segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Cinema

Atravessando ruas buscava uma história, mas pairava seus brancos de recesso lírico em calçadas estreitas, vitrines alouradas, bares estranhamente limpos demais e música. Para os sons que colhia, necessário seria debate-los só. Monólogos independentes de toda aquela cena organizada. Tamanha complexidade das melodias que juntavam-se uma a uma sem permissão, mas com propriedade e elegância. Rostos eram molduras pálidas de leste europeu ou rosadas e felizes como infâncias de berço. Podiam ser irônicas como as putas inseguras, negras como um Zimbábue livre ou maquiadas num estilo mambembe de circo. Obviamente existiam aquelas frontes sujas de variados pós, fuligem e até mesmo alguns retalhos feitos por armas brancas. Uma infinidade de esboços vivos de emoções estampadas em pele remexida. Dava até vontade de colecioná-las em fotos, montando uma exposição de quadros presos nas paredes de uma mente branda qualquer cheia de lamúrias. Cheiros eram protagonistas de sensações e universos que surgiam e desapareciam conforme a visão. Solitárias flagrâncias da cidade. Aquela cena urbana soava a natureza morta, mas letreiros e sinais de trânsito faziam tudo voltar à vida. Facas e pólvoras com fogo disputando espaço com damas, senhores empresários e aposentados acovardados em ares de abandono. Bancos. Espaços perseguidos pelo cansaço do viajante, pelo questionamento do passante. Mendigos como fauna. Origem brutal que diferencia espécies. Flora composta por canteiros, jornais, folhas secas e marquises infiltradas de concreto e vida. Apenas ruas de um centro latinoamericano sitiado numa cidade com stencils clamando por um Spike Lee menos racista, mas fascinantemente bairrista. Pombos e trocos e tudo que irrita fazendo pirraça na chuva que deságua em rios, em bueiros. Esgoto de grana que circula por cada idéia genial inspiradora, boa de firmar nova prosa em cerveja gelada. Balcões riscados por olhares mestiços de luta. Suores de pano sujo, de costura humilde. Sapatos caros travando pernas de músculos caídos. Risadas ecoando sem trazer malditas histórias. Nada traria. Nem atravessar malditas avenidas todo dia. Nada traria.

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