sábado, 16 de janeiro de 2010

Um buraco no teto

I.Ficávamos a tarde inteira naquele sofá. O cheiro das mangueiras entrava adocicando o quarto por uma grande janela que vivia aberta na varanda, com cadeiras antigas e confortáveis. Com o rifle apontado para cima, nos divertíamos mirando a lâmpada apagada. Nossos rostos chegavam muito mais perto do que poderíamos em qualquer outra situação. Acho que isso criava inocentemente uma atmosfera proibida, que transformava minha testa em uma espécie de caminho para gotas rolantes de suor. Em certos dias sentia-me tão excitada que a vontade era de apertar aquele gatilho e atirar. Atirar pro alto, no teto, em um galho ou até em algum pequeno animal. Sentia-me bandida ao seu lado. Sentia-me nua perto de seu corpo coberto de tatuagens.


II.Aquela garota era realmente especial. Não tinha medo de mim, de meu sobrenome raso e de meus poucos dias fora da prisão. Gostava realmente de ficar comigo naquele sofá velho aprendendo a montar e desmontar aquele antigo rifle. Enquanto mirávamos para alvos inventados por nosso tédio, seu cheiro de sabão e leve colônia elevavam meu espírito e transformavam minhas narinas em dois escravos daquela menina. Meus pensamentos vagueavam entre o sacro e o profano com ela ao meu lado. Sentia-me puro ao seu lado. Sentia-me puro e longe de meus infernos perto de sua pele rosada em inocência.


III.Um tiro é disparado e um pouco de reboco cai do buraco feito no teto da antiga casa. Um cachorro late ao longe até o forte calor convencer sua cabeça animal que não vale a pena tanto esforço. Um rádio gorduroso toca uma música espanhola cheia de ritmo e cordas, enquanto duas pessoas transformam seus corpos em alguma coisa parecida com a Disneylândia. O rifle assiste tudo ainda quente, largado ao chão, exalando cheiro de pólvora e munição velha.

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