio chefe, em sua agora mulher e em sua própria têmpora. Os três caíram inertes ali mesmo. O corno ainda resistiria até o dia seguinte, indo ter com o diabo somente no hospital. Seu casamento não teve chuva de arroz. Não deu nem tempo de beijar a mulher que, impassível, morreu sorrindo deitada no chão e assim ficou até a perícia chegar, observada pela imagem de um santo. Seu sonho sempre fora casar-se na igreja. Ao seu lado, o marido e seu chefe, sua grande paixão, jaziam com ela. Seus fluídos uniam-se numa grande poça de sangue que, lentamente misturada, era quase um deboche a tudo que nunca poderia ter ficado junto.

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